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Quinta-feira, 29/11/2001
O ator e o teatro hoje
Kátia Gomes

O que leva algumas pessoas a ingressarem na carreira de ator? Talento, fama, dinheiro? Acredito que as duas últimas opções são mais condizentes com a situação atual da cultura brasileira. Escolas de teatro e interpretação proliferam pela cidade de São Paulo. Algumas centenas, ou milhares, de novos profissionais são colocados no mercado a cada ano com o sonho de uma carreira promissora – de preferência em uma das novelas da TV Globo.

Tudo bem, a concorrência é saudável para o aprimoramento profissional, mas o que me intriga é saber que dessas pessoas a maioria não tem consciência do que o ator pode representar para a sociedade como um todo. É praticamente unânime a afirmativa de que só o talento é fundamental, só os que possuem talento permanecem etc.

Não é bem assim, existe uma tênue diferença entre talento e vocação. Não basta decorar textos e mais textos, ter uma boa presença de palco e um rostinho bonito – atual parâmetro de talento. É preciso querer fazer. Fazer direito. O trabalho de ator é muito mais árduo do que o glamour retratado nas revistas e programas de fofoca. É um trabalho diário e desgastante que envolve muito esforço físico e emocional. Aí entra o verdadeiro sentido do teatro.

Teatro é interação, o público apreende o espetáculo pela sensação da palavra, não pela fala. O teatro tem de provocar no espectador sentimento e prazer. O teatro tem de proporcionar uma edificação moral e ética ao ser humano. O que se tem visto por aí é puro entretenimento. Ou melhor, os sucessos de bilheteria por aí são puro entretenimento.

Infelizmente, não há discernimento também. A platéia do teatro é formada por fãs que almejam ver de perto seus ídolos (da tevê, lógico) ou, em uma visão mais otimista, por profissionais da classe teatral e estudantes de teatro em busca dos clássicos.

Há excelentes grupos de teatro e pesquisas que desenvolvem trabalhos primorosos como por exemplo, a Confraria da Paixão, Companhia do Feijão, Companhia do Latão, Parlapatões, Círculo dos Comediantes, Grupo Galpão, entre tantos outros que não deixam a essência do teatro morrer e sabem que fazem parte de um contingente de formadores de opinião.

Num país com alto índice de desemprego e salários baixos não é difícil ver pessoas que gostariam de aliar prazer na profissão com fama e dinheiro.

O que foge do conhecimento da maioria dessas pessoas é que os atores passam muitas dificuldades no dia a dia. Alguns não têm dinheiro para pagar o aluguel e andam de ônibus. Em âmbito menos pessoal, não têm patrocinadores e bancam o espetáculo com dinheiro do próprio bolso, por idealismo e amor à arte. Só ganham muito dinheiro, os galãs e estrelas de novelas. Esses sim, podem se dar ao luxo de cobrar preços exorbitantes por suas peças, contribuindo para o distanciamento e preconceito do público em relação ao teatro.

Para se ter uma idéia, a Companhia do Latão esteve em cartaz com o espetáculo de criação coletiva “A Comédia do Trabalho”, no teatro Cacilda Becker, e os ingressos custavam módicos 5 reais. Enquanto, “Fim do Jogo”, de Samuel Beckett, encenada por Edson Celulari no Teatro Folha custava entre 40 e 50 reais (!). Não desmerecendo a atuação de Edson Celulari (nem assisti à peça), mas há uma discrepância que não tem justificativa. Pelo que me consta, o teatro, até o século XVI, era apresentado ao ar livre, de graça...

Não tenho embasamento suficiente para argumentar sobre o assunto, mas sei que falta uma maior conscientização tanto dos iminentes profissionais de teatro quanto de seu público.

Felizmente, através de projetos como a campanha de popularização do teatro da Secretaria Municipal da Cultura, encabeçada por Celso Frateschi, diversas entidades particulares começam a se mobilizar e a se preocupar com a mudança desse panorama em prol do verdadeiro prestígio do teatro e seus profissionais. É pouco, mas já é alguma coisa...

Kátia Gomes
São Paulo, 29/11/2001

 

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