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Terça-feira, 8/9/2009
Blue Man Group: uma crítica bem-humorada ao rock
Diogo Salles

Dois anos após a bem sucedida passagem do excêntrico e performático Blue Man Group pelo Brasil, eles estão de volta com seu espetáculo que mistura música, humor e pirotecnia. O grupo ― formado em Nova York no final dos anos 80 e que conta hoje com 60 membros que se revezam em trios na turnê mundial ―, trabalha sempre com o elemento surpresa. A premissa do espetáculo é despretensiosa: ensinar a fórmula perfeita para se criar um verdadeiro show de rock, através de uma espécie de workshop, onde todos os clichês do gênero são desconstruídos de forma bem-humorada.

A sátira anda constantemente ao lado da crítica, sem que o trio azul diga uma única palavra durante as duas horas do espetáculo. Para apresentar o fictício vídeo "How to be a Megastar 2.0", um apresentador histriônico aparece num telão interativo, explicando o processo num passo-a-passo para "vender" seus milagres, fazendo uma caricatura das vídeo-aulas e DVDs que prometem realizar sonhos impossíveis. O clima é de paródia, mas foge do tosco, pois não dispensa uma produção caprichada e uma execução tecnicamente perfeita de todos os envolvidos. A sincronia do som com as luzes e os números apresentados é perfeita e os três Blue Man são sempre imprevisíveis, mantendo a curiosidade e o interesse de todos até o final.

Desde o princípio, o público (de idades variadas) é instado a participar. E ninguém pode se sentir excluído. Nem mesmo quem comprou os ingressos mais baratos. Para isso, o Blue Man vai até as dependências mais remotas da casa de espetáculo arrancar os gritos mais distantes. O número em que marshmallows são arremessados à distância chega a impressionar, tamanha a precisão do trio. Outro momento divertido é quando as cabeças azuis viram televisões, que interagem entre si, como se uma tela invadisse a outra.

A música se torna um show à parte. No espaço de trás do palco, uma numerosa e afiada banda toca estandartes do rock. Muito além do que seria um simples "pano de fundo", eles criam uma parede sonora, que dá toda a sustentação para que as três carecas azuis brilhem lustrosas no front. Tubos de PVC, antenas de fibra de vidro, cítaras e outras engenhocas se tornam instrumentos musicais, criando timbres exóticos, que dialogam com o rock produzido pela banda. Outros instrumentos são reutilizados de forma pouco ortodoxa. Caso do piano surrado, que foi posicionado aberto e de pé no palco, recebendo violentos golpes de baqueta e produzindo estrondosos acordes.

A mensagem crítica é quase sempre direcionada ao rock e a seus maneirismos mais questionáveis. O gesto típico do metal, que supostamente representa o satanismo, vira um símbolo do escracho, tal qual as cabeças sacolejantes dos headbangers, com breves citações a AC/DC, Metallica e Judas Priest. Quem participa frequentemente desses "rituais", ganha agora uma boa oportunidade de se olhar no espelho e fazer uma autoavaliação. As danças afetadas, muitas vezes usadas para esconder a mediocridade dos grupos pop, também rendem boas piadas. Nada escapa do humor dos azuis, que sabem equilibrar, na mesma medida, acidez e uma certa ingenuidade, sem ofender ninguém.

Uma das maiores doenças do rock (ou seria de toda a humanidade?) é seguramente a vaidade. E é daí que o Blue Man proporciona os melhores momentos do espetáculo. Nessa hora, o alvo mais fácil para o escárnio torna-se o guitarrista virtuoso, que precisa de um milhão de notas para massagear seu ego. "Jump", do Van Halen é interrompida para que o guitarrista tome um "banho" de humildade... E também de psicodelia, onde "One of these days", do Pink Floyd, torna-se o palco ideal.

Matt Goldman, um dos idealizadores do grupo, se diz fã da cultura brasileira e que se sente influenciado pelos ritmos latino-americanos. Logo, era de esperar que o Brasil recebesse suas homenagens. E elas vieram. Primeiro, com "Detalhes", de Roberto Carlos, numa versão encanada em tubos de PVC. Depois, numa ode ao futebol e à Copa do Mundo, outro ópio brasileiro.

Nem mesmo o "bis" dos shows de rock é poupado de ironias e se torna um "falso fim", abrindo alas para o clássico "Baba O'Riley" (The Who) encerrar a noite de maneira arrasadora. A maior crítica, porém, fica escondida e silenciosa. Ao final do show, os três homens azuis saem do palco discretamente, no estilo mais low profile possível. Sem colher os louros do grande espetáculo que proporcionaram ao público, produzem uma espécie de anticlímax, numa solene renúncia ao próprio ego. A crítica fica implícita, mas denota uma gigantesca contraposição aos egomaníacos do rock, que nunca se dão por satisfeitos nem mesmo com as adulações mais exageradas.

O espetáculo, enfim, consegue unir o melhor dos dois mundos, pois agrada até mesmo aos que não gostam de rock ― principalmente aos que nunca souberam criticá-lo sem soar elitista ou reacionário. Estes finalmente têm a chance de ir à forra, encontrando nas paródias dos homens azuis todos os argumentos para a defenestrar o gênero. E o Blue Man agrada ainda mais aos roqueiros... Quer dizer, desde que tenham senso de humor e saibam não se levar tão a sério. Assim, os únicos excluídos da festa ficam sendo os adeptos do fundamentalismo headbanger. Portanto, se aparecer um grupo de metaleiros xiitas carrancudos, com cabelos ensebados e usando camisas do Manowar por ali, á altamente recomendável que você desencoraje-os. O Blue Man Group pode causar-lhes seríssimos efeitos colaterais.

Para ir além
São Paulo: 8 a 13 de setembro, no Credicard Hall
Rio de Janeiro: 16 a 20 de setembro, no Citibank Hall

Diogo Salles
São Paulo, 8/9/2009

 

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