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Segunda-feira, 19/1/2009
Um pouco de conservadorismo
Eduardo Mineo

Um ano de faculdade e já percebo que sou um dos poucos exemplos de conservadorismo na FEA/USP. Dois a menos e me torno um milagre biológico, um lobo da Tasmânia do statu quo, coisa assim. Não se pode nem recriminar alguém por certa dificuldade em manter a calça erguida que olhares de indignação chovem contra minha sensibilidade quadradona e cheia de pudor. Diria Pickering diante da cueca à mostra: "Have you no moral, sir?".

É verdade que existe este consenso de que a maioria das pessoas que cursam Administração e Contabilidade é conservadora, mas não me convenço porque, num geral, elas apenas não são de esquerda e não ser de esquerda não configura conservadorismo. São pessoas que não votam na Heloísa Helena, mas até acham seu discurso sobre questões sociais algo vagamente sensato, ao passo que um conservador ouve a Heloísa Helena falando sobre educação e já fica maluco, resmungando descabelado "Que burrice, meu Deus! Que burrice!".

No Brasil, conservador é quem defende o Maluf e o ACM, mas, pra mim, quem defende essa gente não é conservador; é só meio besta. O que vale também para quem defende qualquer outro político, porque conservador crê em valores naturais, crê em certo e errado; o que não existe na política brasileira, que é feita de acordos para garantir regalias e blablablá.

Não preciso dizer que conservadores, assim como todo mundo, gostam de regalias e sabem que as coisas têm um preço, mas nem tudo se deve vender, oras. Onde já se viu, um conservador jantando com gente do PT, admitindo alguém do PCdoB à sua mesa? Nem debaixo de cinta! Porém, não é possível fazer política no Brasil sem este tipo de coisa, sem estas melecas no comportamento. Um conservador desistiria tranquilamente de todas as suas regalias para se ver livre de um vereador bronco do ABC.

Tudo bem, é até possível relacionar a vontade de garantir regalias ao conservadorismo, mas se a simples resistência às mudanças por medo de perder regalias fosse o parâmetro, funcionário público seria a amostra mais cristalina de conservadorismo ― e não é verdade. Conservador prefere manter as coisas como elas estão por prudência, porque sabe que as pessoas são brilhantes em piorar tudo, em fazer besteira. Um moleque fica brabinho com os Estados Unidos e o conservador já conclui naturalmente que ele está para aprontar alguma asnice. "As naturally as water flows deepest where the land lies lowest" etc. etc., porque deu vontade de citar Tolstói.

De modo que a prudência conservadora ― esta tranquilidade simpática para ponderar tudo ― é a forma mais verdadeira de amadurecimento e eu não a trocaria por nada. Foi o que a esquerda nunca entendeu. Ser de esquerda é viver chocado, viver zangado com alguma coisa, viver em tensão. Deus me livre ser de esquerda! Não consigo imaginar a menor felicidade em alguém que se interessa muito por Sartre, por exemplo. Só de chegar perto d'O ser e o nada numa livraria, o céu escurece e os anjos choram ao meu redor. Quando alguém começa a ler demais estas literaturas de esquerda, ela acaba se tornando parte daquilo. Conversar com alguém de esquerda é conversar com alguém que passou a vida numa fábrica de carvão imaginária, sempre em pânico, achando que vão explorá-lo a qualquer momento. Tenha calma. Respire. Controle-se.

Outro aspecto curioso é o de que sempre recorrem ao altruísmo, que é a forma pela qual justificam tudo o que lhes dá vontade de fazer. Sei que nem todo esquerdista é um Georg Lukács, um retardado que acha razoável esfaquear gente pela causa anticapitalista, mas altruísta por altruísta eu também sou e quero o bem para as pessoas. Só não me orgulho muito disso porque é um dos sentimentos mais desprezíveis e individualistas que existem. Como H. L. Mencken escreveu, o altruísmo, até quando perfeitamente honesto, baseia-se no fato de que é um porre ver gente infeliz ao nosso redor, e eu ficaria muito constrangido de usar este argumento em alguma situação. Não sei como a esquerda consegue.

E as garotas de esquerda? Holy crap! As garotas de esquerda! Só de ver suas camisetas decoradas com broches do PSTU dá vontade de morrer. O pior é que, ao contrário da lenda, algumas destas garotas são lindas. Olhando seus rostinhos delicados, eu juraria que foram criadas em contato apenas com o belo, provavelmente nos campos britânicos e ensolarados de Sir Walter Scott ou Jane Austen, colhendo amoras e lendo Keats, Shelley etc. Mas bastam três palavras de conversa para perceber que estou diante dos sentimentos de um operário irritado, de uma alma toda lambuzada de graxa, falando em revolução e tal. Sei que existe fome no mundo e que é chocante, mas certamente estas garotas contribuiriam muito mais para o bem-estar da humanidade se simplesmente tentassem ser pessoas mais agradáveis em vez de ficarem se imaginando um camponês da Alemanha Oriental emburrado com a industrialização. Quem não acharia tranquilo passar fome para evitar a desgraça eterna de ouvir uma garota linda falando sobre Gramsci?

Entretanto, não posso dizer que não há conservadorismo na minha faculdade. A questão é que as pessoas que são conservadoras estão mais para o sentido econômico da palavra que cultural. E quase sempre já são professores. Quando o assunto sai da economia e vai para a arte, por exemplo, é difícil achar alguém que não seja moderninho, que não tenha caído naquele papo todo do Mário de Andrade. Saber colocar o erudito e o popular em seus devidos lugares é uma coisa muito rara nos dias de hoje, não apenas na USP, mas no mundo inteiro. Não que pra ser conservador tenha que ser um Wilson Martins, mas precisa respeitar o erudito e saber que os livros do Chico Buarque são no máximo uma imitação de literatura, do nouveau roman.

Esses dias mesmo li que a música Bohemian Rhapsody, da banda Queen, foi escolhida a música do século. Ó, que exagero. Eu até gosto dessa música, quer dizer, mais ou menos, mas o título de música do século deveria ser uma coisa meio séria, não? E atribuir a uma banda de rock a melhor obra musical de um século inteiro significa que a) o século teve uma produção artística ridícula, ou b) tem algo de errado nisso. Música popular é entretenimento e deve ser tratada como tal, pois a pretensão de erudição exige do público uma disposição que vai além do divertimento e pouco tem a ver com o que a música popular se propõe: agradar a muitos. O objetivo principal da erudição é outro, é o sublime, é a excelência. Por isso, falar em música do século sem mencionar, mesmo que por cima, George Gershwin e ― mantendo o papo em rapsódias ― sua Rhapsody in Blue me parece grosseria. Uma baixeza comparável ao break e à rinha de galo.

Não sei quando tudo isso começou ― ou até sei ―, mas o fato é que hoje em dia está tudo invertido mesmo. Agora as pessoas acham um absurdo achar um absurdo que um sujeito fique pelado no teatro ou que chamem de artista gente que na época de Mozart só serviria para limpar as sujeiras dos cavalos ― sendo ainda um pouco mais simpático do que Paulo Francis foi com os Beatles. Mas, sério, meu objetivo de vida é poder falar como Jeffrey Bernard, que o teto do meu crânio é como o teto da Capela Sistina. Parece que um belo dia as pessoas pararam de se preocupar com isso e, em vez de consertar o acabamento, elas passaram a sentir orgulho da pintura velha e das infiltrações em suas mentes, vazando axé e Godard para todo lado. Não é por nada, mas eu prefiro ficar do lado de fora. É mais seguro. E agradável.

Eduardo Mineo
São Paulo, 19/1/2009

 

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