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Sexta-feira, 9/10/2009
Tecnossauros rex
Ana Elisa Ribeiro

Já vou avisando que este texto é uma resenha. Assim já economizo o tempo do leitor on-line, que, dizem, está sempre apressado, prestes a pular de e-galho em e-galho. Esta é uma resenha para a gente ler lembrando, pensando, "levantando a cabeça", como dizia aquele semiologista francês.

Sinto profunda tristeza quando percebo que demorei demais para ler um livro que é interessante. Sinal de que a vida escorre e meu tempo tem sido controlado pela vontade alheia. Isso me deixa pau da vida. Vai dando uma angústia danada e aí vejo que estou com torcicolo e problemas intestinais. O negócio todo é que o tempo é precioso, mas ele precisa ser bem-administrado. Se a vida vai levando, é mau sinal.

Os últimos meses foram assim. Eu colocava um livro na cabeceira, na esperança de que a leitura fosse doce. Não é à-toa que preencho a superfície do meu criado-mudo com coisas pelas quais tenho carinho. Não é o mesmo que ler um livro para estudar ou para procurar informação. É outra coisa. É um garimpo mais desinteressado. Uma chance para a surpresa. Quando vou até a estante procurar um livro para pôr na cabeceira, em geral, é porque vou depositar nele uma dedicação diferenciada. No entanto, quando são obras interessantes, penso que elas passarão pouco tempo ali ao lado do rádio-relógio (alguém ainda tem isso?).

Com A extinção dos tecnossauros (Unicamp, 2008, 320 págs.) foi assim. Comprei o livro durante o último congresso da Intercom, em Curitiba, num dos paradisíacos estandes de livrarias que estavam lá. Nesses eventos, a gente costuma achar coisas que não acharia em qualquer lugar, obras de editoras que se distribuem mal, bons livros focados no assunto que a gente quer.

A capa verde e vermelho não me apeteceu. Lembrava, não por acaso, toalha de mesa de pizzaria. Mas a segunda orelha já explicava: Nicola Nosengo, o autor, é italiano, um jovem italiano, diga-se, envolvido em divulgação científica e em jornalismo.

Em 320 páginas, Nosengo passa por uma série de "tecnossauros" conhecidos de algumas gerações de pessoas e já desconhecidos de outras. Alguém se lembra das fitas Betamax? Eu mesma me lembro vagamente deste nome. Tenho mais firme na lembrança o dia em que meu avô, um tecnófilo surpreendente, comprou o primeiro videocassete da família. Era um daqueles que tinham a entrada da fita (VHS) por cima, e não pela frente.

Nosengo trata de uma série de dispositivos (e suas tecnologias) que não chegaram a dar certo, muito embora tivessem, por algum momento, essa chance. Por quê? Por que umas máquinas "colam", e outras, não? Nosengo tenta mostrar (mais do que explicar) por que razões é impossível prever que aceitação ou que apropriação as tecnologias terão quando chegarem às ruas. Às vezes, antes mesmo de chegarem lá.

Como somos ingênuos! Por que razão algumas coisas se tornam fáceis de achar, e outras, não? Que acordos há entre fabricantes para que haja definições sobre este e aquele padrão tecnológico? Os acordos da Phillips com a Sony são protagonistas deste livro que narra diversas histórias de fracasso e de quase sucesso.

Alguém já viu funcionar o correio pneumático? Só mesmo lendo A extinção dos tecnossauros para ver como podia ser isso. Um extenso cabeamento debaixo da terra que levava encomendas a vácuo, por longas distâncias. E existiu! E os carros elétricos? Por que não existem ainda, de fato, rodando nas ruas? Que interesses e desinteresses há nisso? E o sonho de voar? De onde veio, onde estacionou e para onde deveria ter ido?

Guardo comigo algumas dezenas de discos de vinil. Muito embora tenha aderido completamente ao CD, sem fazer qualquer resistência (ao contrário de meu pai), me denuncio toda vez que converso com alguém sobre música. Outro dia, disse a alguém: "gostei muito do último disco do Lenine". Logo a pessoa fez cara de estranhamento: "disco"? Vi logo que a palavra não era ordinária. Sim, disco. Para mim, os artistas ainda lançam discos. Nosengo vai fundo nessa história, mostrando a saga do CD em relação ao disco e tentando mostrar por que o CD "deu certo" e terminou por quase substituir o disco de vinil.

E a fita cassete? Dessa tenho saudades. Havia dezenas delas dentro de meu carro até há pouco tempo. Depois que vendi meu Gol com toca-fita e tudo, perdi também minhas fitas, que ficaram presas no portal do tempo pós-CD player. Uma lástima. Nosengo recupera parte da história das fitas cassete, que foram o dispostivo mais vendido do mundo para gravar e ouvir música.

Das máquinas que ele cita, a que mais me traz boas lembranças é a máquina de escrever. Aprendi nela a batucar teclados e a escrever com as duas mãos. Cheguei a ganhar uma Olivetti de aniversário (portátil, claro, e está ali em cima da estante) e a cobiçar a Hermes Baby do meu pai, que não apenas era portátil (vinha com malinha) como também imitava letra cursiva. Um espetáculo. Hoje estamos aqui todos escrevendo nas mesmas plataformas padronizadas, que é outro dos temas de Nicola Nosengo.

Mais além, A extinção dos tecnossauros menciona a aventura do teclado QWERTY e as razões que ele tinha (e tem) para não ser a melhor coisa do mundo. No entanto, está ele aí, sob seus dedos, firme e forte. Dê uma olhadela nas primeiras seis letras do teclado de computador em que você escreve. O que você leu? QWERTY? É ele mesmo. E sabe por que essas letras estão (ainda) nessa posição? Nosengo explica.

Sou uma jovem pesquisadora interessada em pessoas e em novas tecnologias. Sou mesmo. Tenho investido precisos momentos da minha vida nisso. No entanto, acho uma graça viver neste exato momento a transição de coisas tão importantes. A meu ver, não se pode esquecer de olhar para trás de vez em quando. Tenho muita preguiça de deslumbramento. Fala-se em novas tecnologias com tal paixão que fico a pensar: meu Deus, mãe Diná não faria melhores previsões. Isto vai acabar, aquilo vai sobressair. Nosengo toca nessa ferida, ao dizer que essas coisas são inexplicáveis e dependem de complexas redes de motivos e necessidades. Incontroláveis, diga-se, e, por vezes, incontornáveis.

Acho um privilégio ter passado alguns anos batucando a máquina de escrever do meu pai. Era pesado, deixava a folha manchada, mas era uma experiência e tanto. Morro de inveja das pessoas que conheceram editoras de livros quando a arte final era feita sem máquinas. Que coisa incrível fazer tudo aquilo sem softwares! Fico meio entediada com a padronização excessiva das plataformas atuais. Alguns vão dizer que é ciência, é usabilidade, outros, como Nosengo, sugerem que há muito mais do que isso para justificar a "vitória" de um padrão sobre outros ou sobre a diversidade. As revistas acadêmicas que o digam. Fico entediada com aquela aparência de quem aderiu ao SEER. É claro que isso é bacana, facilita, barateia, aumenta as chances de leigos lidarem com publicações, mas é tão monótono.

A extinção dos tecnossauros é um livro curioso e bem-humorado. Não é ciência, mas não é só reportagem sobre curiosidades. Fiquei bem satisfeita ao revisitar esse Jurassic Park das tecnologias.

Para ir além





Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 9/10/2009

 

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