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Sexta-feira, 22/5/2009
Siga em frente, não siga ninguém
Ana Elisa Ribeiro

Essa metáfora do "seguidor" vem me incomodando faz tempo. Embora eu saiba (eu e a torcida do Cruzeiro) que as metáforas são absolutamente necessárias à comunicação e que as utilizamos o tempo todo, algumas me deixam com uma pulga imensa atrás da orelha.

Na Web, quase tudo ainda é metáfora. O "ainda" é medida de segurança. Pode ser que um dia as coisas tomem corpo próprio, personalidade, jeitão. Por enquanto, tudo soa simulação, simulacro, arremedo ou seja lá o nome que isso tenha. A começar pelo nome dela, "Web", que é "teia" ou algo assim, à semelhança de certas redinhas pegajosas que a gente encontra por aí no mundo. "Navegar" e "surfar" estão ali pelos arredores do mar, das ondas e das bússolas (ou da falta delas). Há um texto acadêmico que trata disso, se não me engano da Lúcia Santaella. A ideia é que "navegar" é algo muito mais planejado e preciso do que a maior parte das ações que executamos na Web.

Metáforas, no entanto, não são exclusividade da rede (olha aí a "rede"!). Quando um jornalista diz que a criança caiu de uma altura que corresponde a um prédio de seis andares, pronto, você entende melhor. Quando alguém diz que a moça se parece com um avestruz, você visualiza. Quando alguém diz que os rins têm a forma de um feijão, qualquer criança imagina. A ideia é aproximar, mais do que precisar. Estou chamando tudo de metáfora, embora, tecnicamente, nem tudo aí seja exatamente isso. Essa necessidade de aproximar as pessoas dos conceitos tem nome. Para Fauconnier, importante pesquisador na Califórnia, isso se chama "escala humana", ou seja, a gente traz as coisas para uma escala que possa ajudar o outro a entender do que se fala.

A metáfora da "rede" é a última vedete do palavreado internacional. Tudo é rede, todo mundo está em rede, até quem não quer ou não sabe. A rede é bacana, é inteligente, é cooperativa. Acho curiosíssimo que justamente algumas pessoas que trabalham com a rede e até a pesquisam com "seriedade" sejam justamente as primeiras a não colaborar fora dela. Muito recentemente vivi algo assim quando convidei dois pesquisadores importantes da rede para um congresso sobre um tema afim. O que eles disseram, para minha surpresa? "Quanto paga?". Uau, é a rede, mas só se for com cachê.

Para o sociólogo Dominique Wolton, "rede" era uma palavra que tinha sentido de coisa ruim, faz pouco tempo. De repente, ela ganhou ares de coisa chique e pronto. Todo mundo está enredado. Será? E que "enredamento" é esse? Quando um figurão espalha por aí que você só é gente se estiver na rede, o que mais ele está dizendo, por trás dessas linhas? Que o resto da galera é um bando de ignorantes sem rede? É preciso ter cuidado.

Quase nada na linguagem é ingênuo. Quase nenhuma metáfora é por acaso. Quando se afirma alguma coisa, há chances grandes de algo ficar entredito e outro algo ficar interdito (ou interditado mesmo). Daí que fico pensando por que essa metáfora do seguidor me deixa meio cabreira. Paranoia? Deve ser.

Eu não sigo ninguém. Tenho amigos, colegas, além das pessoas que admiro bastante. Vou, no entanto, seguindo meu caminho, meu rumo, uma espécie de proposta que a gente se faz. Tive imensa preguiça do Orkut quando ele apareceu. Não aguentei dez dias com aquela conta aberta e tive de fechá-la. O Twitter só entrou na minha vida de forma mais direta recentemente, quando abri uma conta para divulgar um evento sobre tecnologia, educação e linguagem. No entanto, várias pessoas começaram a "seguir" o seminário e eu me vi puxando um cortejo. Em todo caso, as pessoas querem saber quem são os convidados, quando se abrem as inscrições, quanto custam e outros detalhes sobre o festejo. Vá lá. Mas aí, aproveitei para "dar uma volta pela vizinhança" e o que vi? Nada. É mais ou menos como se eu passeasse por um desses condomínios em que os primeiros apartamentos são térreos e você escuta fragmentos de conversas em todas as janelas. É o zapping. É o sampler do bate-papo, em que apenas eventualmente se ouve algo interessante. Não posso parar, sigo em frente pela caminhada, e vou sabendo que alguém disse isto ou aquilo, na maior parte das vezes, algo irrelevante. Mas, para que não digam que sou tão detestável assim, admito: a parafernália tecnológica serve para manter as pessoas em contato frequente. Oh, yeah.

Não posso dizer que "sigo", mas prezo meu contato com algumas pessoas que valem a pena. Chovem e-mails para Ana Elisa Novais, que sabe muito sobre a inclusão digital das escolas estaduais em Minas Gerais; troco correspondência inteligente com Marcelo Buzato, que sabe um tantão sobre inclusão também, só que de outro jeito, e que delirou quando anunciei que talvez Colin Lankshear venha ao Brasil este ano; Carla Coscarelli está sempre ali, em e-mails curtinhos e afetuosos, falando sobre linguagem e tecnologia, mas não apenas disso. E vou deixar de citar muita gente bacana porque, talvez, o contato seja mais espaçado um pouco. Mas ninguém aí me segue e nem é seguido. Nós andamos lado a lado, nos atendemos solicitamente, nos gostamos e nos admiramos. Passamos longe de uma rede dessas em que há um cacique que se acha diferenciado porque sabe clicar melhor do que os outros.

Minha gente, a vaidade e a competição também assolam a Web, na mesma medida que outros espaços, menos ou mais eletrônicos. Ou não? Será que a febre colaborativa virá junto com as redes sociotécnicas? Estou ansiosamente aguardando por isso. De vez em quando eu perco a fé, mas Nossa Senhora Desatadora dos Nós não me deixa cair.

Ser importante é algo muito complexo, não é mesmo? Em geral, nosso alcance é ínfimo, mesmo quando a gente se ilude e acha que atravessou o portão de casa. Quem se importa? Os seguidores? Para viver do trabalho para casa e vice-versa basta morar em qualquer roça. Não se pode aproveitar além do que o corpo permite. E se a mente puder alcançar um pouco mais, terá sido uma dádiva. O problema é que, em geral, as mentes continuam enredadas numa teiazinha de canto de parede, ou estou falando mentira?

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 22/5/2009

 

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