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Terça-feira, 30/6/2009
Chickenfoot: o passado e o futuro do rock
Diogo Salles


Chad Smith (bateria), Joe Satriani (guitarra),
Sammy Hagar (vocal) e Michael Anthony (baixo)
foto: Ross Halfin

Uma pergunta que os roqueiros de vanguarda se fazem hoje é: onde foi parar o rock? Se antes vivíamos sob a égide de "sexo, drogas e rock'n'roll", a coisa toda se diluiu de tal maneira que hoje se prega "celibato, Toddynho e emo". Há de se reconhecer: o classic rock penou como nunca nessa última década. Mas, de uns anos para cá, ele renasceu ― ainda que de maneira nostálgica. Que o digam David Coverdale e Paul Stanley, que concordam que este é um momento incrível para ser um músico de classic rock. Quem esteve em shows do gênero aqui no Brasil, como o do próprio Whitesnake no ano passado e, mais recentemente, no do Kiss e no do Heaven and Hell, pôde notar que não estavam lá apenas os roqueiros de outrora. Havia centenas de adolescentes de 14, 15 anos que, como disse o próprio Coverdale, não se sentem preenchidos pelo rock mais recente ou "moderno".

Nos últimos anos o classic rock sobreviveu respirando pelos lampejos de criatividade de seus estertores, sem nenhuma perspectiva de ver surgir algo novo para arejar esse cenário. E não que tenham faltado tentativas. Foi nessa linha que surgiram Audioslave e Velvet Revolver, que se provariam apenas bandas de segundo escalão nascidas através dos escombros de outras bandas (de primeiro escalão) da década anterior. Até que em 2008 surge um novo projeto: Chickenfoot. O nome, ainda provisório, já mostrava que seus integrantes não estavam se levando muito a sério ― reforçando ainda mais a tese de que tudo isso poderia não sair do "projeto". Mesmo que o histórico de "all star bands" nunca tenha ido além de umas poucas jam sessions mal ajambradas, o fato de não se levar a sério poderia também ser o maior trunfo da nova banda. Via-se ali cada integrante renunciando o próprio ego e em nome de uma coisa maior: o rock. A dúvida era se eles teriam esse fôlego para se renovar. Não seria mais fácil se recostar, confortavelmente, nos sucessos de suas bandas antepassadas? É aí que entram Sammy Hagar e Michael Anthony...

Após a turbulenta reunião com o Van Halen em 2004, os dois se viram sem uma agenda musical. Diferenças irreconciliáveis com os irmãos Eddie e Alex Van Halen sepultaram qualquer possibilidade de um retorno com a banda. Hagar voltou à carreira solo com sua banda, Waboritas, e sempre tinha Anthony como convidado para seus tradicionais shows na paradisíaca Cabo San Lucas, costa oeste do México, próximo à Califórnia. É lá que, na primeira quinzena de outubro, é comemorado o Birthday Bash, aniversário do "Red Rocker", na Cabo Wabo Cantina, de propriedade dele próprio. Além dos shows, Hagar serve drinks exóticos, brinda os fãs com sua Cabo Wabo Tequila e, principalmente, com muito rock'n'roll. Nos últimos anos, Chad Smith, baterista do Red Hot Chili Peppers, se tornou um habitué e ocasionalmente participava de alguns shows como convidado especial. Hagar e Anthony vinham discutindo com ele a possibilidade de formar uma nova banda, mas para isso precisariam de uma guitarrista excepcional, incendiário ("Somebody smokin'")...

Joe Satriani não se tornou um dos guitarristas mais respeitados do mundo por acaso. Nos primórdios, foi professor de guitarra de Steve Vai e Kirk Hammet (Metallica), mas suas tentativas de formar uma banda de rock nunca davam certo. O destino parecia empurrá-lo para a carreira solo. E foi em 1987, com o lançamento do multiplatinado Surfing with the alien, que ele encontrou seu público e foi beatificado no círculo dos grandes guitarristas. De uma hora para outra, todos queriam ser Joe Satriani, e nesses últimos vinte anos ele sempre figurou entre os melhores guitarristas no rock. Sim, "Smokin' Joe" (apelidado por Sammy Hagar) era a pessoa certa. Banda formada, hora de se trancar em estúdio para compor.

A julgar pelas primeiras músicas que "vazaram" pela internet (que ainda insistem em chamar de "single"), as dúvidas só aumentaram. "Soap on a rope" soa como um B-side descartado por Satriani em sua carreira solo ― e que foi desengavetado especialmente para a ocasião. Com a segunda música, "Oh yeah", as coisas só pioraram. Num único refrão, Sammy Hagar parece ter feito um compêndio dos clichês mais odiosos (e constrangedores) do rock: "Oh, yeah/ Come on baby, tell me what you want/ tell me what you need". Nem mesmo a performance dos músicos, tecnicamente perfeita, e a produção impecável de Andy Johns (Led Zeppelin) conseguiram esconder composições decepcionantes, preguiçosas e pouco inspiradas. Quatro músicos tão competentes e experientes como eles teriam de se esforçar mais se quisessem mesmo ir além de um mero "projeto". A primeira impressão era de ser mais um pastiche do rock oitentista, mas só o CD completo poderia dar uma ideia exata do que seria o Chickenfoot...

Hora de ouvir o álbum completo ― um conceito um tanto distante do "hype" atual, mas que ainda é imprescindível para se entender uma obra. E a decepção inicial com os "singles" é varrida logo na primeira música. O CD abre com a explosiva "Avenida revolution", onde Sammy Hagar fala sobre a guerra do tráfico em Tijuana (México). Forte, contundente e ameaçadora, é uma abertura que apaga qualquer dúvida e mostra uma banda coesa e afiada. Sem a tutela de Eddie Van Halen, Michael Anthony tem mais liberdade para imprimir a sua marca, aparecendo com destaque, e Sammy Hagar oferece uma grande interpretação. Mais para frente, "Sexy little thing" surge descompromissada, com pegada rock, mas com um sabor levemente adocicado pelo pop. Em "Runnin' out", constatamos que ainda é possível compor uma balada com muito bom gosto, sem os melodramas e pieguices habituais ― coisa que eles não conseguem evitar com "My kinda girl". Outro ponto alto é "Down the drain", um rockão cheio de Van Halen em seu DNA e Chad Smith tira a dúvida de quem desconfiava que seu estilo "funkeado" não encaixaria numa banda de hard rock. Sammy Hagar, prestes a completar 62 anos, mostra que ainda tem pique de sobra e não dá sossego à sua garganta. Sem nenhuma preocupação em mostrar técnica, ele se "rasga" em berros e mostra que seu rouco agudo ainda atinge muitos decibéis. Antes mesmo de chegar ao final, a sensação era de que se tratava de um grande disco. Com alguns deslizes, é verdade ― e que seriam imperceptíveis se a banda não decidisse apostar justamente no seu pior material para a divulgação.

Chegamos à última música. "Future in the past" é daquelas faixas que deixam o ouvinte atordoado, tal qual um filme de suspense cheio de reviravoltas. Surpreendente, ela mostra uma banda multifacetada. A música começa como uma balada zeppeliniana, onde Hagar passa sua mensagem entre acordes e harmônicos. De repente, tudo muda. Chad Smith pede passagem e comanda uma sessão funky-groove, no único momento "Red Hot Chili Peppers" do disco. Logo à frente, mais uma guinada inesperada, dessa vez comandada por Joe Satriani. Numa espécie de prelúdio, ele esboça alguns solos e sugere que algo grandioso vem pela frente... Até que, finalmente, a música explode numa celebração classic rock. Sammy Hagar assume uma segunda guitarra e incita Satriani ("Come on!"), que responde tirando o máximo do instrumento que estuda e pratica diariamente há 40 anos. Alternando técnica e feeling, ele abusa do pedal Wah-Wah e se esbalda em bends elásticos e agudos idílicos, conduzindo a banda para um desfecho consagrador e fazendo em pedaços até mesmo o ouvinte mais arredio.

Sim, ainda é possível ser classic rock e, ao mesmo tempo, trazer algo novo para o front. Se o disco já é sucesso de público e crítica, restava saber como a banda se comportaria nos palcos. Joe Satriani sempre primou pela técnica, adotando uma postura "low profile", entre o cerebral e o "cool". Era o único que nunca tinha encarado a estrada de maneira selvagem, destoando dos outros três ― que vieram de bandas reconhecidas pelo público como "Party Bands". Tanto no Van Halen quanto no Red Hot, eles viveram todos os excessos (tão caros a bandas de rock) em meio a brigas, drogas, bebedeiras homéricas, groupies, crises de estrelismos e egos que não cabem em estádios. Em outros tempos, poderia não dar certo. Como aguentar as palhaçadas de Chad Smith, ou Michael Anthony mamando uma garrafa de Jack Daniels por noite? A vantagem é que estamos falando de senhores e pais de família que não precisam disso, pois não têm mais nada a provar a ninguém. Pelos vídeos oficiais e outros vídeos de shows que já pipocam no YouTube, Satriani mostra total entrosamento com os outros. E ele está gostando na festa. Parece viver o sonho que ele não conseguiu realizar há trinta anos atrás ou, como diria Steven Tyler, parece um garoto gozando pela primeira vez.


"What the fuck is that?... Oh, Brazil's on the house!"
Sammy Hagar no Birthday Bash 2008

Com a turnê europeia já iniciada e a turnê americana a caminho, os fãs já se perguntam se há alguma intenção de trazer a banda para a América do Sul. Pela reação da gravadora por aqui, começamos mal. Quando perguntados se haveria, ao menos, uma versão nacional para o CD, a resposta da gravadora foi: "O que é Chickenfoot?". Entre os membros da banda, Sammy Hagar é o único que nunca esteve no Brasil ― e também nunca demonstrou interesse em vir para cá, desde os seus tempos de Van Halen. Se depender dos outros membros da banda (principalmente de Satriani), eles virão. E o próprio Sammy Hagar teve uma revelação no último Birthday Bash: sim, ele tem fãs no Brasil. E são muitos. Do lado de cá, abaixo da linha do Equador, a esperança é que, tanto a gravadora, quanto os promoters de shows abram os olhos: o Chickenfoot é a nova galinha dos ovos de ouro no rock.

Para ir além
Chickenfoot ― Site oficial
Birthday Bash 2008 ― por Eduardo Pinheiro
Birthday Bash 2006 ― por Patrícia Braga

Diogo Salles
São Paulo, 30/6/2009

 

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