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Quinta-feira, 8/11/2001
Eu, eu mesmo e idem
Bruno Garschagen

Megalomaníaco é o sujeito que beija a garota mais feia da cidade e conta aos amigos de que a beldade era a cópia da Catherine Zeta Jones. Para ele, não há coisa mais insuportável do que esconder informações tão importantes à humanidade (as suas, claro), mesmo deixando de lado uma modéstia do tamanho de um bebê pulga e ter de se expor como protagonista de todas as histórias.

Esse tipo de sujeito tem um sorriso misterioso, reparem. Só a metade da boca se abre, como os desenhos japoneses. A outra metade continua impassível decorando a face, com aquele ar vistoso de desdém para todas as façanhas que não as suas. E ai de quem falar perto dele por mais de um minuto. O megalomaníaco não suporta ver seus interlocutores - sua platéia - dispensando atenção a qualquer concorrente. O som de sua voz basta-lhe. Só permite interrupção se for elogiosa ou de concordância. Fora isso, vira uma fera. E, cuidado, meus caros: não há nada mais perigoso do que um faisão que relincha.

Na gramática do megalômano só existe a primeira pessoa do singular. Falar em desvio de ou dupla personalidade é um acinte gravíssimo. Porque sua compreensão é tão ampla quanto um grão de açúcar refinado. Além do que, teria um colapso nervoso ao supor que poderia dividir suas façanhas com ele mesmo ou coisa que o valha.

Falar dos outros, então, necadepitibiribas. Como imaginar que no mundo possa existir outros além dele? Ou, o que é pior, que possa realizar as mesmas ações, conquistar as mesmas garotas, ter a mesma medida de bíceps? Como dividir a mesma atmosfera, ou, pior, não ser a esfera em cujo o entorno o sol gira? O cabra teria uma taquicardia imediata, mas, claro, devidamente transformada num enfarto fulminante do qual só escapou porque sua saúde era de ferro, tem o corpo fechado etc.

Longe do que o ilustre leitor possa imaginar, o megalomaníaco está em todo canto, como farmácia e motociclista sem habilitação. A proximidade do verão também contribui para o aparecimento dessas figuras tão úteis à società. O calor desentoca os megalomaníacos. Reparem no movimento nas academias nesta época do ano e dos corpos à mostra nos calçadões. O efeito da alta da temperatura é semelhante com as baratas. Mas qual seria a relação entre os dois animais além da paridade de cérebro? Bem, não estou aqui para decifrar questões tão complicadas.

Minha senhora e meu senhor: se constatar n’algum parente ou amigo os sinais da megalomania nem tente ficar perto. Senão, em pouco tempo, estarão contando aos vizinhos como conseguiram bravamente curar o incréu. E que não há no mundo pessoas mais bondosas que vocês.

Deixem-me despedir por aqui antes que isso pegue.

Mas, antes que me esqueça: já leram um texto tão bem escrito sobre a megalonia? Eu não.

Insulta-me ou serás insultado

Antes de escrever meu arrazoados, sempre releio "O Livro dos Insultos (Companhia das Letras, 234 páginas)", de H. L. Mencken (1880-1956). É meu ideal de texto opinativo: conhecimento apurado e humor afiado envoltos numa escrita primorosa, invejável.

O norte-americano Mencken foi repórter, crítico, colunista, editor, polemista, escritor, filólogo, satírico, e, ao que parece, será também responsabilizado pelo encerramento de minha carreira como jornalista. Perdoem-me, mas eu tinha que arrumar alguém para jogar na conta o precoce fracasso de minha veleidade em ser, ao menos, um polemista respeitado.

Trânsitivas

Seta é um instrumento que não deveria fazer parte dos veículos comercializados em Cachoeiro de Itapemirim, uma waste land ao Sul do Espírito Santo. Em 90% dos carros, não passam de decoração, como aqueles maravilhosos, para usar um eufemismo, ursinhos de pelúcia ou santinhos discretamente dispostos no retrovisor.

Um conhecido complacente explicou que é porque a cidade tem tanta entrada que o sujeito esquece de dar o sinal. Um outro, gozador até a medula, acha que a dificuldade é de ordem motora. "Rapaz, já pensou que confusão motora dos diabos o cara acionar a seta com o casco"? Eu não seria tão agressivo com os pobres dos quadrúpedes.

Bruno Garschagen
Cachoeiro de Itapemirim, 8/11/2001

 

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