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Segunda-feira, 12/3/2001
Lembranças e embalagens duelam no novo Mel Gibson
Arcano9

A primeira coisa que me veio cabeça quando eu vi Do Que as Mulheres Gostam foi outro filme, que não me parecia ter ligação muito direta com esta produção estrelada pelo lindão Gibson. O filme que me veio à cabeça - pouca gente deve se lembrar - é o clássico superlativo do sapateado Núpcias Reais, de 1951, com Fred Astaire e Jane Powell. Pago um brownie para quem adivinhar o motivo. Vocês têm um parágrafo.

É claro. Aquela cena maravilhosa. Eu não sabia que Mel Gibson era capaz de... dançar. Ele sabe empunhar uma espada muito bem (Coração Valente), e um revólver, tão bem quanto (Máquina Mortífera), mas manusear um... cabideiro como parceiro numa dança solitária em seu apartamento no centro de Chicago?! Fred Astaire fez a mesma coisa em Núpcias Reais, os mesmos passos, a mesma coreografia. E isso abriu um sorriso no meu rosto, lembrar do bom, maravilhoso espírito flutuante dos sapateados, cada vez mais esquecido por todo mundo por aí.

Esse foi um excelente motivo para eu sorrir, Fred Astaire. Qual o outro? Bom, eu acho que não preciso buscar na minha memória cinematográfica a alegria que me dá toda vez que eu ouço o Ol' Blue Eyes ecoando seu vozeirão. Frank Sinatra especialmente em I Won't Dance (tão Fred Astaire), a música usada por Gibson para dançar no topo do mundo com seu cabideiro. É com certeza verdade falar que Fred Astaire e Frank Sinatra foram "invocados" pela diretora Nancy Meyers. E seria impossível eu, fã dessa velharia toda, não gostar. Talvez pelos olhos azuis de Mel Gibson e pela voracidade sexual de seu personagem (tão Sinatra), eu tenha achado que o cantor combina com o espírito deste filme. Aliás, vamos extrapolar e ser honestos - desde o trailer, este filme tenta se vender como uma "revisitação" daquelas antigas e saborosas comédias românticas, aquelas que o tempo não traz mais. Neste caso, Nick Marshall - o publicitário interpretado por Gibson - é um charmoso irresistível, como Astaire tantas e tantas vezes foi. Nick, porém, não saca as mulheres. É um tremendo machista. Nos seus filmes, Astaire sempre acaba fazendo as pazes com seus pares através de suas lindas danças. E quanto a Gibson, um novato no gênero romântico engraçadinho, qual será sua estratégia?

Bom, aí começam os poréns do filme. Do Que as Mulheres Gostam foi criticado aqui na Grã-Bretanha e eu entendo o porquê: ele promete muito mais do que oferece. É uma grande propaganda. É, aliás, um filme sobre publicitários numa agência de propaganda que naturalmente se converte apenas numa embalagem. Mel Gibson parece se divertir enormemente fazendo seu papel (o que é bom), mas nunca vai muito além de suas referências a Astaire, a Sinatra, a Sean Connery e ao próprio Mel Gibson. Ele parece precisar de muletas o tempo todo para "inspirar" romance. Às vezes, a magia de Sinatra é usada de uma forma meio excessiva, mesmo para um fã como eu. Em determinado momento do filme parece que em cada lugar TEM que ter uma música dele, como uma rede de segurança para trapezistas. Gibson cai na rede, ela fura e ele se machuca.

Um especialista em trapézios poderia lembrar que Nick Marshall "descobre" as mulheres porque, por um golpe do acaso, passa a poder ouví-las pensando. Essa é toda a idéia do filme: um homem, um machão, podendo ouvir as mulheres pensando que ele é um babaca. OK, divertidíssimo. Mas muito direto. Toda a sedução do filme passa a recair automaticamente sobre os atores. Sobre os sorrisos, sobre a embalagem. E eu não acho que Gibson responda bem ao desafio (muito menos a insípida Helen Hunt). Em contrapartida, a diretora capricha no visual: tudo é tão maquiado, o apartamento de Gibson é perfeito, Hunt é tão a mulher moderna perfeitinha, e Nick Marshall sempre, sempre, sempre veste as mesmas roupas escuras que lhe caem tão bem. Aliás, bobeou ele usa a mesma camisa o filme inteiro.

Em outras palavras, eu aconselho você a ver uns bons filmes do passado para lembrar como é que é quando o ator é charmoso, a atriz é gostosa, o charme é natural e a história é simples e ainda assim, sustenta. Porque neste filme aqui tudo, enfim, acaba sendo como uma propaganda da Nike para mulheres com a narração em off do Gibson. Não é horrível. Não, nunca, jamais, pelo menos para mim, que prezo os filmes pela alegria que eles me trazem. E este filme me fez suspirar em alguns momentos nostálgicos. Ah, e é claro que Do Que as Mulheres Gostam é ainda melhor se você é do sexo feminino. Mas não por causa de sua essência feminista... É, tenho que admitir que o Mel Gibson não envelhece. Em tempo, garotos: se você for levar sua namorada, garanto que dá para dar umas risadas. E aquele grito da Marisa Tomei, AMAZING.

Arcano9
Londres, 12/3/2001

 

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