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Sexta-feira, 3/4/2009
Fim dos jornais, não do jornalismo
Marta Barcellos

Lembro-me como se fosse ontem. Eu estava de licença-maternidade. Entre uma troca de fraldas e outra, peguei o jornal e levei um susto: a América Online tinha comprado a Time Warner por US$ 124 bilhões. Em segundos, os neurônios se conectaram e, encharcados de hormônios, chegaram à conclusão de que eu teria que mudar de área quando voltasse ao batente no jornal. Eu era setorista de varejo na Gazeta Mercantil, ou seja, cobria o setor de supermercados, shoppings e lojas em geral. Na minha mente excitada com a revolução recém-descoberta lá fora, no mundo além fraldas, todo tipo de comércio migraria para a internet em alguns meses.

Dias depois percebi o exagero, após uma desgastante tentativa de fazer as compras do mês pelo site Amélia ― domínio pago a preço de ouro pelo grupo Pão de Açúcar a um desses jovens que saíram registrando nomes "geniais" na rede. Mas o meu raciocínio fazia sentido, e ainda hoje faz, quando se pensa em alguns tipos de compra, como a de eletrônicos. Naquele janeiro de 2000, a livraria virtual Booknet já tinha se transformado no site Submarino, uma das experiências de negócios que sobreviveriam ao estouro da bolha. De qualquer forma, hoje acho graça de ter pensado, seriamente, que a internet acabaria com shoppings centers e supermercados.

Um dos problemas de estar no meio de uma revolução em curso é que nossa excitação com o futuro muitas vezes embota a percepção em relação ao presente, ao mundo real que ainda dita as regras. Por isso, na discussão que existe hoje sobre o fim dos jornais, faço questão de manter um pé em cada lado. Consigo entender a euforia dos blogueiros diante da derrocada dos jornais impressos nos Estados Unidos (afinal, os blogs seriam o futuro), mas também a estratégia retrógrada de um jornal ou revista que fecha seu conteúdo para assinantes (afinal, é preciso pagar o salário dos jornalistas no fim do mês). Veja bem, nas frases acima, embaralhei de propósito pontos de vista "adversários": os blogueiros não conseguem esconder sua inconsequência diante do caos, os jornais são anacrônicos e só pensam no curto prazo.

Não, eu não vou cair na tentação de colocar mais lenha nessa fogueira, que já arde sozinha há tempos. Minha bola de cristal certamente anda embaçada por tanta fumaça, e lembrem que cheguei a acreditar piamente que os shoppings ficariam vazios por causa das compras pela internet. Mais prudente não fazer previsões de longo prazo.

O que dá para dizer, hoje, é que os mais jovens preferem se informar por meio da internet a sujar a mão abrindo desajeitados jornais. Que os sites de conteúdo e informações ainda não descobriram uma maneira de se financiar, a ponto de suportar uma estrutura de apuração semelhante àquela em que o jornalismo atual se apoia. Que há espaço para muitas experiências na rede, mas não há dinheiro de investidores sobrando. Que credibilidade, quando se trata de informação, é muito importante. Que as marcas dos grandes grupos de mídia guardam uma forte imagem de credibilidade, mas estão perdendo relevância nos sistemas de busca na internet. Que os jornalistas andam alheios e atrasados em relação a quase tudo o que acontece na rede.

A transição para o futuro, seja ele qual for, poderá ser longa. O modelo de patrocínio, por exemplo, já é uma realidade para alguns veículos, que fazem cadernos especiais de interesse dos anunciantes, mantendo (quase) intacta a credibilidade de seu noticiário e reportagens principais. Essa parceria pode migrar do papel para a tela tranquilamente, no momento em que isso for conveniente para jornais, revistas e anunciantes. O modelo de assinaturas e de micropagamentos também pode dar fôlego ao jornalismo especializado que oferecer conveniência ou informações que não costumam ser compartilhadas na rede, como as financeiras. Muita gente pagará por um clique no celular para saber por que o trânsito está parado, ou fará uma assinatura para ter dicas exclusivas de investimentos.

Oportunidades assim, aliás, estão disponíveis hoje para qualquer empreendedor ― e esse é o grande barato da internet. Por enquanto, porém, as boas experiências de conteúdo de qualidade na rede partem apenas dos modelos colaborativos ― a propagada "monetização" cobre no máximo o salário dos administradores dos sites. No jornalismo, ninguém duvida que os "furos" dos blogueiros, e agora twitteiros, vieram para ficar. Espalhados pelo planeta, compartilhando ao vivo fotos e notícias fresquinhas, eles parecem mesmo imbatíveis.

Só que o jornalismo não é só isso. Coberturas maçantes e importantes exigem jornalistas dedicados e remunerados. Confesso que não consigo imaginar um fluxo constante de informações bem apuradas, razoavelmente isentas e editadas com critério sem uma estrutura parecida com a de um jornal. Mas, vá lá, digamos que seja possível criar algo novo, sem hierarquia, com mais agilidade e autonomia, reinventando o jornalismo. Mesmo assim, para a sociedade estar bem informada sobre seus políticos, seus governantes, sobre as empresas, a economia, será necessário algum modelo que inclua profissionais comprometidos exclusivamente com esta função.

O que vai acontecer, se o jornalismo não encontrar na internet uma forma de se tornar autossustentável, seja com as antigas marcas dos jornais ou com novas, criadas por blogueiros e empreendedores da rede? Pode ser que ninguém sinta falta. Pode ser que a sociedade se mobilize, por achar relevante o papel da imprensa escrita. Na semana passada, por exemplo, um senador democrata propôs a isenção de impostos aos jornais americanos. Mas pode ser também que nada disso aconteça. Ao contrário, quem sabe os jornais se tornarão cult e conviverão harmonicamente com sites turbinados por rios de dinheiro dos investidores que não sabiam onde aplicar depois do fim da crise de 2009 (lembra dela?). Quanto aos shoppings e supermercados, eles estarão lotados, é claro. E você vai continuar brigando por uma vaga no estacionamento.

Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha de leite.

Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 3/4/2009

 

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