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Segunda-feira, 21/12/2009
A Folia de Reis
Ricardo de Mattos

"Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrados lhe prestaram homenagem. A seguir, abrindo os seus cofres, ofereceram-lhe de presente ouro, icenso e mirra." (Mateus: 2,11)

Janus foi o rei mítico oriundo da Tessália ou de Atenas. Dirigiu-se à península itálica e fundou a cidade a partir da qual estenderia seu domínio sobre o Latius. Seria dotado por Saturno de grande prudência na arte de governar, o que lhe valeu a representação com dois rostos, um voltado para o passado e outro para o futuro ― Janus bifrons. Após sua morte, foi alçado à categoria divina, como soíam fazer os povos remotos, hábito percebido por Vicco. O rei Numa consagrou-lho primeiro mês do ano, de forma que o ciclo seria aberto sob os auspícios da mesma divindade que estaria à porta na conclusão. Tal homenagem valeu-lhe o acréscimo de mais duas faces, totalizando quatro, uma para cada estação ― Janus quadrifons. De uma forma geral, a proteção do rei divinizado era solicitada para todos os começos: dos negócios públicos e particulares, dos plantios e das colheitas, das viagens, etc. Para honra de Janus eram realizadas as januálias no começo de cada janeiro. Tal como a celebração do solstício de inverno foi convertida na celebração do nascimento de Jesus Cristo, os festejos a Janus foram afastados pela Igreja Católica, que colocou em seu lugar a Epifania.


Janus

Com o nome de Epifania distinguem-se três mistérios, todos relacionados a alguma forma de revelação do Cristo, segundo o pensamento católico. Estabelecido o nascimento de Jesus Cristo em 25 de dezembro, a tradição diz que treze dias depois, já apresentado no Templo de Jerusalém, ele recebera a visita dos três Reis Magos. Por isso o sexto dia de janeiro é também chamado "Dia de Reis". A exatidão do cálculo será percebida com a inclusão do dia do parto, como manda a contagem hebraica dos prazos. Certa fonte afirma que um rei teria vindo do Oriente Médio, outro do Extremo Oriente e o terceiro da Etiópia, referência que nada tem de extraordinária si lembrarmos que o povo etíope é um dos mais antigos a abraçar o cristianismo. Levado o Menino ao santuário dos judeus, o passo seguinte foi mostrá-lo aos Magos, o que simbolizaria, portanto, o primeiro contato com os povos do mundo então conhecido. O segundo mistério é o batismo por João, ocasião em que o Espírito Santo simbolizado na pomba confirmou Jesus como o filho de Deus. O terceiro e último mistério epifânico é o milagre de Caná, quando a conversão de vinho em água anunciou sua missão messiânica.

Quem foram os Reis Magos? O Evangelho de Mateus refere-se apenas a "uns magos do Oriente" chegados a Jerusalém, orientados por uma estrela. Dos quatro Evengelhos sinóticos, é o único a mencioná-los. Outras notícias podem ser colhidas no Livro das Maravilhas do veneziano Marco Polo. Em suas andanças pelo Oriente, Polo chegou à cidade persa de Sabba, onde encontrou os túmulos dos reis contendo os corpos incorruptos. Que nós saibamos, é desta obra que saem os nomes pelos quais eles ficaram conhecidos: Gaspar, Melchior e Baltasar. Si Mateus arrola os presentes, o mercador indica a finalidade: "ouro, para saber se era mortal; incenso, para saber se era Deus, e mirra, para saber se era eterno". Após o contato com o Menino, foram alertados em sonho por um anjo para que não revelassem a Herodes onde ele se abrigava.

Hoje as festividades natalinas encontram termo no dia 25 de dezembro. Depois a preocupação dirige-se à virada do ano e então em nada além do carnaval ocupa as mentes. Não vai muito longe o tempo em que todo um período era comemorado, período iniciado antes da natividade e encerrado com a visitação. A ideia do Natal era, portanto mais ampla. Dentre os eventos tradicionais destaca-se a Folia de Reis. Trata-se de singular expressão agregada a nossa cultura popular, trazida da península ibérica. Um grupo de músicos apresenta-se às residências. Traz consigo um estandarte com as figuras da Sagrada Família e dos Santos Reis, que na entrada é oferecido ao dono da casa. O anfitrião toma a bandeira e guia o cortejo até o presépio, onde é feita a saudação cantada, acompanhada de instrumentos como o violão, a viola caipira, o cavaquinho, o triângulo, o chocalho o acordeão e o tambor. Participando do concurso municipal de presépios, este ano fomos honrados com a visita dos foliões na madrugada do dia catorze de dezembro. De repente, a casa foi iluminada e tomada pela música concretizando uma cerimônia comovente. Após a cantoria, são feitas orações e recitada uma breve ladainha. Seguindo à risca o costume, serve-se um lanche aos foliões, que em nossa casa consistiu de chá de capim cidreira e biscoito de polvilho.

Canta-se para entrar, canta-se para saudar, canta-se para agradecer as oferendas comestíveis e canta-se para sair. Não se trata, porém, de mero acontecimento musical levado para dentro das moradias. Ressalte-se o caráter religioso e lembre-se que os cânticos são preces entoadas. A Folia de Reis ― também chamada Terno de Reis em algumas regiões ― é composta pelo mestre ou embaixador, pelos foliões músicos e cantadores e pelo bandereiro. Algumas Folias incluem o palhaço vestido com roupas coloridas e mascarado. Conforme a finalidade de sua inclusão, denuncia certo sincretismo, pois com seu bastão cortaria as energias negativas do ambiente. Antigamente ela saía pelas ruas de casa em casa, mas o espichamento das cidades restringiu a atuação dos grupos. À municipalidade coube o encargo de providenciar os deslocamentos maiores, o que faz muito bem.

Vamos salvar o presépio, hei!
Jesus Cristo nasceu, ai, ai...
E salve os Três Reis Magos,
Enviados por Deus
Oi, ai, oi, ai,
Enviados por Deus, ai, ai...
Salve Maria e José
E salve os Três Reis Santos, oi,
Que ao menino presenteou (sic)
Salve a vaca e o carneirinho, ai
Porque foi anunciado, ai
Faz parte do presépio, ai,
Por Deus foi abençoado, ai,ai...


Ricardo de Mattos
Taubaté, 21/12/2009

 

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