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Terça-feira, 30/12/2008
Meus melhores filmes de 2008
Rafael Rodrigues

Qualquer lista de "melhores filmes de 2008" deve conter, obrigatoriamente, Onde os fracos não têm vez, Os indomáveis e Sangue Negro. Se não os três, ao menos um deles. Mesmo que o "listante" não tenha assistido a nenhum dos filmes. Para esses, fica aqui uma dica: coloque o título de um dos três e, ao explicar o motivo de ele estar na sua lista, diga mais ou menos assim: "Não tenho palavras para descrever a beleza deste filme. O melhor é você não perder tempo lendo sobre ele e correr para assisti-lo!". Se você for um blogueiro, mesmo que muito famoso e conceituado, isso vai bastar, vá por mim. Sua platéia não vai exigir mais que isso.

Mas, nesta minha lista, não colocarei nenhum dos três filmaços citados acima. Por dois motivos. O primeiro: já falei deles antes. O segundo: por mais que tenham estreado no Brasil em 2008, todos os três estrearam nos EUA em 2007, já foram indicados e premiados com Oscars, Globos de Ouro, BAFTAs etc. Por isso, achei melhor me ater a produções que assisti e que estrearam nos EUA em 2008, até por conta de dois deles terem presença garantida na próxima edição do Oscar.

Selecionei três filmes. É um número é ímpar (gosto de números ímpares) e acho que é o bastante. Além de não ser um grande prejuízo sair da locadora com três DVDs alugados, caso alguém ainda não tenha assistido a nenhum deles e resolva fazer isso após ler o texto. Mas deixemos de conversa e vamos aos filmes, por ordem cronológica.

Ponto de vista ― Não me peçam para explicar, mesmo porque eu não sei, mas adoro o Dennis Quaid. Quem não assistiu a Viagem Insólita? Ou a Dois espiões e um bebê? São filmes que a Sessão da Tarde poderia passar toda semana que eu, se estivesse em casa de bobeira, assistiria.

Foi por causa de Quaid que quis assistir a Ponto de vista. A história, para ser bem sucinto, é a seguinte: o serviço secreto norte-americano consegue se antecipar a uma tentativa de assassinato ao presidente dos Estados Unidos, que está na Espanha para assinar um documento contra o terrorismo. A cerimônia acontece em praça pública, com a presença de milhares de pessoas e o atentado ocorre ― aliás, os atentados: um contra o presidente (na verdade, contra um sósia do presidente) e outros contra a multidão reunida ali (várias bombas são detonadas na praça e arredores).

Mas isso é só o catalisador da história. O filme conta um fato ― esses atentados ― sob a ótica de diversos personagens. Os principais são: Thomas Barnes (Dennis Quaid), que há cerca de 1 ano salvou a vida do mesmo presidente, levando um tiro que deveria atingi-lo; Howard Lewis (Forest Whitaker), um turista americano que, por acaso, consegue filmar alguns acontecimentos cruciais para o entendimento da história; Javier (Edgar Ramirez), que consegue seqüestrar o presidente dos EUA para entregá-lo a um grupo de terroristas que está com seu irmão como refém; e Kent Taylor (Matthew Fox, o Jack de Lost) que é o "parceiro" de Barnes (entre aspas porque ele, na verdade, é integrante do grupo de terroristas que promove os atentados).

Mas não esperem aquele negócio de luta contra o terrorismo à la Jack Bauer. Ponto de vista não é um filme que levanta questões sociais ou geopolíticas ― que dizer, essas questões ficam em segundo ou terceiro plano. Ponto de vista é um filme para entreter, é um thriller. O mais legal dele é o fato de serem mostrados os diversos pontos de vista, como cada personagem viu o mesmo acontecido, quais as reações de cada um, o que realmente importa para eles. Acaba sendo um drama, também.

Por incrível que pareça, o mais interessante do filme é justamente seu ponto fraco. Cada personagem tem uma história bem maior do que os poucos minutos reservados para cada ponto de vista pode demonstrar, mas eles são tantos que o espectador mal tem tempo de digerir um e outro já está sendo apresentado. Tudo bem que se pode recorrer à literatura e pensar naquilo de "a história implícita" (coisa da teoria do conto de Ricardo Piglia: todo conto tem duas histórias, uma superficial e uma secreta). Dessa forma, o espectador imagina qual seria o passado e o futuro de cada um dos personagens. Mas os conflitos internos (ou pessoais ou existenciais) dos personagens não foram tão bem aproveitados como poderiam ser, caso fossem mostrados pontos de vista de apenas dois ou três personagens, por exemplo. Isso não prejudica o filme, de maneira alguma, mas talvez ele fosse ainda melhor, caso fossem apresentados menos visões do mesmo acontecido.

Não há nenhuma interpretação digna de aplausos efusivos, mas é bom notar como Forest Whitaker consegue desempenhar quase perfeitamente o papel a ele designado, de um homem em crise que resolve ir para a Espanha passar uns dias como turista para tentar esquecer, ao menos por um tempo, seus problemas pessoais.

Wall-E ― Uma prova de que diálogos nem sempre são necessários é o filme Wall-E, mais uma animação da Disney em parceria com a Pixar. Eu deveria ter marcado no relógio, mas acredito que a primeira palavra do filme foi dita 10 minutos depois de seu início. Ainda assim, não era um diálogo, mas o letreiro de um outdoor, se eu não estiver enganado, uma maneira que os roteiristas (Andrew Stanton e Pete Docter) encontraram para explicar a situação mostrada na telona.

Quem assistiu a Eu sou a lenda pode achar os filmes um pouco parecidos. Como no longa estrelado por Will Smith, em Wall-E não há mais ninguém habitando a Terra (quer dizer, em Eu sou a lenda não é bem assim...), apenas um robô caminha pelas ruas de algum lugar do nosso planeta. É Wall-E, sigla de "Waste Allocation Load Lifters ― Earth" (tradução, direto do Cinepop: "Levantadores de Cargas Desnecessárias da Terra"), ou seja, catador de lixo. O simpático robozinho Wall-E é um catador de lixo incansável. Todos os dias ele sai de sua "casa" para fazer seu trabalho e recolher, para si, objetos que acha interessantes. Ele não fala, e sua única companhia é uma baratinha, que ele quase mata umas três vezes.

Os dias de Wall-E seriam exatamente iguais se não fosse o fato de uma nave pousar em solo terráqueo e dela descer uma robozinha muito nervosinha, a Eve.

Só depois vamos saber que Eve procura algum sinal de vida na Terra. Aos poucos a trama vai se explicando, e certos fatos dão a entender que houve alguma espécie de contaminação na Terra, por algum tipo de vírus, bomba, ou pelos próprios humanos, isso não fica claro. O que se sabe é que a vida se torna impossibilitada em nosso planeta, e os humanos vão viver em uma espécie de cruzeiro espacial, em uma mega-nave onde ninguém anda. Na verdade, mal e mal mexem as mãos. Todos ficam sentados em cadeiras flutuantes, diante de telas, conversando com outras pessoas por meio de video-conferência ou assistindo a programas, filmes etc. O contato físico é inexistente. Essas telas e as cadeiras flutuantes provocaram uma lavagem cerebral nos humanos, que já nem se lembram da Terra. Quer dizer, não podem lembrar, pois faz séculos que os humanos estão no espaço. Esta geração, de fato, não conhece nosso planeta.

Mas em determinado ponto do filme Eve encontra uma planta (encontrada, na verdade, por Wall-E), e é quando realmente a ação começa.

Wall-E é uma animação, o que faz muitos pais levarem seus filhos para o assistirem, mas, na minha opinião, é um filme para todas as idades. Muito mais para adultos, aliás. É engraçado, emocionante, romântico e "eletrizante", digamos assim. Alguns críticos norte-americanos definiram o filme como um clássico (eu assino embaixo), e a Disney quer que o filme concorra ao Oscar de Melhor Filme de 2008. Não obstante as justificativas de que Wall-E é uma animação e, por isso, deve concorrer ao Oscar de Melhor Animação, acredito que ele mereça a indicação à categoria principal ― feito só atingido por A Bela e a Fera, em 1991. O filme de Stanton e Docter é realmente uma animação diferenciada, excepcionalmente bem feita e com um roteiro irretocável.

Ensaio sobre a cegueira ― Faz tempo que li o romance Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Creio que foi em 2003 ― eu tinha 19 ou 20 anos. A memória não me permite lembrar detalhes do livro (foi por isso que o comprei recentemente, quero relê-lo), mas recordo que fiquei estupefato. Daí o interesse pela sua adaptação cinematográfica, dirigida pelo brasileiro mais globalizado do cinema, Fernando Meirelles.

Minha expectativa era enorme, por causa do livro (arrisco dizer que já é um clássico da literatura de todos os tempos; e, se não é ainda, vai ser; aliás, se não era ainda, agora é, eu proclamo isto aqui). Talvez isso tenha feito com que eu saísse do cinema um pouco decepcionado com a adaptação. Aliás, a palavra correta não é decepcionado. Não sei que palavra utilizar. A questão é que eu esperava um filme tão impactante quanto o livro. Nessa minha expectativa excessiva, fiquei frustrado por minha própria culpa.

A adaptação é fiel ao livro ― até onde me recordo dele ― e Fernando Meirelles conseguiu fazer coisas impressionantes, como deixar Julianne Moore quase feia. Quase. As cenas de abandono da cidade (sem nome) onde se passa a história são belíssimas ― por mais paradoxal que esta frase possa ser. A narrativa em "off" poderia ser mais utilizada, na minha opinião. Meirelles eliminou boa parte dela depois da exibição do filme no Festival de Cannes, por conta de ela ter desagradado uma porção de críticos chatinhos.

Mas enfim. Como dizem, as melhores obras de arte são aquelas que nos fazem refletir, e Ensaio sobre a cegueira me deixou com uma pulga atrás da orelha.

Voltando pra casa, comentei com minha bem-amada que o pior de tudo é que, se realmente passássemos pela situação descrita no filme, agiríamos da maneira que foi mostrada na tela. E não demorou muito para podermos comprovar isso: bastou vermos as notícias dos saques feitos a supermercados em alguns locais de Santa Catarina, em meio a catástrofe que atingiu algumas cidades do estado.

Mais incômoda que essa constatação é a dúvida que não me deixa em paz desde quando vi o filme: percebi isso, quando li o livro? No caso, percebi que tudo ali descrito se tornaria realidade caso todos nós ficássemos, de repente, cegos (como ficaram algumas pessoas em SC, ao se depararem com uma situação tão desesperadora ― e, pelo amor de Deus, não os culpo; talvez todos nós fizéssemos o mesmo, vai saber)?

(Antes que algum politicamente-correto-chato-de-galocha fale algo, aviso: estou me referindo à cegueira do filme, e não à deficiência visual como a conhecemos.)

E por que a dúvida incomoda tanto? Porque se não levei a sério o que li, se não consegui entender que o livro nos descreve como realmente somos, deixei de entender muita coisa que li/assisti na época. Será que eu era tão ingênuo (ou "cego")?

Pra vocês isso não é nada. Até porque a coisa não é com vocês. Mas, para mim, isso significa muito: vou ter que reler uma porrada de livros e assistir novamente a uma cacetada de filmes. Nada que eu não faça com muito prazer, é claro.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 30/12/2008

 

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