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Terça-feira, 13/1/2009
Michael Jackson: a lenda viva
Jardel Dias Cavalcanti

"Diante do gênio artístico que é Michael Jackson, Madonna não é mais que uma simples teórica." (Caetano Veloso)

Gênio precoce, o maior artista pop do século XX, megalomaníaco, polêmico, mistura de anjo e demônio, perigoso e mal ("dangerous" e "bad", como denominou dois de seus CDs), Michael Jackson é sem dúvida um dos artistas mais controversos da história. Ele suscita a paixão e a fúria, mas uma coisa é certa: ninguém fica indiferente à sua esmagadora presença.

Da infância difícil à sua glória atual, a vida de Michael Jackson é uma sucessão de sofrimentos, alegrias, caídas e subidas. Uma vida sabiamente traçada por ele mesmo como um conto de fadas.

Nascido em 29 de agosto de 1958, em Indiana (Estados Unidos), Michael Jackson e seus irmãos tiveram uma primeira infância difícil. Filho de um pai violento e obstinado, que buscou na realização artística dos filhos a fortuna e o sucesso criando os Jackson Five (sob a influência dos cantores negros americanos Otis Redding e Little Richard), o cantor sofrerá desde a mais tenra infância, dois anos de idade, a força e o rigor do trabalho e da educação quase militar do pai, desenvolvendo o gosto pela música e pela dança sob essa mesma influência.

Em 1963 a família Jackson já começava a acumular sucessos nas rádios da região, sendo notável o brilho, a graça natural e o timbre agudo da voz de Michael Jackson. Em 1967, depois de ganharem um prêmio num concurso de música no Teatro Apollo de Nova York, assinam seu primeiro contrato para gravarem um disco com a Steeltown Records.

Começam as primeiras turnês e Michael Jackson é sempre notado por sua presença cênica, sua belíssima voz e seus inimitáveis passos de dança. O destaque de Michael Jackson, aclamado aos 11 anos, já prepara inconscientemente o terreno para a sua futura e formidável carreira solo.

Começa a chover ouro para seu pai, com a venda de discos, shows intermináveis e um novo contrato com a célebre gravadora americana Motown Records. A aventura dos Jackson Five dura até o ano de 1976, no qual por obscuras razões de direitos autorais eles mudam de gravadora e de nome. Assinam com a Epic e passam a se chamar The Jacksons.

Mas a antiga gravadora, consciente do carisma que Michael Jackson possui, leva o jovem a assinar um contrato pra produzir seis discos solo com seu nome. O primeiro se intitula Got to be there e sai em 1972. É o nome também de uma de suas músicas que se tornaria memorável. Paralelamente, The Jacksons continua seduzindo o público internacionalmente, gravando vários discos.

Malgrado o extraordinário sucesso de público e a glória conquistada, a vida de Michael Jackson torna-se um calvário. Desde a adolescência sua vida é coberta por acontecimentos infelizes, como o abuso e perseguição paterna, que explicam, como diz o próprio Michael, a origem de suas numerosas inclusões pelo universo da cirurgia plástica e uma sexualidade atípica. Uma infância e juventude atordoadas que podem explicar, em parte, as futuras obsessões do cantor e sua megalomania. Não explicam, no entanto, sua genialidade sempre presente.

A carreira adulta de Michael Jackson começa em 1979 com seu fabuloso álbum Off the wall, produzido por Quincy Jones que será durante anos seu melhor amigo e fiel colaborador. Em 1982 sua carreira atinge o ápice, com seu mítico disco Thriller, o álbum mais vendido da história da música. Daí em diante ele se tornará um deus vivo, desbancando os Beatles e o rei Elvis. Começará a ser chamado, inclusive, de The King of Pop.

Michael Jackson renova a linguagem da música pop, absorvendo não só os traquejos da linguagem musical dos guetos negros americanos, mas também sua existência cênica. Renova ainda a linguagem dos clipes fazendo uso de todos os recursos artísticos criados pela arte de vanguarda, notadamente a partir de Thriller, que na sua integridade se tornará um verdadeiro curta-metragem. Nada, nem no cinema, nem na música, se equipará à sua ousada liberdade de criação naquele momento. Note-se que as gravadoras (olhando para a música que surgia na periferia americana), o cinema e o clipe vão absorver quase que imediatamente os resultados das ousadias do cantor.

A partir daí, Michael Jackson se torna um fenômeno indescritível, com suas aparições criando um verdadeiro mar de lágrimas, uma histeria coletiva. Seus discos passam a vender aos milhões. Suas tournês atravessam o planeta com recorde de público e admiração irracional.

No entanto, soma-se à sua glória a desgraça. Numa propaganda para a Pepsi Cola, em 1984, sofre um acidente que marca gravemente seu rosto. Começa a fazer uma série de operações que, mais ou menos legítimas, transformam pouco a pouco o cantor. O resultado é uma alteração na própria cor e biótipo, sua face tornando-se pálida e seus traços negróides vindo a desaparecer como que por um milagre da ciência. De aparições assustadoras, onde surge um Michael Jackson deformado, às aparições assombrosas onde aparece como uma menina delicada, de traços finos, seu comportamento provoca numerosas críticas.

Não para o sociólogo francês Jean Baudrillard, que, no seu livro As transparências do Mal, vê na transformação de Michael Jackson a possibilidade de finalmente destruirmos a limitada noção cultural de que existem raças diferentes e não seres humanos.

Michael Jackson torna-se a capa da revista Ebony (ébano, em português). A foto do cantor estampada na revista causou certa polêmica no mundo pop. Como poderia ser possível que, na capa de uma magazine destinada a afro-descendentes, Michael Jackson aparecesse mais branco do que nunca? O nariz afinado, resultado de inúmeras plásticas, também chama atenção. A edição comemora os 25 anos do álbum Thriller, no qual Jackson ainda era visualmente representante da raça negra.

É nessa época que Michael Jackson sucumbe a todos os excessos. Cria, por exemplo, a famosa mansão Neverland (terra do nunca), em homenagem ao personagem Peter Pan, um verdadeiro parque de diversões onde se refugia, solitário em seu mundo, apesar de sua estupenda popularidade universal.

Paradoxalmente, quanto mais escândalos ele produz, mais seus discos vendem, mais amor desperta nos fãs. Seus próximos discos, Bad, de 1987, e Dangerous, de 1991 são, sobretudo, obras de incontestável qualidade artística. Michael Jackson é um gênio do pop e suas músicas, sabiamente colocadas em cena por uma poderosa estratégia de marketing, são de uma perfeição tão alta que colocariam, por exemplo, Madonna e outros artistas do mundo pop num nível amador.

As causas nobres comovem também o cantor e despertam sua verve política. Desde o apelo sentimental de "We wre the world", em 1985, com Lionel Ritchie, em defesa da causa das crianças feridas nas guerras até seu antirracismo de "Black or White", em cujo clipe surge transformando-se numa pantera e destemperando sua fúria contra as pichações racistas e fascistas que aparecem em pareces de casas e vidros de carros. Reúne nos seus videoclipes imagens de líderes negros e revoltas populares, crianças padecendo a violência das guerras e da fome, conjuga imagens de soldados pesadamente armados com inocentes crianças preocupadas apenas com sua vivência lúdica, e trabalha essas imagens sob a direção do cineasta das causas negras Spike Lee.

Meio anjo e meio demônio, a persona de Michael Jackson é ambiguidade pura. Para escapar de certos rumores casa-se em 1994 com Lisa Mary Presley, a filha de Elvis Presley. O casamento soa falso, algo como um contrato comercial, e não dura mais que dois anos, vindo o cantor a se casar em seguida com uma desconhecida, Debbie Rowe, que lhe dá o primeiro filho Prince Michael Jackson em 1997. Em 1998 nasce seu segundo filho, chamado Paris. Em 1999 é processado pela mulher, que lhe exige uma grande soma de dinheiro.

Em 2002 Michael é assunto de novo escândalo. Faz um acordo com um jornalista para a produção de um documentário sobre seu cotidiano, seu universo de eterna criança e sobre seus jovens amigos. Revela-se sua forma singular de viver, de dormir com crianças em Neverland sem a presença de suas mães por perto, como revela-se o ser extremamente sensível que o cantor é, que teve uma infância difícil e que busca na doce alegria da companhia das crianças o reencontro com o mundo de sua própria infância perdida. Há no DVD Dangerous: the short films um clipe que nos toca muito, pois vemos o adulto Michael ao piano, cantando "Go to be there", se encontrando com o menino Michael que canta e brinca ao fundo da cena.

O documentário gera polêmicas e mais polêmicas e é visto por milhões de pessoas no mundo todo, mas estas ficam divididas entre a compaixão e a revolta. Chega-se a pensar na possibilidade do cantor ser pedófilo. Michael Jackson se sente ultrajado e traído pelo jornalista e contra-ataca com um processo judiciário e uma nova reportagem a seu favor.

Este fato teve o mérito de aumentar ainda mais a popularidade do cantor, que, naquela época, aos 45 anos e com uma carreira de 40, apesar de tudo, continua incontestavelmente como o rei da música pop.

Com centenas de milhões de discos vendidos, e outros tantos produtos derivados, uma verdadeira indústria em torno de sua personalidade faz de Michael Jackson o cantor mais escutado, mais admirado e, para além de todo o comercialismo que a indústria cultural explica, o mais genial nestes últimos cinquenta anos da cultura pop. Não há definição melhor para esse fenômeno do que a de uma lenda viva.

Nota do Editor
Leia também "O enigma de Michael Jackson" e "Quem somos nós para julgar Michael Jackson?".

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 13/1/2009

 

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