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Segunda-feira, 26/11/2001
Amantes púberes
Bruno Garschagen

Virgens. À espera de uma mão àspera ou lisa. Ansiosas por um olhar mais indiscreto do que o de um voyeur de meia idade sentado à beira mar observando lolitas. Carentes. Sofrem de extrema carência em certas casas de famílias aprumadas. Loucas por serem invadidas, penetradas sem compaixão, tiradas do altar, defloradas com violência refinada.

Não cobram fidelidade. Nos olham com sutil inocência. Este é o véu a esconder seus encantos. Uma sofisticada forma de provocar. Sim meus caros, sabem elas que o mistério sempre estimula o mais decantado dos mortais a desnudar o manto que cobre uma tênue possibilidade de satisfação.

Amantes púberes

Perdoem-me, sei que escrever o óbvio é sempre um constrangimento patético, mas seria indigno não compará-las às realizações mais deliciosas, do tipo furtar o beijo da menina mais bela da sala e ganhar um sorriso de recompensa.

Delas muitos falam; se gabam como amantes; se arvoram como possuidores únicos; ou dirigem-nas as mais abjetas considerações. Na lacuna dos extremos, desfilam perfiladas. Revelam primeiro as silhuetas. Tudo para provocar. À primeira espiadela só vemos a forma. Umas mais privilegiadas esteticamente que as outras. Mas se equivalem no charme e em tudo o que nos traz, ou nos leva. Curiosamente, terminam impiedosamente as relações quando já estamos entregues aos seus caprichos e implorando por mais. Entendo, qualquer final é traumático. Fica na boca o doce gosto de água e sal, sem o refinamento de um cream-cracker com chá. E um aperto dos diabos na respiração.

Algumas são mais levianas durante o relacionamento. Nos agridem sem pudor. Socos curtos na boca do estômago (acho que nunca havia escrito "na boca do estômago"). Destroem mitos que forjamos durante anos. Nem sei porque raios a paixão nos cega tanto. E um vestido iconoclasta nos pareça tão belo após um beijo.

Tentei ser monogâmico. Em vão. Elas me provocavam. Não deixavam que me prendesse a nenhuma. Pelo contrário. Sempre me apresentavam às outras, com quem me envolvia sem hesitar. Por vezes, era obrigado a um menáge a trois. Deliciosos menáge a trois. Parecia um conluio de bruxas, desenvolvendo um feitiço de tempos em tempos para me manter preso. A todas.

Este, então, é o testemunho de meu fracasso em me livrar dessa paixão incondicional e confessa; o edital de culpa exposto à execração pública. Talvez uns entendam. À essa altura, também, pouco importa. As obras literárias são amantes púberes aguardando defloração. E, como um Marquês de Sade, me entrego aos prazeres desse doloroso e estimado vício.

Bruno Garschagen
Cachoeiro de Itapemirim, 26/11/2001

 

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