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Terça-feira, 10/11/2009
Sociedade dos Poetas Mortos
Rafael Rodrigues

É impossível lembrar agora quando assisti ao filme Sociedade dos Poetas Mortos pela primeira vez. A única coisa que posso afirmar com certeza é que gostei tanto do que vi que tempos depois estava com VHS em mãos. Muito provavelmente uma daquelas promoções nas quais você comprava a revista e ganhava a fita de algum filme famoso. Lembro que a Caras fazia muito isso, talvez para dar ao menos uma coisa que prestasse ao leitor, já que o conteúdo da revista não vale nada. Mas pode também ter sido a Veja, ou ainda a Istoé. Esse tipo de promoção ainda existe hoje, mas antigamente era mais comum, me parece. Enfim.

É muito provável que tenha assistido ao filme pela primeira vez no colégio. Lembro que uma professora nossa de literatura usou uma de suas aulas para passá-lo em sala. Não descarto a possibilidade de tê-lo assistido antes dos meus colegas, mas, como dito no início, não posso garantir.

Protagonizado por Robin Williams, Sociedade dos Poetas Mortos ― felizmente traduzido fielmente do inglês Dead Poets Society, um título portentoso ― é um dos melhores filmes que vi até hoje. A história, para quem não conhece, é centrada num grupo de estudantes do tradicional e rígido colégio Welton ― que, detalhe, é apenas para garotos.

Mais um ano do Welton está se iniciando e tudo seria como no ano anterior, não fosse por uma razão: um novo professor de inglês, John Keating, que também estudou no Welton e depois foi morar em Londres, onde lecionava até então. Interpretado magistralmente por Robin Williams, Keating se mostra um mestre nada tradicional. Suas aulas são provocantes e seus métodos de ensino deixam os alunos desconcertados, um tanto assustados com aquele professor diferente de todos os que eles tiveram e têm.

Passado o susto, os alunos começam a entender o estilo de Keating, e também a perceber qual é o propósito dele: fazer com que os jovens não se prendam aos dogmas tanto do colégio quanto da sociedade, que não sejam quem seus pais e professores querem, mas que lutem pelo que eles realmente desejam fazer. Uma frase dita por Keating em sala, "Carpe diem" ("aproveite o dia"), se torna o lema dos alunos e passa a ser seguido por todos eles ― "mesmo que isso me mate", chega a dizer um dos personagens.

Citando Shakespeare, Byron, imitando Marlon Brando e John Wayne, dizendo que a linguagem foi inventada não para se comunicar, mas para conquistar mulheres, John Keating cai nas graças da turma e passa a ser um exemplo e uma inspiração para o seleto grupo de jovens interpretado por atores que viriam a se destacar no cinema e em séries de TV futuramente, como Ethan Hawke (Dia de treinamento, entre outros) e Robert Sean Leonard (que hoje é um dos atores da série House). Cito estes dois não apenas por serem quem hoje são, mas principalmente pela importância de seus papéis. O personagem interpretado por Hawke, Todd Anderson, é muito retraído, tímido, faz o que pode para não ser notado. Seu irmão foi um dos melhores alunos da Welton, e tanto seus pais quanto os diretores da escola esperam muito dele. Neil Perry, personagem de Sean Leonard, é um jovem extrovertido e influente perante os colegas, mas impotente diante do pai, que é autoritário e repressor. Talvez por eu me identificar muito com ambos, talvez por suas interpretações terem sido as melhores, sempre tive um apreço maior por esses dois personagens. Digo "sempre" porque, desde quando vi Sociedade dos Poetas Mortos pela primeira vez, assisti ao filme pelo menos mais duas vezes, ainda em VHS. Depois que os aparelhos de DVDs tomaram o lugar dos videocassetes, não pude mais assisti-lo.

Felizmente, várias produções antigas têm sido relançadas em DVD. E quando recentemente vi o SPM numa prateleira de loja por um preço irrisório ― ainda mais se você for comparar o valor com a qualidade do filme ―, não pensei duas vezes antes de comprá-lo.

Recentemente, cerca de 15 dias depois te tê-lo adquirido, pude enfim assisti-lo novamente. E foi como se o estivesse vendo pela primeira vez. O tempo não fez diminuir o impacto, muito pelo contrário: por mais que eu me lembrasse de várias cenas e até mesmo diálogos, tudo era novidade, com o bônus de que, agora, muitas das ações e falas parecem ter ficado mais claras para mim. Principalmente no que se refere às referências literárias, já que vários poetas são citados durante todo o filme ― o mais citado é Walt Whitman, que, decididamente, preciso ler de verdade, não apenas alguns poemas, o mais rápido possível.

No que se refere aos aspectos "técnicos" do filme, digamos assim, é interessante ver como aquele grupo de jovens atores ― foi o terceiro filme de Ethan Hawke, por exemplo, de acordo com o IMDB ― conseguiu realizar uma obra tão forte e madura. Principalmente se formos observar o currículo do roteirista, Tom Schulman. Sociedade dos Poetas Mortos é, com certeza absoluta, o melhor trabalho que ele já fez ― e é muito provável que jamais conseguirá fazer algo parecido (tanto que, com ele, ganhou o Oscar de Melhor Roteiro, em 1989). Parece ter sido um lampejo de genialidade, algo semelhante ao que acontece com grupos musicais que têm seus quinze minutos de fama com uma música que se torna um sucesso retumbante e que em seguida cai no ostracismo.

Em contrapartida, o filme foi dirigido pelo experiente Peter Weir, bastante elogiado pelos atores nos extras do DVD. Outra produção de bastante sucesso dirigida por Weir é O show de Truman, de 1998, protagonizado por Jim Carrey. Para quem assistiu a este filme, percebe-se que ele é do tipo de diretor que consegue tirar o máximo dos atores com quem trabalha. A atuação de Carrey em O show de Truman é magnífica, e, não fosse o preconceito que a Academia tem em relação a ele, certamente seria no mínimo indicado ao Oscar de Melhor Ator daquele ano.

A sensação que fica, depois desta que deve ser a quarta vez que assisto a Sociedade dos Poetas Mortos, é a de que o filme não se esgota. Parece que sempre há algo novo a descobrir, um detalhe que passou despercebido, uma ironia não captada, um verso não compreendido. O filme não é apenas sobre a juventude e suas contradições. Não é apenas uma fábula sobre mestres e alunos. É também um filme sobre a relação entre pais e filhos.

Pelos momentos sublimes ― como a última cena, uma das mais emocionantes da história do cinema ― e por tudo o que representa ― tanto para as carreiras dos envolvidos no filme quanto para quem o assiste ―, Sociedade dos Poetas Mortos é uma obra-prima indiscutível. Geralmente exibido em salas de aula por professores que sonham que seus alunos sejam cidadãos críticos e independentes sem deixar de lado a responsabilidade e o bom senso que todos devemos ter, o filme deveria ser visto por todos os pais deste mundo. Se isso acontecesse, muitas famílias seriam bem mais felizes.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 10/11/2009

 

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