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Quinta-feira, 24/12/2009
De Cuba, com carinho
Alexandre Inagaki

Lamento ver certas discussões, seja na internet ou na vida off-line, que acabam por dicotomizar simpatizantes de ideologias opostas. De repente, tudo no mundo torna-se branco ou preto, sem que haja espaço para o cinza; você é 8 ou 80, esclarecido ou alienado, "petralha" ou "tucanalha". Cada lado defende suas posições com agressividade típica de torcidas organizadas de futebol, e o resultado torna-se tão deprimente quanto o estrago cometido pelos falsos torcedores do Coritiba no estádio Couto Pereira, semanas atrás. Sem espaço para discussões ponderadas e críticas construtivas, vejo muita gente que só quer saber de ler textos que reiteram suas opiniões, tapando olhos e mentes para visões conflitantes com suas convicções arraigadas. Triste esse paulatino processo de amesquinhamento intelectual, que faz com que debates tornem-se meras rinhas de neurônios murchos lutando na lama.

Querem um exemplo prático do que falo? As discussões em torno da Revolução Cubana, que celebrou 50 anos em 2009. Creio que o melhor texto já escrito sobre o assunto foi escrito por Idelber Avelar em fevereiro de 2008. Sua simpatia pelas causas esquerdistas não o impediu de fazer um balanço lúcido e sereno sobre o legado deixado por Fidel Castro. Transcrevo aqui suas palavras:

"Cuba se transformou numa espécie de espelho distorcido onde cada um projeta uma visão que já traz de antemão. Amigos de esquerda viajam à ilha e voltam com relatos acerca de um povo muito orgulhoso do que fez. Mas também não dá para negar uma outra realidade: a da quase prostituição das relações pessoais com estrangeiros e a dura vida dos presos políticos. Aí eu não posso deixar de lamentar que as pessoas dedicadas a defender a Revolução Cubana ― causa mui legítima ― simplesmente não mencionem o fato. Vira uma ladainha: os defensores mencionam educação e saúde; os detratores mencionam a falta de imprensa livre e os presos políticos. Ambos têm razão. Ambos vão perdendo a razão na medida em que se recusam a olhar a coisa de uma maneira mais trimensional".

Fiz todo este preâmbulo para falar da mais notória blogueira cubana: Yoani Sánchez, filóloga de 34 anos que desde abril de 2007 relata em seu blog Generación Y seu cotidiano e seus imbróglios com o regime ditatorial na ilha. Volta e meia vejo simpatizantes da revolução cubana acusando Yoani de ser uma agente internacional da CIA patrocinada pelo governo americano, embora não apresentem provas disso. Recentemente, foi noticiado que Sánchez foi detida e espancada por autoridades cubanas no dia 6 de novembro, mas relatos compilados por um artigo do Global Voices Online mostram que há muita gente que contesta a veracidade desse incidente, assunto de uma matéria da CNN. Um deles foi Frei Betto, que publicou um artigo intitulado "A blogueira Yoani e suas contradições" (aliás, sobre esse texto, recomendo a leitura do post "Frei Betto, Yoani Sanchéz e o Copyright", de Leandro Beguoci).

Ou seja: ao mesmo tempo que Yoani Sánchez ganhou prestígio no exterior, a ponto de ter sido considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, e de ter recebido prêmios como o Ortega y Gasset de jornalismo (concedido pelo jornal espanhol El País) e o The BOBs de melhor blog de 2008, há várias pessoas contestando as ações e motivações desta blogueira, movidas essencialmente por razões ideológicas. Creio, pois, que não há nada mais apropriado do que ouvir Yoani Sánchez em pessoa: seja por meio deste vídeo, produzido pela trupe do Garapa.org, seja pela entrevista realizada por André Deak.

Por fim, recomendo fortemente a leitura do livro De Cuba, com carinho (Contexto, 2009, 208 págs.). Em seus textos, Yoani, que foi impedida de vir ao Brasil para o lançamento da edição por estas bandas (motivando inclusive um pronunciamento no Congresso do senador Eduardo Suplicy), mostra ser uma observadora atenta da realidade que a cerca. E não me refiro apenas ao que Sánchez chama de "utopia imposta"; cito, por exemplo, um breve texto no qual ela fala, com viés otimista, da juventude de seu país:

"Esses jovens que vejo hoje, ensimesmados nos seus MP3 e com a calça abaixo da cintura, anseiam ― como nós já ansiamos ― pelo momento de estar 'no comando da casa' e trocar os móveis, renovar a pintura e convidar os amigos. Eles têm a mesma aversão ao que é herdado e o mesmo deleite com o proibido que todos que já passamos por essa idade também tivemos. Gosto da maneira como fazem de conta que nada lhes interessa, quando na realidade aguardam o momento de tomar o microfone, brandir a caneta, levantar o indicador. O hedonismo os salva da entrega incondicional e certo toque de frivolidade os protege contra a sobriedade das ideologias".

Antes de criticarem ou elogiarem o blog e as atitudes de Yoani Sánchez, gostaria muito que as pessoas ao menos se dispusessem a ler seus textos antes de emitir julgamentos apressados e conspurcados por certezas inexpugnáveis.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado em seu blog, o Pensar Enlouquece, Pense Nisso. Leia também "Yoani Sánchez no Brasil".

Para ir além





Alexandre Inagaki
São Paulo, 24/12/2009

 

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