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Sexta-feira, 8/5/2009
A ambição de poder (também na internet)
Julio Daio Borges

Ultimamente, foi significativo o mea-culpa de alguns blogueiros importantes, que confessaram estar aumentando artificialmente seu número de seguidores no Twitter. Suas justificativas não me interessam tanto, até porque não vou fazer, aqui, nenhum julgamento do comportamento deles. Minha motivação é outra: entender por que a ambição desmedida sempre volta, mesmo em ambientes onde a competição, em tese, não deveria mais fazer tanto sentido ― na internet, quero dizer.

O desejo de controlar a internet é quase antigo já ― de tão velho ― e, pelo visto, não deve morrer tão cedo (se é que alguém não vencerá a batalha final pelo controle... o Google?). Desde que conheço a internet ― e eu já a conheço há quase 15 anos ―, alguém está tentando se apropriar dela, como se fosse uma nova corrida do ouro.

Vale lembrar a tentativa da AOL, nos EUA ― que, de um provedor de internet, queria passar a dona da internet, fechando seus clientes no que chamaram de "walled garden" ("jardim murado", em tradução livre). E a sua imitação, no Brasil: o UOL. Se o Universo Online parece hoje quase inofensivo ― perto do Google ―, não acredito que isso seja por causa da "benevolência" das famílias Frias e Civita (fundadoras do portal), mas simplesmente porque o UOL tentou replicar um negócio (obsoleto) de jornais e revistas, investindo menos em tecnologia do que deveria.

E a Microsoft, naturalmente, tentou controlar a internet desde o começo ― e, mesmo com a ascensão do Google, não parece disposta a desistir da briga. Outro dia, o Tim O'Reilly lembrou a "Microsoft Network", que deu nome ao "nosso" MSN, mas que, muito antes disso, foi uma tentativa de construir uma rede paralela ― isso mesmo, paralela à internet. A Microsoft achava que entendia muito mais de redes do que esses "amadores" que estavam montando servidores em suas casas ― fornecendo uma plataforma muito mais "confiável" e "segura". (Vocês conhecem esse discurso de algum lugar?) Mais uma vez: lutando contra a Web... quem venceu?

Aqui no Brasil, na virada do milênio, lançaram o iG. O portal mudou de nome algumas vezes desde então, mas "iG", originalmente, respondia por "Internet Grátis". O GP, assessorado por Nizan Guanaes, bolou uma estratégia "matadora", de marketing (e de guerrilha): enquanto todos os outros provedores de acesso estavam cobrando para conectar as pessoas à internet, o iG oferecia conexão de graça ― bastaria se inscrever, criar um login e uma senha. Funcionou e foi um sucesso. Seria, na verdade, um sucesso muito maior se a bolha de internet não tivesse estourado bem naquele momento. O plano deles ― se você ainda não adivinhou ― era se tornar o maior provedor e o maior portal ao mesmo tempo, abrindo capital na bolsa e pagando a conta da "internet grátis" lá do começo.

Para não ficar a impressão de que os brasileiros não souberam fazer grandes negócios na internet pré-bolha, eu conheci duas histórias de bastante sucesso. E da mesma pessoa (bem-sucedida duas vezes). Era um colega meu, de escola, que era estrangeiro e que parecia "revoltado" com a situação do País, reclamando sempre dos colegas e com pontos de vista bastante firmes sobre algumas matérias. Nunca fui muito próximo dele, apesar de ele ser da mesma turma que conversava sobre computador (nem todo mundo tinha computador no final dos anos 80) ―, e perdi contato logo que entrei na faculdade.

Ouvi falar dele, novamente, quando estava me formando. Ele se tornara dono de uma das maiores BBSs (pré-provedores de acesso) do Brasil e tinha ficado rico enquanto a gente, às vésperas da formatura, ainda estava ingressando no mercado de trabalho... Outro colega, de faculdade, inclusive, tinha começado a trabalhar com ele, na aurora da tal BBS, mas desistiu... "porque não estava conseguindo conciliar com a faculdade" (repetiria esse bordão com arrependimento muitas vezes). Mas essa é apenas a primeira história de sucesso (ele, naturalmente, vendeu a BBS para um grupo estrangeiro).

Não satisfeito em ter feito um dos melhores negócios pré-internet BR, esse meu colega de escola montou outro grupo (depois da venda da BBS), e lançou o que chamaram de "Geocities brasileiro": um endereço onde os internautas poderiam hospedar suas páginas gratuitamente (quando a blogosfera ainda era incipiente nos EUA e o Orkut nem era projeto). Dessa vez, encontrei outro colega de escola num shopping, que trabalhava com ele, mas que, sigiloso, evitou todo tipo de aproximação... ― afinal, eles estavam "dominando o mundo".

O "Geocities brasileiro", por oferecer hospedagem de páginas gratuitamente (quando todo mundo cobrava para hospedar qualquer HTML), ia assumindo, mês a mês, a liderança entre os portais brasileiros. Eu lia mensalmente uma revista de internet (isso existia, no início dos anos 2000) e lá estava o "Geocities brasileiro", disputando, cabeça a cabeça, com iG e UOL. O iG já tinha desistido de faturar alto na bolsa, mas ainda queria a liderança e ― adivinhe? ― comprou o "Geocities brasileiro", do meu colega de escola e do grupo dele, tornando-se, por uns tempos, líder de audiência, em cima do todo-poderoso UOL... (Em nenhum dos dois casos, iG e UOL, liderança significou controle e, mesmo dominando a audiência da internet BR momentaneamente, eles, ainda assim, permitiram a entrada de Google, Yahoo, Terra e até AOL.)

Tangenciei a história de ambição do Google aqui, porque ela é bem conhecida já. Resumo em um parágrafo. Dominando as buscas como nenhum outro mecanismo ― em cima do moribundo AltaVista e do longevo Yahoo ― o Google tornou-se um dos maiores portais (embora, a rigor, não seja um portal). Mas seu crescimento, tentacular, só ocorreu porque seu modelo de publicidade (de venda de palavra-chave) foi um sucesso tão estrondoso quanto seu mecanismo de busca. Conclusão: o Google cresceu mais rápido do que qualquer outra empresa na história do capitalismo. E o Google não quer perder sua liderança na internet, quer?

O maior calcanhar de aquiles do Google, quase todo mundo sabe, são surpreendentemente esses mesmos dois componentes de seu sucesso: o mecanismo de busca e a venda de palavras-chave. Afinal, depois que o Google abriu seu capital na bolsa de valores (há alguns anos), analistas de mercado questionam o fato de a empresa, embora gigantesca, ter um único negócio rentável. Desde então ― ou confirmando essa suspeita ―, o Google se meteu em todo tipo de coisa aparentemente inovadora. E mesmo com o sucesso crescente ― do seu mecanismo de busca e da sua venda de palavras-chave ― ainda não encontrou nada tão lucrativo no horizonte...

Eu não torço contra o Google porque não sou burro (dependo bastante dele), mas, ao contrário dos analistas de Wall Street (hoje é fácil ser contra eles), não acho que Larry Page, Sergey Brin e Eric Schimdt deveriam procurar outro negócio além do mecanismo de buscas e das vendas de palavras-chave. Para quê? A Microsoft caiu do cavalo quando descuidou de seu software e se meteu a fabricar hardware (até com sucesso, algumas vezes, mas descuidando de seu core business). A AOL tropeçou na sua ânsia de dominação, quando adquiriu a Time Warner. As majors, do mundo off-line, combateram o download, quando deveriam ter antecipado o iTunes e aderido a ele. E o mainstream das empresas de mídia ― estamos assistindo a isto, neste momento ― está ruindo, nos EUA, porque quis cobrar por conteúdo, insistir em suportes obsoletos e denegrir a imagem de "amadores" e afins. Se você lutar contra a Web... o que acontece mesmo?

Antes da ascensão do Twitter, o mundo da internet parecia estar dividido entre Google, Yahoo, Microsoft (que tentou abocanhar o Yahoo) e Facebook (que crescia exponencialmente e era uma "rede fechada"). E a Amazon, que prefere não entrar, abertamente, na disputa. O Google tentou conter o crescimento do Facebook com o Orkut, mas este só "pegou", mesmo, no Brasil. Depois o Google tentou, em seguida, minar a "exclusividade" da rede social de Mark Zuckerberg, lançando uma ferramenta que "importava" dados do Facebook, despejando-os novamente na "internet aberta" (Google Friend Connect). Mas Zuckerberg voltou atrás, não aceitou "abrir" o Facebook, e foi uma grita. Enquanto isso, a Microsoft não conseguiu entrar num acordo com Jerry Yang, fundador do Yahoo, num momento em que até o Google anunciava que, se isso acontecesse, seria o fim da competitividade na internet... (Não cito a venda do MySpace para a News Corporation, porque o MySpace, embora tenha pago o investimento, não é, exatamente, um player como o Facebook e, atualmente, o Twitter.)

Na segunda metade dos anos 2000, Evan Williams e seus amigos Jack Dorsey e Biz Stone tinham, como única ambição, manter sua iniciativa no ar, o Odeo (diretório de podcasts). Os investidores estavam cobrando resultados e o Odeo... nada de entregar. Resolveram montar grupos de brainstorm, subdividindo os funcionários da empresa, durante um piquenique, quando alguém surgiu com uma ideia... Foi Jack, que já havia esboçado a mesma em seu caderno, no início dos anos 2000... Era uma ferramenta para informar o que você andava fazendo, para a sua rede de amigos, instantaneamente (via celular) ― era o Twitter.

O resto da história é relativamente conhecido. O Twitter domina o noticiário nos últimos tempos e cresce, naturalmente, na mesma proporção. Já surgiram boatos de que o Facebook tentou comprá-lo (mas dizem que eles não aceitaram receber parte do pagamento em ações do Facebook) e, também, de que o Google tentou comprá-lo (mas, segundo analistas, seria um erro de estratégia e ninguém confirmou a real intenção). Mais recentemente, o mesmo Facebook lançou uma ferramenta própria, onde troca a pergunta do Twitter ("O que você está fazendo?") por outra parecida ("What's on your mind?"). Então subitamente, no Brasil, nossos amigos, blogueiros, querem ser os eternos reis da mídias sociais...

Ninguém quer ficar ultrapassado. Nem eu. Nem mesmo os jornalistas de papel. Mas a ambição de controle parece que não combina com a internet. Pelo menos, enquanto conseguirmos manter a internet desse jeito: aberta, inovadora e fluida. São os mesmos defeitos que os críticos apontam na internet: ela é aberta para todo mundo ("qualquer pessoa pode entrar"); ela é volúvel nas suas invenções ("na internet nada dura"); e ela é um caos, aparentemente, incontrolável ("sujeita a crimes e fraudes incessantes"). Às vezes eu penso que vamos sentir saudades de quando a internet era "uma bagunça", qualquer ideia poderia crescer e frutificar, e, como o Twitter, começar tudo de novo. Até lá, vamos aproveitar... enquanto este tempo dura! Mas sem ânsia de dominação, tá?

Julio Daio Borges
São Paulo, 8/5/2009

 

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