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Quinta-feira, 19/6/2008
Sex and the City
Débora Costa e Silva

Dia dos namorados, 12 de junho, 2008. Quinta-feira, pós-derrota do Timão na Copa do Brasil. Nesta noite, São Paulo, mesmo gelada, árida e cinza, abrigou diversos casais, apaixonados ou não, que aproveitavam a ocasião da data comercial para se reunirem em bares de esquinas, shoppings, lanchonetes e banquinhos do metrô ― estabelecimentos mais íntimos e românticos, como motéis e cantinas italianas, também deviam estar cheios de pares, mas a reportagem não pôde conferir. Com exceção de quem está vivendo um romance pleno como nos filmes ou propagandas da Renner e do Boticário, este dia chega a ser um pouco incômodo. Para quem está solteira, fica mal porque o universo te lembra que você está encalhada e isso é um problema. Se você está ficando com alguém, mas não tem um compromisso, não sabe o que faz. Dar ou não presente? Aproveito e peço em namoro hoje? Finjo que não sei de nada? Se você namora, mas não está satisfeito, também é um problema, afinal, você jamais terminará um namoro pouco antes, durante ou logo depois do dia dos namorados.

Toda essa filosofia barata para dizer que, no dia dos namorados, fui ao cinema com minha amiga ver Sex and the City. Tive a impressão de viver o filme enquanto via o filme. Só não foi mais próximo da realidade porque nem tudo na vida se copia da ficção. Meu principal grupo de amigas, como o da Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte, são de três, não de quatro garotas ― mas não é por isso que deixa de ser menos Sex and the City. A terceira não foi, preferiu algo mais agitado e propício para a celebração: uma festa só de solteiros. E o filme em si não tem nada demais, típica comédia romântica hollywoodiana, com final feliz, musiquinhas meigas para mulheres chorarem na hora em que um casamento termina, musiquinha animada na hora em que as mulheres dão a volta por cima e truques afins. O enredo também não surpreende muito. Apesar de não ser uma telespectadora assídua do seriado que originou o filme (na verdade, nunca tinha visto um episódio), não achei nada de incrível, fantástico, sacadas geniais e piadas inovadoras.

Mas não foi com a intenção de escrever um resenha sobre o longa que comecei este texto. A questão não é se é bom ou ruim, mas sim o que ele representa. Para mim, simbolizou, sintetizou e traduziu tudo o que venho observando por aí na minha vida de recém-solteira. Depois de um relacionamento sério, caí das nuvens direto para o universo das mulheres insatisfeitas com os homens ― e nessa categoria entram tanto as que reclamam de ter pouco quanto as que têm muitos (e querem ainda mais). Exagero? Mau-amadas? Pós-Feminismo? Mulher moderna? Sobre teorias e classificações eu não sei e não me interesso em saber. O que sei é que não há como negar que Sex and the City, sendo clichê, fútil ou seja lá o que for, acerta em cheio no calcanhar-de-aquiles de qualquer mulher (pode ser culta, hippie, alternativa, lésbica, dark ou paty): relacionamentos.

Pois é. Enquanto os homens variam de cerveja, futebol e mulher, nós, mulheres, falamos só deles. Mentira! Também falamos de marcas de blush, condicionador e perfumes, grifes, culinária, novela, horóscopo, papel de carta, Barbie, TPM, filhos, amamentação, fraldas, bingo, vizinhas, vadias que dão em cima do marido... ops! Lá vêm eles de novo. É a isso que se resume nossa vida? Claro que não, todos conhecem muito bem a tal "mulher moderna", que, além de cuidar do filho e do marido, tem uma carreira e se preocupa com a aparência. Ah, sim, e ainda tem que estar de bom humor com o chefe, saltitante e criativa com as crianças e bela, exuberante e sensual para o marido, para manter o amor, não cair na rotina e não dar brechas para que ele te traia. Ufa!

Mas antes, bem antes, de tudo isso acontecer, quando nosso sonho de consumo ainda era o Sansão de pelúcia da Mônica, já estávamos sendo corrompidas, preparadas e encaminhadas para a peregrinação em busca do príncipe encantado. Como já alertou uma amiga minha, maldito Walt Disney que implantou nas nossas cabeças os contos de fadas em que a "heroína" nada mais é do que uma mulher que tem uma vida miserável, coitada, sem graça, sem esperanças, até que surge o incrível príncipe que a tira do tédio, faz acontecer e a leva para seu castelo para viverem felizes para sempre. Aí, é claro, as garotinhas crescem com isso no imaginário: "um dia vai aparecer um homem maravilhoso e eu irei viver com ele 'feliz para sempre'".

Graças a Deus (ou aos sutiãs queimados na década de 60), as coisas mudaram. Os casamentos podem acabar, mulheres podem votar, trabalhar e ter vida própria. Porém, ainda assim, nós, mulheres, insistimos em focar nossa vida, mesmo atribulada, naqueles que nos fazem sonhar, voar, cantar, comprar (sim, paixão é um importante combustível do capitalismo), beijar, filosofar, poetizar, subir pelas paredes, planejar, esperar (ligações, e-mails, mensagens, qualquer sinal!), esbravejar, esganar, chorar, entrar em depressão, se vingar, para depois esquecer e começar tudo de novo. E depois de tudo, chegar a uma mesma conclusão: todos são iguais.

Claro, nada é tão simples e previsível como parece. Cada caso é um caso. E cada uma tem um homem-problema diferente: o carente, o galinha, o grude, o comprometido, o engraçadão, o canalha politicamente-correto, o egocêntrico, o tímido, o desencanado, o sincero, o ciumento e assim caminha a humanidade. Tais generalizações parecem os títulos dos episódios de alguma temporada de Sex and the City. Não é à toa que faz tanto sucesso. Diferente de programas de TV, revistas e livros de auto-ajuda voltados ao público feminino, o seriado (e o filme) não propõe nenhuma dica, mandamento ou conselho sobre o que se fazer em cada situação. O truque é simples: descreve-se um caso do ponto de vista de uma mulher, as outras que assistem se identificam e pronto! Não preciso entrar em detalhes sobre como as roupas caríssimas de Carrie ou os restaurantes que as moças da série freqüentam estão distantes da realidade de muitas telespectadoras. A identificação com os problemas de relacionamento já basta para ganhar o público feminino.

Apesar de a maioria das minhas amigas ainda estarem na fase pré-balzaca (antes dos 30), posso garantir que as histórias são as mesmas das personagens ― o que muda é o cenário, de Nova York para São Paulo. A vulnerabilidade dos relacionamentos de hoje é apenas parte do resultado de uma série de mudanças que ocorreram com as mulheres de uns tempos pra cá. O que não muda é a necessidade de amar e estar apaixonada. E isso não tem jeito, pode reclamar, se vingar, se reunir com as amigas, ver Sex and the City, se revoltar, que o final será sempre o mesmo. Só espero que parem de ansiar pelo "felizes para sempre", que não vai aparecer. Que se conformem com o "infinito enquanto dure", de Vinicius de Moraes, e saibam aproveitar cada momento como o último. As queixas vão sempre existir, isso também não tem solução aparente. Mas acho que uma guerra entre sexos de vez em quando é até saudável, faz bem à pele, rejuvenesce e revigora os hormônios, que vivem inquietos. Ainda bem!

Débora Costa e Silva
São Paulo, 19/6/2008

 

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