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Quarta-feira, 30/6/2010
O To be or not to be do escritor
Fernando Lago

Afinal de contas, o que é mesmo ser escritor? Volta e meia deparo-me com esta inquietante questão que diante de tantas novas linguagens tem sido alvo de ferrenhas discussões. Há algumas cositas que não podemos deixar de levar em consideração.

A primeira é que nem todo escritor, necessariamente, publica por uma editora. Não dá pra deixar de considerar as novas linguagens. Calma! Não estou aqui dissertando sobre o fim do livro de papel ou sobre a banalização da arte. Só quero dizer que escritores nascem em todos os lugares. Em Ilhéus, em Itabira, em Caratinga, em Taperoá e, quem sabe, em Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia. Lugares em que o olhar editorial passa despercebido por muitos sujeitos que têm realmente muito talento. A solução encontrada por muitos destes, incluindo-me modestamente, é divulgar o seu trabalho através de blogs e sites de relacionamento que reúnem pessoas que gostam de ler e escrever. Obviamente que a maioria entra alimentando a esperança de que alguém se interessará pelo seu trabalho e o divulgará, havendo a possibilidade de alcançar olhares realmente interessados em ajudar a chegar à tão sonhada publicação. Alguns outros não são tão românticos.

Depois que entrei na universidade peguei o "mau" costume de sempre sair do lugar-comum para exemplificar as coisas. Saiamos então do lugar comum da escrita para dar um exemplo em outra área, mas que ilustra muito bem o que quero dizer.

As pessoas que aprendem a tocar um instrumento, ou começam a cantar com os amigos em festas e rodinhas, não necessariamente ambicionam a profissionalização da sua arte. Em geral se começa a desenvolver a arte por gosto, por amor ou por simplesmente passar o tempo. Quando a pessoa começa a envolver-se na atividade, a desenvolvê-la melhor e a receber elogios fundamentados sobre sua música, começa a acreditar que sabe fazer aquilo mesmo e aí, acredito eu, é que vem o desejo de profissionalizar-se e constituir uma carreira nesta atividade. Se posso ganhar dinheiro com o que faço de melhor e que amo fazer, por que não? O sonho de todo músico que acredita no seu talento é gravar um CD, óbvio. O CD, hoje em dia, ainda significa muito para o artista. No entanto, quantos e quantos artistas excepcionais, mas despossuídos de dinheiro e de apoio divulgam seu trabalho pelos diferentes espaços virtuais? Deixam de ser músicos pela falta do CD gravado? Não deixam.

Em contrapartida, quantos e quantos não-músicos guarnecidos monetariamente, ou apoiados por gente interessada no trabalho não-musical por trás da "música" que fazem, conseguem lançar CDs muito bem produzidos e vender muitas cópias pela qualidade da produção! Põe um cara desses num palco - perdoem-me a subjetividade aqui - e ele não consegue mostrar o mesmo "talento" exibido no CD, porque foi um trabalho muito mais do produtor do que do próprio artista. Aí entraríamos também em outras discussões relacionadas à comercialização da cultura, a mercadorização da música empregada pelas gravadoras e à proliferação de CDs independentes de muitas bandas que tentam se libertar desta lógica. Mas não falemos nisso agora.

Voltemos ao livro, com o que ocorre basicamente a mesma coisa. Muitos escritores sem apoio ou sem dinheiro, mas com vontade de divulgar seu trabalho, acabam recorrendo a esta nova "técnica" de divulgar pela internet. Importante afirmar que não estou defendendo aqui que os blogueiros são a Nova Literatura e que um dia os livros vão acabar e que tudo será feito através dos blogs, da internet etc e tal. O que quero dizer é que o escritor é escritor antes da sua "glória". Antes de ser reconhecido pela crítica e pelo público maior, ele já é artista, pois já produz sua arte. Notem que estou falando de escritores, não de coletores de frases bonitas. Há uma diferença muito grande. Divulgar textos, frases, poesias dos clássicos e piadas de loira não é ser escritor, mas leitor ou, no máximo re-leitor. No entanto, o blog é livre, pode-se fazer o que quiser e ser o que quiser nele, inclusive escritor.

A segunda cosita que gostaria de ressaltar sobre essa questão do to be or not to be do escritor é que nem todo aquele que publica por uma editora, mesmo sendo das mais famosas no âmbito editorial brasileiro, é necessariamente escritor. Livros de receitas de cozinha e de como ganhar jogos de futebol, ou como agradar ao seu parceiro(a) ou ao seu patrão existem aos montes nas vitrines da livraria. Aí encontramos o nosso elemento em comum com a música, como citei acima. CDs gravados por não-músicos; livros publicados por "não-escritores".

Mesmo os vendidos como escritores literários muito tem se preocupado com estorietas superficiais, não tendo o elemento principal da literatura - como de toda a arte em si - que é transcender o entretenimento e mexer com a cabeça da pessoa - ou com o coração, se preferem que eu use a metáfora mais antiga do mundo. Quando comecei a rabiscar minhas primeiras letras no papel - computador ainda era luxo pra mim (e isso não faz nem oito anos!), minha ambição era chegar um dia à Academia Brasileira de Letras. Hoje já não a mantenho. Não por ter desistido de ser escritor, mas por perceber, através de alguns que estão lá e através de alguns gênios que não estão e provavelmente nunca estarão, que entrar para a ABL não significa necessariamente ser bom escritor. Prefiro mil vezes os blogs de algumas "crianças" da minha região do que toda a coleção de alguns veteranões que estão por lá.

Estou sendo - repito - extremamente subjetivo aqui. Este é um texto de opinião, não científico. E minha opinião é que, para ser escritor, é preciso ter pelo menos estes três elementos: primeiro, escrever bem - não apenas no sentido de falar frases bonitas ou criar histórias que toquem o coração de alguém e promovam uma certa catarse moderna, mas no sentido também de dominar a escrita, de saber sintetizar em palavras escritas aquilo que muitas vezes a boca não diz; segundo, ter domínio sobre sua criação - segundo Ernst Fischer "o artista não é possuído pela besta fera, mas doma-a". Escrever é uma arte e deve ser uma ação pensada. Por fim, ter público - segundo Machado de Assis "não há espetáculo sem plateia". A plateia do escritor pode ser tanto os leitores da "Grande Editora Tal", como os "seguidores" do seu blog ou mesmo aquele punhado de gente a quem ele distribui os seus manuscritos, desde que ele tenha os dois primeiros elementos. Não dá pra catalogar qualquer um como escritor. E isso vale para aqueles com dezenas de livros publicados também.

Tenho dito; tenho escrito.

Nota do Editor
Fernando Lago mantém um blog pessoal.

Fernando Lago
Teixeira de Freitas, 30/6/2010

 

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