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Quarta-feira, 8/4/2009
Por que não leio mais jornais
Rafael Fernandes

O título desta coluna poderia ser, também, "por que não leio mais jornais e leio só uma revista". É que, ao menos para mim, é fato que ler jornais e revistas já não tem a menor importância há algum tempo. Não tenho aqui nenhuma pretensão de desprezar esses veículos, muito menos desmerecer seu trabalho. Mas há alguns anos diminuí minha leitura dessas mídias. O primeiro "sintoma" foi não receber mais o Estadão e perceber que não fazia a mínima falta. Continuei assinando o Valor Econômico por um tempo, mas cancelei a assinatura ― o resultado foi o mesmo. Já no caso das revistas eu tento, mas não consigo lembrar qual foi a última vez que comprei uma na banca. A única que ainda leio ― e assino ― é a edição nacional da Guitar Player, embora esteja com dúvidas se assino pelo conteúdo ou por uma questão de memória afetiva, quase fetiche de acompanhá-la.

Não nego: meu interesse nos jornais era na área de esportes e cultura, com uma sapeada nas demais. Nesse último caso substituí por portais, sem grande perdas. Já a cobertura dos esportes pelos jornais está sofrível e cada vez mais "polêmica"; assim, opto por ler as notícias no Juca e no Gazetaesportiva.net que, diferente do programa de TV, tem cobertura sóbria e evita polêmicas, boatos e notícias plantadas. Também dou uma passada no site do meu time de coração. Acompanho futebol de maneira intensa e há vários anos, então, sinceramente, e por mais tolo que isso possa parecer, não preciso de ninguém descrevendo ou analisando o jogo para mim. E nesse caso são poucos os que valem a leitura, como o PVC, o Tostão e, às vezes, o Juca e o Daniel Piza ― à exceção do Tostão, todos os demais estão em blogs.

Nos cadernos de cultura a situação não é melhor: as matérias pioraram muito, há dependência de agenda, assessoria e do assunto do momento. Além disso, por vezes a cobertura parece seguir o gosto de um ou outro jornalista ― o que em geral não tem nada a ver com o meu gosto. Se for para ser assim, uma cobertura personalista, prefiro um blog. Gosto do Merten, que é inteligente, escreve com carinho e tem muita bagagem, mas também prefiro ler seu blog, que tem um tom mais pessoal e intimista. E ele pode retrucar um comentário ou rever (ou reafirmar) uma opinião sem depender da pauta. Idem Daniel Piza. Andei lendo a edição on-line de Estadão e Folha e nada me empolgou. O que me interessa não está lá. Um marco nessa minha falta de empolgação com essa cobertura foi quando o "Caderno 2" se saiu com uma capa no estilo "Madonna conta tudo".

No caso das revistas, não sei dizer um motivo específico. Talvez, de um lado, a superficialidade de muitas delas. Do outro, a falta de interesse pelos assuntos tratados. Gosto da piauí, mas há muitas edições que não me interessam e também não tenho o hábito de ler no dia a dia o tipo de texto que ela apresenta. Prefiro ler nas férias. No resto do tempo, substituo as revistas e os jornais pela internet. E o próprio Digestivo foi um dos "culpados" por essa troca.

Antes mesmo de começar a escrever aqui, já era fã do site. Ele substituía com muita sobra os cadernos e revistas de cultura. Não só por ser de graça. Mas por ter uma interface simples e ágil, uma variedade imensa de textos e porque eu podia rapidamente escolher quais assuntos e autores ler, na hora em que eu quisesse, sem depender de agenda, muito menos de acumular jornais, revistas e recortes na minha casa. Outros fatores que me fizeram optar pela rede, esses letais, foram a consolidação de blogs de qualidade e os RSS. Meu Google Reader anda me bastando: é muito mais pessoal e seletivo, vou direto ao ponto. Também consigo selecionar na hora o que ele me entrega e ver o que realmente me interessa e o que não. Acompanho vários blogs, de assuntos variados, como marketing, passando por blogs de músicos, negócios e de amigos. Tudo o que eu escolhi acompanhar. Dificilmente um editor conseguiria isso no velho modelo.

Não veria problema em pagar por conteúdo, mas desde que pudesse ser o mais seletivo possível e, de novo, escolher o que realmente quero. Não me interessa mais pagar quarenta e tantos reais para ler o Valor Econômico. Não que não tenha qualidade, pelo contrário. Mas a maioria do conteúdo não me interessa e o que é pertinente me é pouco prático. Eu gostaria de pagar um valor bem menor, mas pagaria, se me fosse oferecido o acesso ao conteúdo dos cadernos "Empresas" e "E&U" de uma maneira mais prática, no meu e-mail, como uma newsletter, por exemplo. Eu a abriria todos os dias e pelos títulos conseguiria selecionar o que me interessa. Não sei se é um modelo viável, não sei se outros gostariam disso, falo só por mim. Mas por que não tentar? Talvez se associar com outras revistas e sites de negócios e oferecer um conteúdo específico, de nicho, bastante personalizável a um preço baixo, cortanto custos de impressão e distribuição e tentando pulverizar custos de redação.

Outra vantagem da internet é que cada vez mais acompanhamos a "pessoa física" e não mais a "pessoa jurídica", os jornais, algo que fazíamos por inércia ou falta de opção. Agora vamos atrás de ideias, opiniões e pessoas. Se alguém quer política internacional, procura o Pedro Doria, não necessariamente o primeiro caderno do jornal. Cinema? Vá no blog do Merten, independente de onde ele estiver. Música independente? Vá de PopUp!. Cultura pop e indie rock? Muitos vão de Lúcio Ribeiro, que saiu de um jornal e foi para um portal, mas as pessoas continuam acompanhando o Lúcio, não o veículo. Não sei para onde tudo isso vai, mas uma coisa não muda: o conteúdo de qualidade, com gente capacitada, que entende do que fala vai continuar sendo valorizado, de uma forma ou de outra. O problema é capitalizar essa "forma ou outra".

Acredito que das indústrias criativas, o jornalismo e a música foram as mais afetadas pela internet, já que com ela qualquer um gera e distribui seu conteúdo, contrariando a lógica dos modelos de negócio antigos de controle e escassez. Obviamente causa aflição em qualquer um que esteja dentro desses modelos ultrapassados, é perfeitamente compreensível. Não é fácil sair de um padrão sólido, quase óbvio para um turbilhão de mudanças e dúvidas. Mas penso que devemos assumir que esses mercados, como conhecíamos, ruíram de fato, ou sobrevivem de maneira sofrível. E que a saída é aprender com o que foi, identificar o que é aproveitável e mais: pensar que, se não existe um novo modelo é porque as possibilidades ainda estão abertas à espera de soluções.

Rafael Fernandes
São Paulo, 8/4/2009

 

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