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Terça-feira, 23/6/2009
Eu não sou jornalista!
Rafael Rodrigues

Primeiro, foi um amigo. Depois, minha irmã. Ambos disseram que, com o fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo, eu sou jornalista. Dei a mesma resposta aos dois: não, eu não sou jornalista. Eles, são, mas enfim.

Escrevo para sites diversos há pelo menos seis anos. No princípio, ficção. Depois, resenhas de livros. Nos últimos tempos tenho me arriscado de vez em quando em um ou outro texto mais jornalístico, mas que não posso chamar de "matéria". Talvez, muito talvez, de artigo.

Tive meu primeiro texto impresso num jornal há já não sei quanto tempo, republicação de uma coluna publicada no Digestivo. Antes disso, apenas uma crônica num jornal aqui da cidade. Mas a renego, porque enviei o texto digitado corretamente, devidamente revisado, e conseguiram publicá-lo com erros gramaticais (do revisor do jornal!).

Mas divago. O assunto aqui é o fim da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo.

A decisão do STF já vinha sendo cantada faz tempo. Ridículo seria a manutenção da obrigatoriedade. Isso para quem não é jornalista ― e, é bom que se diga, para um bom número deles; inclusive nomes como Zuenir Ventura e Caio Túlio Costa (ambos a favor dos cursos de jornalismo, mas não da obrigatoriedade do diploma para a profissão ser exercida). Muitos jornalistas continuam reclamando bastante da decisão ― e não tiro a razão deles. Mas é preciso relembrar algumas coisas e apontar outras que, no calor do momento, são "esquecidas".

Mas, antes, uma pequena recapitulação.

Eu já vinha pensando na ideia, mas foi em setembro de 2001, 11 de setembro de 2001, ainda chocado com o atentado que a al-Qaeda fez ao World Trade Center, que eu decidi que faria jornalismo. Custasse o que custasse, eu faria jornalismo e iria atrás da verdade, das informações difíceis, faria reportagens importantíssimas e de utilidade pública. Desmascararia políticos corruptos, descobriria esquemas de policiais desonestos e empresários sem escrúpulos. Revelaria, também, claro, o lado sujo da profissão, as barbaridades que colegas de trabalho fazem para conseguir uma notícia, os absurdos que fazem para emplacar uma reportagem de capa, ou de primeira página ― muitas vezes escrevendo/publicando mentiras. Isso tudo por conta de um único objetivo: alcançar o prestígio necessário para ser "promovido" a jornalista de guerra.

Foi apenas um sonho.

No fim daquele ano prestei vestibular para Jornalismo (ou Comunicação Social, fica a critério do leitor) na Universidade Federal da Paraíba ― zerei uma das provas de Física (a do segundo dia, se não me engano; foram três dias de provas) e fui eliminado. Na mesma época, me inscrevi para o vestibular da Universidade Federal de Sergipe ― cuja prova não cheguei a fazer, por questões financeiras e porque já havia passado em Letras na Estadual da minha cidade (na verdade, não me deixaram fazer o vestibular em Aracaju).

Paciência. A vida toma rumos que, apesar de no início não acharmos bons, no fim sabemos que não seria melhor de outro jeito. Fosse eu para a Paraíba ou para Aracaju, não estaria hoje com minha noiva e talvez não estivesse hoje no Digestivo, fazendo o que eu gosto, e escrevendo para revistas e jornais, outra coisa de que gosto bastante.

Mas, enfim, divago novamente.

Longe do curso de jornalismo e das reportagens mirabolantes que pretendia escrever, me vi com apenas uma saída: investir na escrita e tentar, com o aprimoramento dela, conseguir espaço em algum veículo (ou veículos). Havia a possibilidade de poder trabalhar em algum jornal da cidade ou mesmo na rede de TV afiliada da Globo. O curso de Jornalismo só veio chegar por aqui recentemente e, até então, a maioria dos profissionais de mídia da cidade era do curso de Letras.

Logo no início do curso, em maio de 2002, tentei conseguir uma vaga de trabalho na imprensa, sem sucesso. Ainda passei algum tempo tentando, mas, em 2003, ressentido e magoado, direcionei todas as minhas forças para a internet ― eu já blogava, mas passei a levar a escrita mais a sério. Minha intenção era conseguir um espaço na rede para, depois, com alguma experiência, finalmente conquistar uma vaga em algum jornal local.

E assim, de poema em poema, de conto em conto, de crônica em crônica, de resenha em resenha, de site em site, fui parar no Paralelos, donde cheguei a ser "nomeado" como "Gerente de Conteúdo" no expediente, por ter ajudado na edição (e seleção de textos) de duas ou três edições do site, e por meio que editar o Blog Paralelos durante cerca de 1 ano, entre 2005 e 2006. Depois dessa quase epopeia, cheguei a este Digestivo Cultural, que comecei revisando, depois passei a assistente editorial e, finalmente, em 2007, fui promovido a editor-assistente.

A função de editor é um cargo jornalístico, e o Digestivo Cultural é um site-referência de jornalismo cultural na internet. Porque há a cobertura de eventos culturais, há o resenhismo de livros, discos e filmes, há o articulismo ― que, em alguns casos, muito se aproxima das matérias, tamanhas são as pesquisas que alguns colunistas e colaboradores fazem para escrever seus textos e tamanhas são as referências que utilizam.

Além disso, tenho esta coluna. E "colunista" é outra palavra imediatamente associada ao jornalismo. Depois de me consolidar como colunista, voltei a colaborar com outros veículos, tendo textos publicados em alguns jornais e revistas. (Poucos textos, é verdade, mas acredito que seja apenas o começo.)

Por tudo isso, alguns dizem que sou jornalista. Mas não sou. Já me chamaram até de repórter ― o pessoal do Portugal Telecom me definiu assim, nos últimos dois anos em que integrei o seu júri inicial. No meio literário, já fiz um arremedo de trabalho de repórter. Na cobertura que fiz da Bienal do Livro Bahia de 2005 ― a mais ambiciosa e completa que fiz até hoje, mas a mais pobre em termos de qualidade de texto ― eu entrevistei livreiros, solicitei ― e fiz uso ― de número de público à assessoria de imprensa do evento, conferi a movimentação nos espaços destinados a poesia, prosa e cordel, enfim, fiz realmente um trabalho que pode ser chamado de jornalístico. Mas não sou jornalista.

(Acho que estou perdendo o fio da meada. E um jornalista não pode perdê-lo. Portanto, não sou mesmo um jornalista.)

Além de cobrir outras duas Bienais (2007 e 2009) e uma FLIP, entrevistei diversos escritores, resenhei vários livros, escrevi muitas colunas e quase-artigos. Mas nada disso faz de mim um jornalista, "rótulo" que, apesar da insistência de alguns em me dar, sempre refutei. Não por (falsa) modéstia. E sim por saber que o trabalho de jornalista exige uma responsabilidade que, apesar de eu almejar e também ter, não me cai como peso nos ombros. Como resenhista, faço o que posso ― o melhor que posso. Tento sempre fazer o melhor dentro das minhas possibilidades. Quando parei para escrever a resenha de Leite derramado, de Chico Buarque, eu não queria apenas escrever um texto sobre o livro. Queria escrever o melhor texto que eu poderia ter escrito sobre ele ― creio que consegui. Quando entrevistei Alberto Mussa, não queria apenas entrevistá-lo, queria arrancar dele alguma declaração diferente das que ele deu em outras entrevistas ― e consegui. Quando vou escrever um texto, quero dizer algo que alguém não disse ainda, mostrar ao leitor algo que ninguém ainda destacou. Não se trata apenas de apresentar uma informação inédita por simples vaidade, mas por vontade de fazer algo bem feito. De deixar uma marca, dizer algo relevante. Mesmo não sendo jornalista. Mesmo sendo apenas um resenhista (ou colunista ou "quase-articulista").

Voltando à queda do diploma. Vejo muita gente reclamando no Twitter e nos blogs afora. Mas é curioso como algumas das pessoas que reclamam são as mesmas que, não muito tempo atrás, me desestimulavam quando eu comentava que queria fazer Jornalismo. Diziam que o curso é uma droga, que não serve pra nada, que eu estava melhor fazendo Letras porque eu poderia atuar em mais áreas (inclusive fazendo jornalismo cultural) etc. Eu achava engraçado, pensava que a pessoa estava passando por uma daquelas crises que todos nós passamos e seguia com minha ideia de, no mínimo, fazer uma especialização na área.

Hoje, essa vontade está mudando um pouco, e estou começando pensar em fazer uma nova graduação ― em Jornalismo, claro. Dura mais tempo que uma especialização, mas acredito que eu sairia no lucro. Às vezes parece que tento desparafusar uma fechadura com uma faca, em vez de usar a chave de fenda apropriada. Ou seja: às vezes sinto que não tenho a ferramenta correta, ou, pior, não a conheço. Se alguns (jornalistas!) dizem que o diploma de Jornalismo não serve para nada, digo que minha formação em Letras ― que está custando a sair, mas sai ― também não servirá pra nada. Mas tanto eles quanto eu estamos mentindo. É óbvio que ambos diplomas servem e servirão. Tudo na vida serve para alguma coisa. Vejam, por exemplo, o bem que faz o esterco.

Uma das maiores preocupações da classe com essa decisão do STF é em relação ao piso salarial. Os jornalistas temem que, com a possibilidade de as empresas contratarem não-formados para exercerem a profissão, os salários caiam bastante, tendo em vista que esses não-jornalistas topam tudo por dinheiro. Se é fato que eu aceitaria qualquer merreca pra trabalhar no Estadão, é fato também que muito provavelmente eu entraria em curto circuito na véspera de um fechamanto de edição, com algum editor gritando "RAFAEL, DROGA, CADÊ A MATÉRIA?". Ok, estou me subestimando, eu daria conta do trabalho. Mas porque, além de ter alguma experiência na área, eu sou muito cabeça dura e só acabo uma coisa quando termino. Mas não é qualquer um que consegue dar conta de trabalhar num jornal, revista ou site. Então, isso de jornalistas serem substituídos da noite para o dia por não-jornalistas é algo que simplesmente não entra em minha cabeça. Até porque as empresas de mídia, esperamos todos, têm ainda alguma preocupação com o conteúdo que publica, e não iria contratar um cara como eu para escrever sobre, por exemplo, as eleições no Irã.

Só os jornalistas sabem pelo que eles passam. E eu, pelo trabalho que venho desenvolvendo há alguns anos, sei alguma coisa sobre isso. É entrevistado que dá uma de estrela (ou de chato; ou de ambos!), é matéria que é complicada de ser executada, é entrevista que não dá certo ou pauta que é cancelada, é perna que dói de tanto andar, cabeça que quase explode de tanto pensar, teclado arriscando ser esmurrado etc.

Então, jornalistas, fiquem tranquilos. Ninguém vai tomar o emprego de vocês. Ninguém quer entrar numa redação às 08:00 e sair às 20:00, 21:00 ou 22:00. Ninguém quer ir naquela boca de fumo conversar com um informante (ou fonte?). Ninguém quer subir o morro para tentar falar com o chefe do tráfico. (Ah, mas eu quero, ein? Sabendo de uma vaga, me avisa!)

Sabe o que todo mundo quer? Tudinho já mastigado, prontinho e revisado, pra republicar nos blogs por aí...

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 23/6/2009

 

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