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Quinta-feira, 1/5/2008
Diário de uma desempregada
Débora Costa e Silva

"Não há vagas". A frase me é tão familiar que, quando o Julio propôs este tema como o especial do mês, me assustei e então tive certeza: é perseguição. Só pode ser. Ou então estou ficando realmente louca, afinal, ouço e leio a expressão quase todo dia, vai ver estou vendo ou ouvindo além da conta. Até o Digestivo ia entrar nessa? Bom, depois destas breves alucinações, resolvi escrever logo alguma coisa sobre o assunto antes que eu arrume emprego (vamos torcer!) e não tenha mais tanto tempo nem a emoção inenarrável para transmitir aos leitores a incrível sensação de ficar sem emprego.

Não trabalhar é como, para um escritor, ter uma página em branco e não ter caneta, lápis ou qualquer coisa para rabiscar o papel. É a sensação que tenho todo dia: uma página em branco. Quatro meses de páginas e páginas em branco. Para quem, como eu, é um profissional de comunicação e da escrita, isso não é apenas uma metáfora: é a realidade. É difícil algo te inspirar a escrever de forma criativa ou a elaborar pautas originais quando se vive sem estabilidade profissional, sem uma ocupação na sociedade, sem uma função. E então, de fato, a página fica em branco.

Bom, poderia ficar aqui devaneando sobre as angústias de não se ter emprego para sempre, afinal, adoro um bom dramalhão mexicano. Mas acho que não é o caso, então guardarei minhas lamúrias para os mais íntimos e para o blog. Também não sou tão especialista no assunto a ponto de analisar o mercado, as condições financeiras das empresas, o funcionamento dos serviços de RH, agências de emprego e até cursos profissionalizantes e faculdades que brotam pelas esquinas. Isso eu deixo para quem entende mesmo do problema e até indico um livro para quem se interessar: Como conseguir um emprego no Brasil do século XXI, de Thomas A. Case. Espero profundamente que você, leitor, não chegue ao ponto de precisar (e querer) ler este livro...

Vamos então ao divertido cotidiano de uma garota recém-formada desempregada: você acorda, liga o computador, abre teu e-mail sempre à espera de alguma resposta, algum agendamento de entrevista, se frustra pois é raríssimo ter algo do tipo - geralmente as respostas vêm com o nome igual ao do especial do Digestivo - e depois segue para os sites onde costumam publicar vagas da sua área. Aí seu dia começa a ficar realmente triste e lamentável: as vagas não são nem um pouco atraentes e você ainda tem que mandar um e-mail otimista e alegre, para passar uma imagem de que você realmente quer trabalhar ali, como nunca quis outra coisa antes.

Pior do que isso só as perguntas que tem que responder em sites, como o Catho, quando você se candidata a alguma vaga. Questões como "fale de sua experiência", "fale de suas características e habilidades", "fale de suas expectativas para trabalhar conosco", "fale do que almeja em sua carreira" e "descreva como foi seu curso", quando são lidas pela enésima vez ao dia, já lhe esgotam a paciência, bom humor e criatividade (sim, é preciso muita criatividade para responder tais perguntas). O negócio fica realmente tragicômico quando você se depara com questões do tipo "você aceita trabalhar como freelancer?", "você tem veículo próprio?" e "você pode trabalhar em sua casa, com seus recursos próprios?". O que mais vão exigir? Que se aceite trabalhar 13 horas por dia, que não se incomode em levar marmita e que, por favor, entenda que aos finais de semana não temos horário para encerrar o expediente? E o pior: a resposta é sempre positiva.

Claro, trabalho é trabalho e eu quero mais é estar empregada. E sim, aceito todas as condições, não estou em uma posição muito confortável para recusar alguma coisa porque o salário está abaixo do piso, gastarei muito com condução ou porque meu vale-refeição é insuficiente. Mas é um absurdo o que estão exigindo das pessoas e não me venham dizer que, por culpa dos que aceitam todas as condições sub-humanas impostas pelos empregadores os salários, os cargos e todo o resto não são grande coisa. O que esperam que os desempregados façam? Passem fome, mas mantenham a "dignidade profissional"? As pessoas estão pouco se lixando, querem apenas trabalhar, ganhar seu dinheirinho no final do mês e pagar as contas em dia. Ter um emprego é sinônimo de ter dignidade. E as empresas aproveitam a frágil situação de quem procura um emprego para extrair do profissional tudo o que ele tem para oferecer (ou às vezes nem tem) a um custo miserável.

Na época em que fui estagiária do Digestivo, recebia diversos e-mails de jornalistas se candidatando a uma possível vaga. Alguns tinham bons currículos, anos de experiência e eu só rezava e pedia para que aquela situação não se invertesse tão cedo. Cá estou eu, formada e implorando para todos os lugares um cantinho para eu sentar, colocar minha bolsa, usar o computador e fazer milhares de textos. Topo publicidade também, é bom avisar. Não é minha praia, mas também, quem é que trabalha na área hoje em dia? Se você trabalha, sinta-se a exceção da exceção. Se está feliz e satisfeito, jamais deixe alguém te beliscar ― deve estar sonhando ou delirando em algum bar após algumas boas doses.

Tenho medo do meu futuro. O otimismo se esconde tão bem da gente nessa fase que fica difícil não pensar que você viverá para sempre desempregada. Ou então que este mal baterá em sua porta a todo o momento. E daí para se imaginar em um bar, contando moedas, de dentes amarelados, olheiras, cabelo despenteado, jornais amassados no balcão ao lado de um copinho de pinga é um pulo. As pessoas pensam que é exagero, te dizem que daqui a pouco algo aparece ou ainda falam cuidadosamente sobre como você pode estar "escolhendo demais" ou "superestimando" a tal vaga e depois ninguém entende seu mau humor, falta de assunto ou ausência em festas. Esquecem também que dinheiro não brota em árvore e que é chato ser bancado toda sexta-feira pelo amigo rico. Esquecem que você está aberto a tudo e todos, óbvio, e que não depende só de você arrumar um emprego. Esquecem que a frustração e o sentimento de derrota te acompanham da padaria até o shopping (alguém falou em compras? Continuo delirando...) e voltam para dormir juntinho com você mais uma noite. E mais outra. E mais várias outras noites.

O fato é que é realmente desgastante todo o processo de se procurar um emprego, o que inclui até ligar para os amigos e os "contatos" se oferecendo para trabalhar ou pedindo mesmo, descaradamente, uma mão, uma indicação, uma lembrança qualquer, um apoio ou até mesmo um empréstimo. E vai ter uma hora que a situação chega no limite: os projetos pessoais que, um dia, bem ao longo prazo, poderiam render frutos já estão mais que falidos, as possíveis chances na ex-empresa ou no trabalho de um amigo se esvaíram. O que lhe resta? Até dói escrever: mudar de área e atacar por todos os lados.

Infelizmente, muitos chegam a esse ponto e já nem vêem tanto problema em deixar o sonho de lado para serem funcionários públicos ou assistentes administrativos. Afinal, dizem mesmo que são poucos os que "chegam lá", se realizam e se dão bem (financeiramente e pessoalmente). Além do mais, como havia dito anteriormente, trabalho é trabalho, quem disse que precisa trabalhar com o que gosta, não é? Aliás, gostaria mesmo de saber quem foi que falou isso para mim, exigiria muitas explicações! Mas enfim, é o momento de deixar o orgulho de lado e encarar a realidade.

Daí para frente eu já não posso dizer, ainda não estou atuando em outra área, mas não descarto a possibilidade ― acho que é questão de tempo. Sei que muito depende da própria pessoa se dedicar a procurar, a desenvolver projetos, vender idéias e pautas (no meu caso), entre outras coisas. Mas todos sabem que sem "contato", sem "indicação", persistência e até disponibilidade de tempo para se dedicar ao que gosta e tentar fazer a "diferença", não se chega muito longe. Perdoem meu pessimismo, mas agora que vivo a situação sei como não é fácil. Quanto ao empreendedorismo, acho que é uma grande solução que muitos não vêem ainda como uma possibilidade de tanto que se acostumaram a ser apenas empregados. Mas é algo que também depende de muitos fatores para acontecer, inclusive (e principalmente) o financeiro, para um investimento inicial, por exemplo.

Gostaria de terminar este texto com uma mensagem positiva, pedindo a todos que não se matem e que esperem mais um pouco, pois sua chance está por vir, mas seria hipocrisia demais da minha parte. Não sei por que também reclamo tanto, afinal, escolhi como profissão o jornalismo, até parece que não sabia que não seria tão simples minha vida profissional. Sim, já esperava, é verdade, mas não imaginava que fosse tão cruel, tão instável e tão seletivo assim. O que posso prometer é que depois que arrumar um trabalho, meus textos ficarão menos melancólicos e pessimistas. Pelo menos enquanto durar a euforia dos três primeiros meses. Depois? Bem, o depois daria pano para manga para outro especial...

Débora Costa e Silva
São Paulo, 1/5/2008

 

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