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Terça-feira, 15/6/2010
Jornais do futuro?
Fabio Silvestre Cardoso


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Amiúde as recentes mudanças editoriais e gráficas, há um texto, na última página do suplemento especial de apresentação do novo projeto, assinado por Otávio Frias Filho sobre sua Folha de S.Paulo. No artigo, Frias Filho dá algumas pistas acerca das motivações e das intenções do jornal. "Talvez jornais, revistas e livros impressos venham a desaparecer, talvez não. (...) Mas é pouco provável que o jornalismo de qualidade, tal como definido acima, desapareça da face da terra." Noves fora o fato de implicar que o jornalismo de qualidade seja aquele publicado nas páginas do veículo do qual é Diretor de Redação, o trecho de Frias é singular porque, pela primeira vez, um grande dirigente assume o que, aqui e ali, já vêm sendo fartamente comentado sobre o futuro dos jornais, a saber: a plataforma de papel talvez ― leia-se atentamente, aqui, o talvez ― não seja para sempre. Em outras palavras, trata-se de uma concessão que, até agora, os jornalistas brasileiros resistiram a dar. Nesse sentido, mais do que apreciar ou depreciar a reforma gráfica, ou, por outra, comemorar ou contestar as atualizações editoriais, melhor será observar o significado simbólico dessa renovação.

Em certa medida, a reforma na Folha é o fim de um ciclo de mudanças na mídia nacional. O leitor mais atento há de se recordar que, nos últimos três anos, boa parte dos principais veículos brasileiros sofreu mudanças gráficas. Da CartaCapital à Veja, passando pelo Estado de S.Paulo e Valor Econômico, alcançando, agora a Folha ― sem mencionar, no meio do caminho, o Jornal Nacional, com seu novo leiaute audiovisual. O termo "sofreu" não foi utilizado aleatoriamente. As mudanças acima citadas poderiam ser resumidas a restrições no tamanho dos textos ― com o aumento da fonte, mudança tipográfica ― e aumento sensível de infografia ― o aviso é claro: toda e qualquer informação que for passível de ser transmitida via arte não deve ser deixada em texto. Todavia, o que faz a mudança na Folha ser mais comentada que as demais se deve ao fato de que, para o jornalismo brasileiro, o veículo da rua Barão de Limeira tem um caráter por demais representativo, norteador, paradigmático. Assim, enquanto o Estadão muda para reafirmar sua posição editorial ― como na defesa do conteúdo de qualidade, em cadernos como o recém-lançado "Sabático", a mudança na Folha instaura um novo modelo de pensar o jornalismo. Grosso modo, é acertado observar nessa mudança uma conexão com o jornal que, na década de 1980, tornou-se aquele que os leitores adoravam odiar; o veículo que lançava as polêmicas mais saborosas de se acompanhar (José Arhtur Giannotti x Otávio Frias Filho; Paulo Francis x Caetano Veloso etc.); o diário que contava com o caderno cultural mais arrojado, provocador; por tudo isso, o jornal de preferência dos jovens.

Curiosamente, na mesma década de 1980, foram os jovens que implementaram uma verdadeira revolução no jornal. A análise está documentada em diversas pesquisas acadêmicas, mas alguns livros relatam bem o que houve no período. Dois deles ajudam a compreender o que aconteceu de maneira crítica. Em um livro de ensaios intitulado Síndrome da Antena Parabólica, o professor da USP Bernardo Kucinski explica de que modo a Folha se tornaria o jornal mais relevante ― mais odiado, utilizando os termos do autor ― do país. Já a pesquisadora Gisela Taschner, da Fundação Getúlio Vargas, no livro Folhas ao vento: análise de um conglomerado jornalístico, comenta como a ideia de renovação esteve no DNA do veículo, o primeiro a assumir uma vocação de produto jornalístico de forma tão escancarada. De cunho mais memorialístico, Carlos Eduardo Lins da Silva, tendo já pertencido do núcleo duro do jornal (e, mais recentemente, ombudsman entre 2008 e 2010), escreveu, em 1988, Mil Dias: a história da revolução de um jornal, obra em comenta e analisa o processo de adaptação daquela instituição para com o então novíssimo projeto editorial, cuja linha-mestra se pautava por um "jornalismo crítico, apartidário e pluralista", menos leniente com os erros, e que passaria a adotar um Manual da Redação. Este, por sua vez, não se tratava apenas de um documento que organizava a edição de textos, mas de um livro-texto normativo com as visões que a Folha assumiria editorialmente, dentre os quais o polêmico mandato do leitor, segundo o qual o público concedia à Folha a tarefa de investigar os fatos, recolher material jornalístico, editá-lo e publicá-lo. Ainda de acordo com o documento: "A força de um jornal repousa na solidez e na quantidade dos mandatos que lhe são delegados". Nesse período, essa afirmação, embora um tanto presunçosa, fazia total sentido, uma vez que o veículo, com efeito, conquistou corações e mentes, sobretudo entre os formadores de opinião. Dito de outra forma, o veículo estava em conformidade com o espírito de seu tempo.

Da década de 1980 para cá, no entanto, muita coisa mudou. E, em especial, houve a chegada da internet, que alterou a maneira como as pessoas consomem informação. E é fácil pensar que se trata de uma discussão exclusivamente econômica, ou seja, de que os jornais perdem financeiramente com a queda de anunciantes e o aumento do custo do papel. Com efeito, Otávio Frias Filho até comentou a respeito em seu artigo sobre o novo projeto editorial: "Durante décadas, o jornalismo clássico, dito de qualidade, que cultiva compromissos com a exatidão do que publica, com a relevância coletiva dos temas que aborda, com a manutenção do debate público foi sustentado por um modelo econômico hoje em risco". O problema, contudo, não é apenas econômico; tem a ver com os valores que o jornal, como ideia, representa. Assim, se, na década de 1980 e 1990, a Folha conseguia fazer o britpop acontecer por aqui, ou encampar a campanha a favor das eleições diretas, ou, ainda, chamar o presidente da República às falas em uma carta aberta, tudo isso estava relacionado à reputação, ao capital político que a publicação possuía junto aos formadores de opinião e, por extensão, junto à sociedade. Para o bem ou para o mal, essa realidade mudou.

Agora, são vários os leitores e muitas as leituras. Dificilmente, os formadores de opinião conseguem congregar em torno de si um exército de seguidores, e os jornais não mais moldam a cabeça do grande público. Nesse ponto, pode-se arriscar que a reforma na Folha, para além do novo projeto gráfico e dos 101 colunistas que compõem o quadro do jornal, tem mais a ver com a necessidade de a publicação se atualizar diante desse novo público/leitorado. Como que interessado, o jornal começa a perguntar: "do que você precisa saber?". Assim, por exemplo, sai de cena a análise sofisticada de um economista como Paulo Nogueira Batista Jr. e entra em cena a análise mais mundana do consultor Gustavo Cerbasi, autor de Casais inteligentes enriquecem juntos. Outros membros do chamado star system compõem o escrete do jornal, como Nizan Guanaes, Fernanda Torres, Antonio Palocci e Eike Batista. Aqui, é o que a Folha chama de aposta no conteúdo, mas o leitor mais experimentado está ansioso pelas grandes reportagens, pelo texto de qualidade. A conferir.

De volta ao texto em que dá algumas explicações sobre as mudanças ocorridas na Folha, Otavio Frias Filho, já no fim do artigo, afirma que, com a reformulação implantada, o jornal espera sinceramente melhorar, experimentar e arriscar. As intenções são semelhantes às da década de 1980. Naquele período, porém, toda a equipe que estava no comando da mudança estava na casa dos 20 e 30 anos. Este foi um fator determinante para que se estabelecesse um diálogo entre leitor e público jovem, conquistando, então, uma nova camada de leitores que permaneceriam fiéis aos jornais por muitos anos. Agora, Sergio Dávila, novo editor-executivo, e o próprio diretor de Redação estão distantes, em anos vividos, da chamada Geração Y. Conseguirá aquele grupo se fazer atraente para este último? Eis um desafio que está para além de uma questão de formato ou plataforma.

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 15/6/2010

 

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