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Quarta-feira, 21/10/2009
Quanto vale blogar?
Rafael Fernandes

Tenho um blog há pouco tempo (uns dois, três anos), mudei de endereço algumas vezes, não posto com frequência e nem tenho acessos. Mas, mesmo assim, é divertido. Outros pontos positivos são a liberdade de assuntos e de periodicidade. Muitos dos "manuais" de "como blogar melhor" indicam que escrever sempre é inevitável para quem quer ter um bom blog. Concordo em termos. Postar com frequência é bom para indicar a possíveis leitores que o espaço não está largado. Mas essa obsessão em publicar é cansativa e faz com que a coisa perca um pouco a graça. Já fazemos "obrigados" tantas coisas! Com os RSS isso fica quase irrelevante, pois não importa postar todo dia ou não: quando acontecer, o assinante recebe a atualização de qualquer forma. Além disso, como leitor, acabo preferindo quem escreve o que acha que de fato vale a pena e não apenas para cumprir tabela.

Aliás, postar só quando me surge algo foi o motivo de eu criar o meu, num primeiro momento. Às vezes via um filme, ouvia uma música etc. e pensava numa observação. Sentia falta de conseguir ordenar e registrar isso. Num caderno não adiantava. O blog foi a solução para organizar pensamentos sobre cultura (e, às vezes, futebol), incluindo meus textos aqui no Digestivo. Está tudo lá, registrado e arranjado de uma forma tão boa e simples que dificilmente eu conseguiria fazer de outra maneira.

Acredito que guardar e registrar coisas diversas foi também o motivo para muita gente começar a usar blogs. Para colocar um link, um vídeo, uma citação etc. num lugar só, sem correr tantos riscos de perder tais informações. Hoje essas pessoas estão migrando para sites como Tumblr e afins que, apesar de serem plataformas de blog como quaisquer outras, de certa forma estão se tornando "scrapbooks", ou "livro de recortes" virtuais. Nos quais as pessoas podem colocar tudo o que gostam num lugar só de maneira simples. Porém, isso não resolve tudo. Para quem gosta de expor ideias de forma mais trabalhada (não que saiam grandes coisas...), mais do que catalogar informações diversas, o blog ainda faz sentido. E tem o mérito de mostrar o que antes talvez ficasse no fundo de uma gaveta. A possibilidade de ter leitores, mesmo que remota, leva (ou deveria levar) a uma maior reflexão no que se escreve.

A internet está se (re)organizando constantemente. Portanto, muitas das motivações ao se criar um blog acabam sendo saciadas por novos veículos que vão surgindo. De sites sociais (Orkut, Facebook, MySpace) à exposição de fotos (Flickr), Twitter, agregadores (Ning, Tumblr) e outros. Há uma década era o blog que fazia as vezes de publicador de ideias e discussões. Hoje isso está se pulverizando. E é natural, já que tudo vai se ajeitando à medida que surgem plataformas que melhor se adequem a cada necessidade.

Dizem que a maioria dos blogs é de bobagens ou irrelevâncias. Ou, ao menos, os mais acessados. É verdade. Mas isso não é um problema apenas dos blogs. Está em tudo. Veja os programas de TV (até TV a cabo) comentados, os filmes mais vistos nos cinemas, as conversas das pessoas, as músicas mais ouvidas, os livros mais vendidos. A internet trouxe a possibilidade de se encontrar quase qualquer tema, mas com diferentes qualidades, claro. Trouxe, ainda, um mar de informação, de fluxo incontrolável. Mas achar as coisas boas, realmente relevantes, em qualquer área da vida é difícil e requer trabalho. Há 15 anos achar certos filmes "cult" nas locadoras era dificílimo; o mesmo acontecia para achar em CD um show da sua banda favorita. Como é difícil achar um restaurante diferente ou elaborar uma viagem menos óbvia. Existem e existirão dificuldades de achar o site certo no meio de tantas bobagens. Mas, repito, sempre foi difícil. Agora, as dificuldades só são outras: basicamente de organização e ordenação. Eu não canso de me assustar com a quantidade de gente talentosa que encontro graças à internet.

Vejo por aí obsessão por acessos, por "ganhar dinheiro", por "acontecer" via blogs (e, agora, Twitter): virar "blogueiro profissional" (quase um oxímoro). É algo que sempre existiu, mas que tem proporções assustadoras com a internet: é essa mania de as pessoas quererem resultados antes da relevância. E de fazer por dinheiro ou qualquer outra coisa, não por prazer. Ou seja, é a banda que quer "explodir" sem se preocupar com a composição, ensaios, shows etc. O escritor que quer publicar antes de ter bagagem e uma obra de fato boa. O blogueiro que quer viver de anúncios e tem uma página que não diz nada.

Essa mania de querer ganhar dinheiro, de tornar as coisas obrigatórias, de "aparecer", para que serve? Acho que esse pensamento enviesado é uma ilusão que mistura as "explosões" da indústria cultural de massa dos anos 80 com o surgimento de jovens empreendedores dos anos 2000. A ideia (falsa) de que você pode "bombar" a qualquer momento e ganhar dinheiro com o que seria inicialmente um hobby. Mas qual o problema em fazer só pelo prazer? Vale lembrar que muita gente, de diferentes épocas e áreas, de Carlos Drummond de Andrade a Fernando Pessoa, na escrita, a Jacob do Bandolim, Cartola e Guinga, na música, trabalhavam com outras coisas. Seu ganha-pão não necessariamente era sua arte. O legado dessas figuras e suas obras únicas eram feitas nos momentos de folga. Boa parte deles sequer teve retorno financeiro ou aclamação em vida. Se tiveram, demorou a acontecer. Nada contra quem ganha a vida assim, pelo contrário! Só uma restrição à essa ansiedade pelo "acontecer", esse comportamento meio "Tô Na Xuxa".

Nós sempre nos empolgamos com o novo, seja o que for. A internet potencializa esse sentimento: parece uma incessante busca da "nova revolução" do momento. Cada novidade da Web é tratada como a coisa mais genial do mundo, que vai impactar em tudo e mais um pouco. Uma suposta solução de todos os problemas ― que, na verdade, pode só trazer novos problemas. Isso tudo até o próximo hype. Como diz o Diogo Salles, é a "indústria do hype": a necessidade de apontar o novo mais pelo novo em si ou pelo "pioneirismo" da descoberta. Não necessariamente pela qualidade e relevância. Essas novidades da internet são interessantes, mas é preciso, sempre, relativizar a sua importância. As coisas novas e velhas vão se ajeitando, se acomodando nos seus lugares ― seja continuar na massa ou virar mais um item da cauda longa, num nicho. O tempo vai cuidando de separar o que era importante do que era sonho de uma noite on-line. Para que tanta pressa?

Rafael Fernandes
São Paulo, 21/10/2009

 

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