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Quinta-feira, 24/7/2008
A simplicidade do humano em Pantanal
Taís Kerche

A novela Pantanal está de volta e está sendo uma delícia revê-la depois de 18 anos de sua primeira exibição na TV. Ao mesmo tempo em que a assisto, fico refletindo e procurando os porquês de tanto sucesso e os porquês do sucesso em pleno século XXI. Quero saber o que nos prende em frente à telinha e não nos deixa levantar do sofá, por minutos a fio, sem pausa. E chego à conclusão de que há diversos fatores que se resumem em um único adjetivo: humana.

A novela teve sua primeira exibição no ano de 1990, na extinta TV Manchete. Na época, concorreu diretamente com a TV Globo e chegou a bater o consagrado canal com recordes de audiência, indo além dos estimados 40 pontos. Hoje, exibida pelo SBT, tem ganhado seus merecidos pontos e um bom lugar no ranking. Escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jaime Monjardim, a novela é sempre lembrada com muito carinho por todos que, na época, tiveram a oportunidade de assisti-la.

Hoje, 2008, todos esses que a assistiram e agora a estão revendo, provavelmente sentem a mesma emoção que tenho sentido diariamente. E agora, com olhos 18 anos mais velhos e, portanto, mais lapidados, consigo enxergar a beleza e a qualidade da novela. Posso enxergar sua inocência, sua humanidade, sua natureza. Posso sentir seu ritmo desacelerado, com imagens e acontecimentos lentos que abrem espaço a reflexões e análises.

Primeiramente, é preciso ressaltar as lindas imagens do Pantanal mato-grossense. São ângulos e luzes que raramente são vistos na TV e que fazem daquela natureza uma personagem, a mais forte de todas. Em seguida, nos enche os olhos a pureza das cenas. É a mãe com sua filha tomando banho no rio, as duas nuas, sozinhas, fazendo parte de toda aquela força. É o curandeiro que faz seu ritual para salvar a mulher de uma picada de cobra. É o desespero de uma mulher que ama seu patrão e o vê nos braços de outra, mas por amá-lo tão fortemente, o respeita. É a saudade que um pai tem de seu filho. É a descoberta de uma paixão. A paixão, um sentimento tão menosprezado hoje em dia e que ganha olhos brilhantes de seus atores durante toda a trama.

Há também, na construção da trama, a simplicidade das relações humanas e da vida, cheia de pequenos prazeres. Essa simplicidade está inserida nas personagens, sejam elas do interior do Pantanal ou do centro do Rio de Janeiro. Todas amam, se apaixonam, se arrependem, morrem, choram, sofrem, sentem prazer, orgulho e magoam-se. Todos os sentimentos são abordados de maneira nobre, ninguém menospreza nenhum deles. E eles são mais valorizados do que posições sociais, cargos em empresas, ou seja, títulos que o homem carrega para ter mais ou menos poder.

Outra particularidade encantadora da novela é que não há ninguém extremamente bom e nem extremamente mal. Não há luta de classes, portanto não há a luta por poder. O único poder quem exerce é a natureza e dela surgem lendas, mitos e sonhos. Ela faz nascer e morrer, é ela quem define o destino das personagens. Já o dinheiro, tão poderoso nos dias de hoje, que faz e acontece nas melhores tramas, em Pantanal é apenas um elemento que faz parte da vida. Ninguém sente desejo por ele, não é um personagem pelo qual todos ambicionam. Portanto, não faz parte do conflito da trama, como acontece nas novelas atuais e também na vida contemporânea.

A primeira fase, que foi veiculada há algumas semanas pelo SBT, é de uma beleza inesquecível. Depois de 18 anos, eu ainda podia lembrar de detalhes, de interpretações magistrais, como a de Cássia Kiss, a Maria Marruá, ao parir a Juma numa canoa no meio do rio; como a felicidade de Paulo Gorgulho, o sr. José Leôncio, com o nascimento do filho; como as conversas entre Marcos Caruso, o Tião, e Ewerton de Castro, o Quim, que carregam como característica principal a total simplicidade; como as cenas de amor e ciúme contido de Tânia Alves, a Filó, pelo patrão. E algo curioso aconteceu na época da primeira exibição: Paulo Gorgulho fez tanto sucesso no papel de José Leôncio que o público pediu a sua volta. Tanto que, na segunda fase da novela, ele volta como filho de Cláudio Marzo, com a personagem José Lucas.

E a segunda fase não deixa a desejar. Cláudio Marzo, Jussara Freira, Marcos Winter, Cristiana Oliveira, Marcos Palmeira e todos os outros atores mostram a paixão com que fizeram a novela e, portanto, podemos ver em suas interpretações a dedicação que foi dispendida. É a imaturidade de Juventino, a ignorância de seu pai José Leôncio, o amor de Filó, a inocência de Tadeu, a revolta de Maria (a Bruaca).

O sucesso de Pantanal está aí, está no humano e na magia que é a vida. Essa novela trouxe e traz à tona a pureza e, nela, a verdadeira natureza do sexo, a felicidade que pode ser vivida no que há de mais simples, o respeito pelos sentimentos, sejam eles os mais rudes ou os mais profundos e pelas escolhas, pelos valores e pelas crenças de cada um. Sem contar o respeito pela natureza que impera tanto nas imagens como na história. São valores que estão bem esquecidos na vida que temos levado neste início do século XXI, por uma sociedade tão carente de sentimentos e simplicidade, carente de histórias como essa, com seus mitos, lendas e verdades.

Taís Kerche
Santo André, 24/7/2008

 

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