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Quarta-feira, 23/7/2008
Twitter e as amebas
Rafael Fernandes

Criei uma conta no Twitter para participar do Especial de junho, cujo tema é exatamente essa nova ferramenta da comunicação on-line. É o tal do "microblogging", que, como o próprio nome diz, pega a idéia de um blog, mas em pequenas pílulas de informação ― no máximo 140 toques. Também é uma rede social, como o Orkut ou MySpace, em que adicionamos amigos, ídolos ou pessoas que achamos interessantes. Agora, nós "seguimos" quem queremos, e somos "seguidos" por quem não necessariamente queremos. Achei que pudesse ser uma grande bobagem, um lugar onde um monte de gente chata falaria besteiras do tipo "acabei de ir ao banheiro", "está chovendo", "que dia chato", "quero matar meu chefe" etc. Mas não é isso. Quero dizer, é isso também, mas como na grande maioria das coisas que existe na internet é preciso escolher o que e como usar. O Orkut pode ser uma inutilidade se servir para contar amigos ou bisbilhotar a vida alheia, mas é ótimo para manter contato com pessoas de longe ou achar informações em certas comunidades que não se encontra em outros lugares ― lá continua sendo minha principal fonte de notícias de algumas bandas. Como um blog pode ser um marasmo se só colocarmos banalidades e se não nos conectarmos com outros blogs relevantes.

Na primeira experiência como usuário do Twitter, recebi uma série de mensagens de erro, que parecem ser uma constante do servidor, talvez pelo excesso de gente. Comecei a adicionar os prezados colegas deste site, além de duas figuras que acompanho também em blogs: o Fred Wilson e o Seth Godin. Aqui, um dos primeiros problemas: como tenho o RSS de ambos no Google Reader, acabo tendo duplicidade de informação. Mas nada que incomode tanto. Um lado, digamos, "positivo" é saber que não é só você que tem dificuldades em organizar o tempo, colocar a leitura em dia etc ― uma reclamação constante nas mensagens alheias. Um outro ponto pró foi percebido pela Verônica: "Mas o fantástico do Twitter é a volta em grande estilo de aforismos e frases de efeito! O espírito de Wilde que paire sobre nós". A possibilidade de encontrar pequenas pérolas por lá me é mais instigante do que a possibilidade de encontrar besteiras. Como colocado no parágrafo anterior, uma das grandes sacadas da internet é a possibilidade de escolher o que se quer ver. Por outro lado, o Twitter segue um perigo da rede: pode viciar, pode se tornar uma perda de tempo ou um labirinto de informações se não for bem controlado.

Outro fator interessante não só do Twitter, mas de todas as redes sociais, é ligar pessoas de lugares diversos e que se julgam diferentes ― e obviamente são, mas que se encontram em intersecções que nunca imaginariam ― seja em músicas, assuntos de interesse ou pensamentos. Esse é um dos motes do Last.fm, em que, a cada página de usuários que adentramos, somos comparados em termos de gostos musicais. E há surpresas. De algumas pessoas que achávamos ter gosto parecido, há discrepância; e de quem achávamos tão distantes, observamos grandes conexões. Também é interessante observar nessas redes ― tanto em nós quanto em nossos "amigos", seguidores, ou seja lá o que for ― a característica de grande diversidade de gostos, comportamento e atitudes. É muito difícil encontrar um "total" erudito nas artes, ou alguém que se interesse só por business e não por alguma manifestação artística. Os gostos estão muitos misturados, não há mais "pureza" ou regra. Na verdade, nunca houve, mas agora fica mais explícito. Todo mundo tem um "ponto fraco" ― aquele filme babaca dentro de um catálogo de películas de arte, uma música do Roupa Nova ouvida por um admirador de black metal e assim vai. Como a maioria das pessoas tem interesses e aspirações em campos que antes julgávamos tão distantes ― aquele matemático nerd pode ser um ótimo ator amador.

Posso entender quem não goste ou não tenha paciência para essas coisas. Tudo está no limite da histeria, da mania de ter amigos virtuais, de sempre procurar a mais incrível novidade daquele momento ― que na internet pode mudar em uma semana (ou menos). O que se convencionou de chamar de hype, que pode ser substituído sem grandes perdas por "oba-oba", é a constante celebração de uma suposta genialidade em tudo que aparece de novo, em qualquer área que observamos, e com força na internet ― em que a questão do "tempo real" eleva a situação a várias potências. Isso de certa forma está virando um pesadelo, que pode destruir a elaboração, o preparo, a concentração, a contemplação em prol do efêmero, da necessidade de ser cada vez mais atual, de saber o que ninguém sabia, de tentar absorver tudo ao mesmo tempo e pular para o próximo em segundos. Uma urgência que por vezes nos tira o fôlego. Mas se por um lado essas redes sociais podem trazer os malefícios da exposição, distração e excesso de informações, por outro podemos ver a riqueza e diversidade desse caleidoscópio que é o ser humano. Temos de procurar entender como usá-los adequadamente para as nossas necessidades e aspirações ― não há receita de uso pronta.

E me parece que, principalmente no Brasil, algumas pessoas (ainda) insistem em não (querer) entender a internet. E quando falo internet me refiro a sites, e-mail, Google, AdSense, redes sociais, troca de arquivos, constante troca de informações, Web 2.0 (agora também a 3.0), compras on-line, internet banking etc. etc. etc. Tem quem ainda ache que internet é apenas um poço de lixo. Isso se agrava com as redes sociais ― "é coisa de adolescente". Ou quem diz que o tempo antes da internet é que era bom. Não canso (ou melhor, canso, sim) de ler textos de gente querendo o "novo Tolstói" da internet. O mundo não precisa de um novo Tolstói ― para quê? Já tem um! Precisamos de coisas novas. Vejo gente que diz, com pouco ou nenhum conhecimento de causa, que tudo é muito chato, que bom mesmo "era no meu tempo". O mundo muda, as transformações sociais ocorrem a cada segundo ― não dá pra esperar que os anos __ (insira o seu preferido aqui) voltem. A mutação da humanidade é constante e como em todas as épocas acarreta seus prós e contras. Se a geração anterior sempre é a melhor, vamos descobrir que bom mesmo era quando éramos amebas.

Rafael Fernandes
São Paulo, 23/7/2008

 

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