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Quarta-feira, 13/1/2010
2009 e os meus álbuns
Rafael Fernandes

A seguir a lista e comentários de alguns álbuns lançados em 2009 que ouvi. Mudei o padrão do título dessas seleções anuais. Saem "CDs", apenas uma tecnologia, entram "álbuns", que exprimem melhor o conceito da junção de canções lançadas simultaneamente por um artista. Até porque estou ouvindo cada vez mais digitalmente. Essas foram uma explicação e uma mudança tolas, típicas de um nerd musical.

Decepções

Chickenfoot ― Chickenfoot


Ouça um trecho de "Future in the past"

Esse projeto não me despertou tanta curiosidade e só ouvi para preparar a pauta do Tungcast específico. Achei decepcionante pelo nível dos músicos envolvidos, apesar de hoje achar melhor do que há alguns meses. O riff e o refrão de "Avenida revolution" são óbvios, numa intenção melódica mais surrada que os bonés de Chad Smith. "Soap on a rope" e "Oh yeah" têm uma ou outra coisa boa, mas são aquelas músicas "fáceis", para levantar o público nos shows. "Get it up" e "Down the drain" me soam monótonas e repetitivas. "Learning to fall" é a baladinha de "pegar mulher". "Sexy little thing" (apesar do nome) e "Runnin' out" têm bons momentos, mas não conseguem salvar o disco. "Turnin' left" é ótima, a segunda melhor do disco, mas inexplicavelmente é a penúltima faixa. Sem explicação também está no fato de o melhor momento de Chickenfoot ser o final: "Future in the past". Nesse ponto tenho que concordar com o nobre colega Diogo Salles: é uma grande música. Até por procurar fugir do óbvio. Infelizmente, parece meio esquecida. Acho que um dos problemas é que quando chega perto de ser ótimo, o Chickenfoot dá a impressão de pisar no freio e optar pelo óbvio, ou pelo seguro, e por letras tolas.

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Dream Theater ― Black Clouds & Silver Linings


Ouça um trecho de "A nightmare to remember"

É o segundo disco seguido da banda que me decepciona. Esse em particular tem músicas pessoalmente importantes para o baterista Mike Portnoy, como "The best of times", feita para o seu pai (que ouviu versão não finalizada em seu leito de morte) e "The shattered fortress" ― o movimento final de uma série de canções sobre sua luta contra o alcoolismo. Mas musicalmente elas nada acrescentam à banda. "A nightmare to remember" é bem pensada e tem momentos brilhantes, mas se perde. Não sei o porquê da música ter tantos solos em bases chatas e descoladas do conceito da canção. E olhem que sou um grande fã de solos. Os guturais de Portnoy também soam fora de lugar. "Whiter", a primeira música em anos composta inteiramente por um só membro da banda (o guitarrista John Petrucci), é bem acabada, mas nada mais do que uma balada radiofônica melosa. "The count of touscany" também tem acertos, mas depois de tantos anos usando os mesmos artifícios, é difícil surpreender o ouvinte. O Dream Theater chegou a uma aparente bifurcação sem saída. Quando tenta inovar trazendo influências de outras bandas (como Muse, Coldplay, Opeth etc.) acaba soando cópia demais. Quando "volta às raízes" soa como pastiche dele mesmo. Os fãs mais novos parecem ter gostado do álbum. No final das contas, certas bandas simplesmente mudam de geração: "acabam" para os fãs antigos e continuam vivas para novos públicos.

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No quase

Them Crooked Vultures ― Them Crooked Vultures


Ouça um trecho de "Elephants"

Por toda a expectativa em torno da banda, me pareceu um disco confuso, apesar dos ótimos momentos. "Elephants" é um exemplo disso. Tem um riff que é fora de série: bem trabalhado e com uma boa sacada no andamento. Mas a música acaba se arrastando e ficando repetitiva. A abertura, "No one loves me & neither do I" se sai melhor: começa marota, à la Queens Of The Stone Age e vai crescendo até culminar em outro riff matador. John Paul Jones brilha no álbum todo, muitas vezes roubando a cena. Elegante ou agressivo de acordo com a necessidade da música, ele deixa sua marca. "Mind eraser. No chaser" é ótima. Sem frescuras, mostra o poder da banda quando ela vai direto ao ponto. Os vocais no refrão lembram Foo Fighters. "New Fang" e "Scumbag Blues" são outros destaques. Assim como a dançante e hipnótica "Gunman", com um grande riff que lembra o John Paul Jones de Zooma. O saldo final é o seguinte: quando acerta, o Crooked Vultures é fenomenal. Mas isso não acontece em todo o álbum, que é irregular. Que venha o segundo disco para tirarmos a prova!

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Boas audições

Animals as Leaders ― Animals as Leaders


Ouça um trecho de "Soraya"

Enquanto a guitarra é maltratada por muitos, músicos como Tosin Abasi insistem em procurar outros caminhos. No autointitulado álbum, sua banda Animal as Leaders mostra que é possível, sim, soar virtuoso e inventivo. O lançamento une arrojo e velocidade a boas melodias. A faixa de abertura, "Tempting time", é um belo cartão de visitas: sua primeira parte mistura peso com climas interessantes. No meio, um toque de dramaticidade. "Modern meat" é uma faixa acústica com ecos até de Django Reinhardt e Joe Pass. Claro, não chega a tanto, mas é raro ouvir referências como essas. "Soraya" já está na lista das minhas músicas preferidas. É enigmática e vai, aos poucos, abrindo caminho para boas melodias, em particular a do que poderíamos chamar de "refrão" e do seu final. "Song of solomon" parece uma batalha entre guitarras furiosas. O resultado é um dos melhores discos de guitarra que ouvi recentemente.

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Devin Townsend Project ― Ki e Addicted


Ouça um trecho de "Gato", do álbum Ki


Ouça um trecho de "Hyperdrive", do álbum Addicted

Devin Townsend é um dos mais interessantes e prolíficos artistas dos anos 90 e 00. Desde sua participação no projeto Vai, passando por sua banda Strapping Young Lad até seus projetos autointitulados. Em 2009 lançou dois discos sob o nome Devin Townsend Project; ambos estão dentro de um projeto conceitual de quatro álbuns que devem ser completados em 2010. Musicalmente, Ki (o primeiro) é o mais interessante, por privilegiar músicas mais tranquilas, na maioria das vezes com guitarras limpas, sem distorção. Destaque para "A monday", "Coast", "Gato" e a faixa-título. Addicted poderia ser definido, bizarramente, como "power-pop-metal". Metal porque estão no disco a pegada do estilo, as distorções, os riffs característicos e vocais agressivos. Mas as músicas têm estrutura de pop, vocais de apoio e melodias bem pegajosas, típicas do power pop. Além de inserções de vocais femininos, em particular na boa (e muito pop) "Hyperdrive!". Entre outras boas músicas estão "Supercrush!", "Resolve!" e "The way home!".

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Dr. Sin ― Original Sin


Ouça um trecho de "Emotional catastrophe"

Essa ótima banda Dr. Sin regravou seu primeiro e autointitulado álbum, chamou de Original Sin, mudou o encarte e lançou-o neste ano. O que parece uma atitude sem sentido é, provavelmente, uma boa jogada para não pagar para relançar sua obra primeira, cujos direitos ainda devem estar nas mãos de alguma gravadora. As músicas são fantásticas e a banda está afiada, então não há do que reclamar. Ainda que os fãs possam discutir se a música X é melhor no Dr. Sin, o disco de 1993, ou nesta regravação, o Original Sin é uma boa oportunidade de ter acesso ao debut da banda sem ter que esperar a (falta de) vontade de uma major para liberar o relançamento do original. Entre as grandes músicas se destacam "Dirty woman", "Howlin' in the shadows", "The fire burns cold", "Scream and shout" e, claro, "Emotional catastrophe", um dos grandes rocks dos anos 90. O lançamento ainda traz duas músicas inéditas: "You are my love" e "Nephelins".

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Living Colour ― The Chair In The Doorway


Ouça um trecho de ""Bless those (Little Annie's prayer)""

Depois de um disco fraco (Collideoscope), o Living Colour voltou à boa forma. "Burned bridges" abre bem o álbum, com uma pegada agressiva e dançante e um refrão explosivo. "The chair" mantém a força e tem um refrão viajante. "Behind the sun" foi o primeiro single, é um tiro certeiro e lembra os promórdios da banda: suingada, bem pop e com refrão para cantar junto. "Bless those (Little Annie's prayer)" é outro ponto alto. Esperta, tem vocais de apoio que dão um toque especial à canção. Como sempre, destaque para o instrumental da banda: bem sacado, criativo e com detalhes interessantes que vamos descobrindo a cada audição. Com The Chair In The Doorway o Living Colour continua a busca que começou no Stain: ser pesado, agressivo, com inovações, como insersão de samplers, algo de influência eletrônica e timbres diferenciados. Mas sem perder a veia pop que é sua marca registrada.

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Muse ― The Resistance


Ouça um trecho de "Exogenesis: Symphony Part III (Redemption)"

Parece que a banda tem incorporado uma boa dose de humor nas suas músicas. O que é muito saudável. Uma amostra disso é a dupla "I belong to you (+ Mon cour s'ouvre à ta voix)". Juntas, são "épicas", dramáticas e duram quase seis minutos. Mas a levada, um certo desapego e algumas inserções bem-humoradas ― como um sopro maroto no final ― tornam as músicas mais despretensiosas. É uma ironia: parece que o Muse ao mesmo tempo assume sua pretensão, seu exagero e até uma dose de breguice, mas sem tornar isso pesado ou sério demais. Seria quase uma declaração meio "somos pomposos e gostamos disso, então vamos curtir". A suíte Exogenesis é bela e com passagens delicadas ― um dos melhores momentos da banda. É pop com alguns toques de sofisticação. Em especial o movimento final, magnífico. A banda sempre flertou fortemente com o progressivo e o operístico. Era uma questão de tempo para que fizessem uma música como essa, longa, conceitual, com várias partes e presença de cordas.

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Pain Of Salvation ― Linoleum


Ouça um trecho de "If you wait"

Scarsick, o disco anteiror da banda, dividiu os fãs com uma sonoridade mais crua, arranjos enxugados e canções com estruturas mais simples e diretas. Linoleum é apenas um EP, uma prévia do próximo disco, mas já mostra que essa sonoridade está sendo levada adiante. A bela "If you wait" é esse conceito levado quase ao extremo. O instrumental se repete do começo ao fim, quase em loop. A música se destaca pelo arranjo que vai crescendo até o meio da música, para relaxar em seguida. Além disso, Daniel Gildenlöw tem ótima performance, pungente, com um virtuosismo que beira a histeria. A faixa-título é muito boa. Tem riff bem seco e simples, mas a estrutura da música é bem elaborada e evidencia amadurecimento musical: não é preciso um milhão de riffs e partes distintas para que uma canção seja criativa e inventiva.

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The Mars Volta ― Octahedron


Ouça um trecho de "Copernicus"

The Mars Volta é uma das melhores bandas dos últimos anos. Mistura bem combinações quase improváveis: a complexidade, o arrojo e até os exageros do rock progressivo, mas sem ser tão "certinho". Tem um desleixo, uma sujeira e um ar sombrio que tem mais a ver com o punk e, por que não, com o grunge. E ainda consegue juntar tudo isso com toques de psicodelia. O resultado é uma sonoridade que é a marca registrada da banda. Em Octahedron a banda pega mais leve. O disco é menos rock, mais pop e mais centrado nas canções, melodias e climas. De certa forma, era um caminho quase necessário a ser feito, depois dos esporros dos discos anteriores. "Copernicus", minha favorita, é uma balada calma e contemplativa. O Mars Volta "clássico" se apresenta competente e potente em "Cotopaxi" e "Desperate graves".

Para ir além

Tungcast: www.tungcast.com.

Rafael Fernandes
Araçoiaba da Serra, 13/1/2010

 

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