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Terça-feira, 13/4/2010 Danillo Villa, quadros de uma exposição Jardel Dias Cavalcanti A Casa de Cultura da UEL, de Londrina-PR, recentemente exibiu uma exposição de pinturas do artista plástico Danillo Villa como parte do Edital de Exposições 2010. O conjunto das obras é formado por telas abstratas, de pintura em acrílica, com dimensões que variam entre 1,5m e 2,0m. Isso nos faz trazer aqui a ideia da "visualidade pura", de Fiedler, que diz que a arte é uma linguagem específica, que se produz de acordo com suas próprias leis, que os conceitos não podem explicar. O objetivo da "visualidade pura" consiste em livrar a forma de qualquer psicologia ou história, ligando-a às nossas faculdades perceptivas. Ou seja, a forma é um dado visual que satisfaz plenamente a intuição, sem necessidade de representar outra coisa que o que não pode ser representado. Ainda podemos pensar em Worringer e seu tratado Abstraktion und Einfühlung, que sugere a ideia de significação interior da forma e, ao mesmo tempo, torna secundária a leitura do que ela representa. Uma espécie de queda livre no reino da experiência direta, sem mediações, onde a sensibilidade é levada para o reino do inominável, de forma que o conheça. A arte abstrata nos propõe a reeducação do olhar. Há uma história do corps prope da pintura que só o olhar demorado desvela. Alguns versos de Alberto Caieiro/Fernando Pessoa podem resumir bem essa ideia: "O essencial é saber ver,/ saber ver sem estar a pensar,/ saber ver quando se vê,/ E nem pensar quando se vê/ Nem ver quando se pensa./ Mas isso exige um estudo profundo,/ Uma aprendizagem do desaprender./ (...) Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!". Os monges Zen, segundo Leyla Perrone-Moisés, também entendiam dessa forma, sabendo que o olhar não é um instrumento de análise, mas abertura receptiva ao que se vê: "o contrário do olhar armado de conceitos, carregado de intenções intelectivas ou de projeções psicológicas, olhar que separa, que cinde, que destrói". O olho, elemento móvel e aberto para o mundo externo traz de volta para o sujeito o que foi visto e é nesse sentido que conhecer é ser invadido e habitado por imagens e não por conceitos. Ao olhar uma pintura abstrata o olhar seduzido não sabe onde pisa. Por isso anda cautelosamente pelo terreno e é assim que deve fazer. Se não há certeza do que essa sedução possa ser, pois se perdeu o rumo/certeza, só lhe resta aceitar o naufrágio da sedução. A obra de arte abstrata oferece ao espectador a possibilidade de esquecer o que ele sabe por experiência, pelo conceito e pelo pré-conceito. A pintura, nesse sentido, é concebida como uma criação intrínseca, uma obra que deve manter-se em pé por um milagre, como um castelo de cartas, diria Flaubert, "sustentada pela força interna de seu próprio estilo". Após essa rápida introdução, podemos começar a comentar a pintura de Danillo Villa, no sentido mais geral, já que o espaço desta coluna não permite uma observação particular de cada tela. De uma forma geral, a pintura de Danillo Villa se alimenta de dois elementos que criam uma tensão entre forças: um elemento de acaso e, de outra parte, elementos nos quais se pode controlar o resultado. O primeiro momento é o atirar-se no desconhecido, sem prévia definição do que virá, e o segundo momento é aquele em que o artista escolhe de que forma certos elementos serão constituídos. E o resultado nos indica que foi com calma, paciência e penetração que as escolhas foram feitas a partir desses dois movimentos. Não se pode controlar totalmente uma linha de tinta que escorre sobre a tela, embora seja o artista que escolherá que cor e que porção desta tinta escorrerá. Sobre que fundo se manterá em suspenso esses corrimentos é escolha da vontade do artista. Como o artista pode controlar também, através das experimentações, que peso um corrimento poderá ter sobre o efeito global da tela. E é na percepção dentro da prória obra de Danillo Villa, do processo de tensionamento entre o ceder ou não ao acaso, de escolher qual ou tal matéria continuará presente, que se pode dizer que a obra é fruto de um demorado processo de experimentação. No terreno abstrato, o pintor interroga o espaço, a relação entre cores-tons (Baudelaire definia a cor como o acordo entre tons) e forma, a relação entre matéria e expressão, instaurando a obra como valor em si, como construção ― onde volumes, linhas, traços, resíduos, são os "vasos comunicantes" do corpo-pintura. A complexidade da pintura de Danillo Villa se revela no fato de que seu repertório de formas foi obtido por meio de ambiguidades e paradoxos, embora seja difícil definir estes termos em uma matéria pictórica abstrata. As formas que o artista cria derivam os seus significados do fato de serem matérias que ecoam por todo quadro segundo relações que são estabelecidas entre as cores, as texturas, os volumes e a ação que se desdobra em um resultado perceptivo ao criador entre as partes e o todo nas telas. Portanto, a ação de julgar os resultados de cada momento do andamento de uma pintura é tão importante para o artista quanto sua execução. Um profundo conhecimento sobre a matéria pictórica que se manipula é necessário nessa operação e Danillo Villa, como percebemos pelo resultado de suas telas, detém esse conhecimento. As telas se constroem em pequenos incidentes de matéria pictórica. Por vezes estes incidentes criam linhas de forças verticais, outras vezes horizontais, abrindo espaços secretos por onde nosso olhar deseja caminhar, como que indo para dentro, para o interior da tela; outras vezes corrimentos de tintas nos impedem de percorrer esse caminho, pois como farpas de tinta anunciam a degradação desse mesmo espaço. Mas tudo é alusivo sem ser definível. Nas telas percebemos atmosferas entre os vãos da matéria colorida. São como espaços sonhados, apenas sonhados, nos quais jamais penetraremos. Talvez aqui se anuncie sua riqueza, a de tornar possível uma vivência não referencial, inconclusiva, na própria forma que parece inconclusiva. A exigência de uma contemplação demorada e silenciosa é o preceito mínimo para que se possa usufruir das intricadas redes de sugestões que cada quadro oferece. Essas telas, espécies de campos geológicos, só podem ser bem percebidas através do olho meditativo que passeia por este terreno. E este terreno não é tão seguro, já que a própria matéria operada pelo artista parece não querer se consubstanciar, buscando, talvez, sugerir seu ocaso a cada momento. Se a matéria pode estar agonizando aqui, ali ela está em estado de franca exaltação. Mas isso não depende do nosso olhar, ao contrário, depende mais da determinação do artista ou do resultado a que se chegou e no qual as telas nos trazem à mente. Temos a sensação, ao nos depararmos com essas obras, de que Danillo Villa está plenamente consciente destes acontecimentos e dos resultados que invadirão o olhar do espectador. O trabalho do artista não estabelece uma relação relaxada com o espectador, ele quer mantê-lo sob suas rédeas, ao que parece. O que não se pode esquecer nesta relação é que a pintura tem uma vida própria, independente do espectador. Seu organismo é formado por linhas, traços, cores, elevações e recuos de matéria pictórica. Estes elementos dominam a priori o que vai se passar em nossa mente, o que vai atingir nossa sensibilidade. Como disse Kandinski, no seu livro Do espiritual na arte, "existem cores que parecem ásperas e que ferem o olhar. Outras, ao contrário, dão a impressão de serem polidas e aveludadas". Essas pinturas de Danillo Villa tornam nossos olhos voyeurs, e os colocam arrancando prazer de todas as partes dos objetos que devassam. E as telas parecem sussurrar nos nossos ouvidos: "é assim mesmo que nós queremos ser olhadas". Do que há de brilho e do que há de tremor, para estas telas faço minhas as palavras de Fernando Pessoa: "Olho e contenta-me ver". Jardel Dias Cavalcanti |
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