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Quinta-feira, 8/11/2001
Aqui o sol nasce primeiro
Adriana Baggio

O mar nunca esteve tão lindo como nesses últimos dias. Está de uma cor verde azulada pra lá de convidativa. Na hora do almoço a maré baixa, e mostra uma grande faixa de areia, branca e limpa, já que há poucos banhistas. Tenho a sorte de morar em frente a essa paisagem, e na hora do almoço dá vontade de atravessar a rua, correr pela areia e cair na água. E no começo da noite, quando a lua está cheia, ilumina toda a praia e forma um reflexo dourado no mar. Todas essas vezes que admiro a beleza desta cidade, me pergunto porque João Pessoa é tão desprezada pelo turismo.

Mas não sou apenas eu a questionar. A imprensa, os empresários, o governo, todos debatem e se debatem em busca de uma explicação e de uma saída para o problema. Segundo um artigo em um jornal diário desta semana, a Paraíba perde em turismo até para o Piauí. Que me desculpem os moradores deste estado pela preposição utilizada. Apenas reproduzo o que diz o artigo. A comparação negativa com o Piauí se deve ao fato de que sua capital não fica no litoral, ao contrário de todas as outras do Nordeste, e o litoral também não tem o mesmo apelo que o de outros estados.

Antes de tentar responder a questão da nossa baixa estima turística, gostaria de argumentar sobre o potencial que a Paraíba apresenta. Temos mais de 130 km de litoral formado por baías, enseadas, praias bravas, praias mansas, praias com falésias, praias com recifes, bancos de areia, pedras, enfim, todos os elementos que agregam beleza e interesse a uma praia. Temos até uma praia de nudismo, que por sinal recebe visitantes que ficam por lá mesmo e nem chegam à capital. No interior, a Paraíba guarda antigos engenhos de açúcar e marcas mais históricas ainda, como as pegadas de dinossauro e pinturas rupestres. Sem falar no turismo sertanejo, no qual o próprio clima e aspecto geográfico são atrações para pessoas que moram em locais de vegetação verde a abundante. Existem ainda regiões para a prática de esportes radicais, outro apelo para turismo temático. Ou seja, a Paraíba está repleta de atrações naturais.

João Pessoa tem um charme, a meu ver, que é conservar alguns aspectos de uma cidade calma, tranqüila. Ao contrário de outras capitais nordestinas, como Maceió, por exemplo, a orla pessoense ainda conserva ares de praia mesmo. Existe uma lei de zoneamento que proíbe a construção de grandes edifícios na orla. Assim, a beira da praia conta com casas das décadas de 50, 60 e 70 junto com novas residências, prédios baixos, hotéis e pousadas, bares e restaurantes. Tem cara de cidade para morar, e não para visitar. Por mais que isso pareça desencorajador turisticamente, acredito que na realidade é um diferencial. As pessoas que viajam querem conhecer novos lugares justamente pela diferença em relação a seus locais de origem. Quando se começa a ter uma pasteurização na paisagem, perde-se também a identidade.

Tantos aspectos positivos às vezes perdem seu destaque em contraste com a falta de estrutura e serviços que a cidade apresenta. Já adianto que sempre há exceções, mas no geral, os estabelecimentos pecam no serviço. Garçons, vendedores, balconistas, todos precisam de mais treinamento e melhores condições de trabalho. Se nos restaurantes "da cidade" já existem problemas, naqueles que ficam à beira mar a coisa é pior ainda. Na verdade são grandes bares, com barracas na areia, que servem a cerveja quente, o coco gelado quente, e a comida fria. O som é muito alto, é difícil conseguir a atenção do garçom e os banheiros... bem, isso nem se fala. Mas parece que pouca gente se importa, porque esses lugares vivem cheios. Mas pergunto: vivem cheios de turistas? Acho que não. Um turista mal atendido talvez nem tenha a oportunidade de voltar para o bar, pela brevidade de sua visita, mas com certeza vai desencorajar seus amigos que por acaso estejam pensando em visitar João Pessoa. É essa falta de visão no futuro que acho uma das principais causas do problema turístico daqui. Parece que os empresários e comerciantes vivem para o hoje, mas esquecem de construir a boa imagem de seu estabelecimento e de sua cidade.

Um outro problema apontado é a falta de grandes hotéis e resorts, em comparação com Bahia e Pernambuco, que investem firme neste segmento. Talvez a Paraíba não deva tentar seguir por essa linha. Penso que seria muito mais efetivo assumir a identidade de uma cidade calma, tranqüila e hospitaleira. O turismo estadual deve seguir pelo mesmo caminho. Um dos preceitos básicos do marketing é que, se for difícil concorrer em determinada categoria, inaugure outra e seja pioneiro! Preceitos esses que o pessoal do marketing da PBTUR, órgão estadual de turismo, deveria conhecer e aplicar. Mas aí entra outro problema, de raízes mais profundas e efeitos devastadores: cargos como o de Diretor do Marketing da PBTUR, por exemplo, são usados como moeda de troca por favores políticos. E a Paraíba sente até hoje o maltrato causado pela má administração política do estado.

Em contrapartida, quem trata bem seu produto turístico é a cidade de Campina Grande, segunda maior do estado, e rival da capital tanto em relação à população quanto politicamente (o atual prefeito de Campina Grande, Cássio Cunha Lima, filho do senador "pistoleiro" Ronaldo Cunha Lima, é arquiinimigo do governador do estado, José Maranhão). Campina Grande está descobrindo seu nicho e é responsável por grandes eventos de alcance nacional, sem tentar concorrer com outros destinos mais fortes e famosos, mas "inaugurando" ou potencializando suas próprias categorias no mercado turístico. Para que tentar brigar com Recife ou Salvador durante o Carnaval? Nesta época, Campina Grande promove o Encontro da Nova Consciência, um evento ecumênico, que reúne gente de todas as religiões e de várias partes do Brasil do exterior. A cidade fica lotada, os hotéis ficam lotados... O carnaval de Campina – a Micarande – é fora de época, e também lota a cidade. No meio do ano a cidade tem o São João (o maior do mundo, dizem eles) e um Festival de Inverno, também com ótimos resultados turísticos.

A iniciativa de Campina deveria servir de exemplo para a organização turística da Paraíba toda. A começar pelo marketing. Enquanto Campina batizou sua festa junina de "O Maior são João do Mundo", um slogan que está gravado na cabeça de muita gente (como todos os bons slogans), a Paraíba teve 38 campanhas de incentivo ao turismo durante 41 anos de atuação da PBTUR. Como é que alguém vai gravar uma "marca" que muda quase todo ano?

Com base nessa reflexão toda que está aí, me convenço que, além dos problemas políticos e financeiros, falta identidade para a Paraíba deslanchar como destino turístico. Não existem profissionais qualificados trabalhando nisso. Para encerrar este texto e para dar um exemplo da incompetência que eu propago: na lista telefônica (de responsabilidade da incompetentíssima Telemar), o número divulgado para informações turísticas, tanto em João Pessoa quanto em Campina Grande, é o mesmo. Mas o pior é que esse número é de um restaurante de comida árabe, delicioso, por sinal. Por infelicidade, o restaurante fechou. Não sei de quem eu tenho mais pena: do novo dono do telefone ou do coitado do turista que liga para pedir informações.

Adriana Baggio
Curitiba, 8/11/2001

 

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