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Segunda-feira, 9/11/2009
O futuro a Deus pertence (e Ele é brasileiro)
Taís Kerche

Já fiz as contas: quando a Copa do Mundo estiver rolando por aqui, estarei com 34 anos; e, nas Olimpíadas do Rio, estarei com 36. Assustei. Tantas coisas podem acontecer em meros meses, o que acontecerá em 4, 6 anos? Será que estaremos nessa esfera ainda? Como dizem por aí, é preciso ter fé, pois o futuro a Deus pertence.

Recordando um pouco, voltando no tempo e pensando bem, seis anos atrás, no final de 2003, as coisas eram bem diferentes. Não passava por nossas ingênuas mentes que algum dia o Brasil emprestaria US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Uma surpresa e tanto. Não sei dizer se é motivo de orgulho, só sei que é inusitado, do meu ponto de vista. Fora a lei antifumo do Estado de São Paulo, o projeto cidade limpa do Kassab, a eleição de Barack Obama nos EUA e que escreveríamos a palavra ideia sem acento. Tantas coisas... Da mesma forma que não imaginamos que um dia a violência e o tráfico, principalmente na cidade que sediará as Olimpíadas 2016, possam ser extintos, ainda mais agora que a guerra civil está a todo vapor. Se for, outra surpresa.

Sabemos apenas que hoje o panorama ainda é feio, mesmo que economicamente deixamos de ser os devedores para sermos os credores. Nossa cultura ainda tem suas raízes bem definidas na corrupção, na lei da vantagem a qualquer custo, na falta de cidadania. Isso não só na esfera política, mas em todas as esferas. Nossos representantes são meros reflexos do que a sociedade é. Cheguei à conclusão disso quando vi, dentro de um transporte coletivo, um ambulante oferecendo ao motorista um pequeno pacote de balas de goma em troca de sua permissão para venda do mesmo produto no interior do veículo. A lei diz que é proibido tal ato, mas nada que uma balinha ao motorista não resolva.

Com tal cenário, é complicado imaginar o Brasil um país desenvolvido, já que sua população age exatamente igual às atitudes que critica. Há muito que melhorar, que aprender. O trabalho de conscientização deverá ser realizado, só não sabemos ainda por quem, nem quando, nem onde. Talvez algumas formiguinhas, quietas, estejam agindo, a passos minúsculos, imaginando que em algum dia, em alguma época, chegará à tão utópica ideia de país desenvolvido.

Mas convenhamos que a ideia de ter uma Copa do Mundo por aqui seguida de uma Olimpíada é até que agradável, num primeiro momento. Esporte, diferentes culturas invadindo o nosso país para torcerem por suas nações, que ideia bonita e divertida... Mas, quando apuramos o raciocínio, quando vamos pensar em como as coisas serão feitas, o desânimo bate fundo no peito. A palavra "superfaturamento" é a primeira que vem à mente, seguida de "favorecimentos" e finalizando com "corrupção". Somos a população que mais entende o significado desses vocábulos. Não tem como acreditar que elas não farão parte da organização desses dois eventos esportivos de importância mundial. Quem vai querer ficar de fora? Não há momento mais oportuno para que a empreiteira do filhinho de alguém do congresso seja o principal construtor da infraestrutura das Olimpíadas. Aliás, infraestrutura que já está com sua construção atrasada.

Sem contar com o fato de que os grandes beneficiados com essa história toda será os mesmos beneficiados de hoje. A grande minoria. Já a grande maioria trabalhará voluntariamente para uma melhor Olimpíada acreditando que estará exercendo o seu patriotismo. Enquanto isso, a grande minoria verá o patriotismo se transformar em cifras bem gordas em suas contas bancárias. O jeito será ver tudo pela telinha da TV, ou por sua telona de plasma ou por algum aparelho futurístico que transmitirá imagens de estádios, ginásios, Baía de Guanabara, que deverá estar despoluída até lá. Acredite se quiser.

Para os otimistas, toda essa argumentação é uma visão pessimista de tudo. Sim, é. Mas a racionalidade não consegue responder diferente. É complicado acreditar que o padrão de comportamento de toda uma sociedade evolua em apenas 6 anos. Ao mesmo tempo em que o coração bobo gostaria que tudo fosse muito diferente e que a população pudesse de verdade curtir essa Copa do Mundo e essas Olimpíadas da forma mais intensa possível. Mas sabemos que não será assim. O acesso aos jogos da Copa será para poucos, a não ser que isso mude consideravelmente e que os ingressos sejam de valores acessíveis.

E é o mesmo coração bobo que se amolece todo ao ouvir o hino nacional ser entoado dignamente em algum evento, esportivo ou não. O mesmo coração bobo que faz toda a epiderme se arrepiar ao ouvir o anúncio da cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. O mesmo coração bobo que parece estar totalmente desligado do cérebro atento e dos olhos que veem toda a podridão. Ou seja, o coração bobo que vai esquecer-se de tudo nos primeiros minutos das aberturas dos jogos, que, esperamos, seja de muito bom gosto, culturalmente, historicamente, tecnologicamente e todos os "mentes" que forem necessários.

Que venham os jogos, que venha a próxima eleição, que venha o desenvolvimento, que venha o futuro, que, como dissemos, a Deus pertence - e Ele, se não me engano, já ouvi dizer, é brasileiro.

Taís Kerche
São Paulo, 9/11/2009

 

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