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Quinta-feira, 22/7/2010
O Aspirante a Corrupto
Carla Ceres

Estão abertas as inscrições para mais um Salão Internacional de Humor de Piracicaba (até o dia 03 de agosto). Trabalhos do mundo todo começam a chegar e a aparecer nos jornais. Em agosto haverá a cerimônia de abertura do evento, com a presença de artistas consagrados e belos prêmios em dinheiro.

É muita tristeza para meu frustrado coração! Anualmente acompanho as exposições e morro de vontade de participar. No entanto, vocação humorística e habilidade com traços e cores nem sempre se encontram. Daí ficam várias ideias flutuando sem forma, procurando alguém que as transforme em charge, cartum ou HQ. Alguns personagens chegam a importunar. O Aspirante a Corrupto é um deles. Vive me azucrinando. Também, quem mandou eu me meter com uma figura cujas semelhanças com a vida real são bem mais do que meras coincidências?

O Aspirante a Corrupto existe. Um exemplar mora na minha rua, dá aulas de dança conforme a música e bajula os vizinhos enquanto sonha com o poder. Não o simples poder como um fim. Nada disso. O poder como um meio. Poder para poder corromper-se. Num pós-maquiavelismo patético, o Aspirante a Corrupto tem consciência dos empecilhos que uma origem pobre, mas honesta, representam.

"Meu pai era honesto de dar nojo! Não roubava, não mentia e, ainda por cima, se recusava a lucrar com a omissão. Os bons gostavam dele, mas os bons são raros e pobres. Por isso que eu me tornei um aspirante a corrupto", contou durante um pileque, numa quermesse do bairro. Quem ouviu achou engraçado e deu corda para ver se o novo comediante se enforcava com um número de stand-up. Estraguei o show, convidando o orador para um café.

Sua história é semelhante à de muitos outros que vim a reconhecer depois. Aprendem a bajular na infância, mas uma ambição altiva os impede de satisfazer-se com pequenos favores, que lhes parecem esmola. Prefeririam roubar se soubessem fazê-lo sem ser pegos. Passam da subserviência à chantagem, quando descobrem algum segredo entre os coleguinhas. Com a perda de alguns dentes e o ganho de hematomas, concluem que a extorsão extrema dói também no chantagista e gera má fama. É preciso ser forte para sair impune.

Na adolescência, já sabem furtar(-se) com eficiência e se apaixonam por algum grande corrupto da política. Mais do que com os milhões em contas no exterior, encantam-se com a cara-de-pau, a desfaçatez, o charme do crime que compensa, a torpeza que "enobrece". Sonham com um título de eleitor para votar no rouba-mas-faz que tem ficha inexplicavelmente limpa.

Ao contrário do corrupto deputado Justo Veríssimo, personagem de Chico Anysio, o Aspirante a Corrupto ainda não chegou ao topo. Ainda não pode expressar seu desejo de que os pobres se explodam. Precisa conquistar o poder. Qualquer poderzinho serve. Corrupto pobre começa de baixo.

Ocorrem-lhe várias ideias de ocupações promissoras. Se fosse policial, teria uniforme de autoridade, seus inimigos tremeriam de medo, poderia cobrar propina, mas... seria arriscado. Se fosse informante da polícia, poderia ganhar dos dois lados, mas... precisaria entrar pro mundo do crime, ter ficha suja. Ser síndico, desviar dinheiro dos moradores, ganhar comissões nas obras até que era bom, mas... só em prédio de alto padrão, acima de suas posses. Predinhos vagabundos, cheios de gentalha, só rendem bate-boca.

A solução? Eleger-se vereador por um partido conivente e conveniente que exija poucos votos. Na primeira tentativa, convoca amigos e parentes, promete cargo de assessor a líderes comunitários, burla a lei distribuindo brindes... Quase consegue! Anima-se com o resultado e começa a preparar a próxima campanha. Sob extorsão e chantagem emocional, exige dinheiro de ex-amigos e parentes. Faz as pazes com inimigos. Cobra, de cada candidato a assessor, três salários adiantados como colaboração. Investe metade em brindes. Embolsa o restante.

Vencendo ou não, estará em apuros. Só pode empregar uns dois assessores e, para piorar, alguns candidatos já desconfiam do trambique e planejam tomar providências violentas.

Ontem ele esteve em casa, pedindo abrigo e dizendo que a culpa da confusão era minha porque eu sabia quem ele era e achava engraçado! A culpa era minha porque eu o reconhecia como um canalha patológico e não fazia nada para detê-lo! Fiquei furiosa, mandei-o embora, mas fiquei pensando. De certa forma, ele tem razão, um tipo de razão tortuosa que só os manipuladores sabem ter. Eu compreendia bem demais seu impulso de roubar, enganar e tripudiar sobre as vítimas. Eu achava graça em suas pequenas torpezas e golpes frustrados. Do alto de uma suposta invulnerabilidade, eu o julgava inofensivo. Acontece que ele estava aprendendo. Todo aspirante aprende um dia.

Assim sendo, na qualidade de ex-amiga que só admite violência gráfica, ajo em legítima defesa. Venho aqui doar esse Aspirante a Corrupto aos cartunistas que ainda estiverem sem inspiração para o Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Quem quiser pode usá-lo. Divirtam-se! Eu mesma faria o serviço se existisse a categoria texto.

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros.

Carla Ceres
Piracicaba, 22/7/2010

 

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