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Sexta-feira, 20/8/2010
Sobre o preço dos livros 1/2
Rafael Rodrigues


Ilustra: o urso azul

Tempos atrás escrevi um texto dando dicas sobre como economizar na compra de livros, mas não cheguei a comentar a questão do preço das obras de um modo mais detalhado ― ou, melhor dizendo, não falei sobre os bastidores do comércio literário. Como volta e meia aparece alguém falando que livro no Brasil é caro, resolvi abordar novamente este tema. Ainda mais agora, com novos leitores digitais aparecendo mundo afora, inclusive no Brasil, e com a expansão do mercado de e-books.

Mas antes de iniciar o texto propriamente dito, um aviso: nem todas as informações contidas aqui estão 100% corretas. Tudo o que está escrito aqui se baseia em experiências pessoais. Trabalhei durante algum tempo em livraria, converso bastante com amigos sobre o assunto e, além disso, recentemente fiz um orçamento para a impressão de um livro. É claro que preços variam de lugar para lugar, mas acredito que a discrepância não seja tão grande. Leitores mais familiarizados com o assunto ou até mesmo profissionais da área editorial que quiserem apontar erros ou mesmo fazer observações ao texto, fiquem à vontade para usar a caixa de comentários.

* * *

O preço de custo de um livro com cerca de 150 páginas pode chegar a ser até 5 reais, na hipótese de uma tiragem de 1000 exemplares. Sim, 5 reais. Isso depende da gráfica onde será impressa a obra, no caso de você ser um autor independente. Para as editoras, o preço de custo pode ser um pouco maior. Um título da CosacNaify, por exemplo, com certeza custaria mais que isso. Mas um pocket da L&PM pode custar bem menos. Depende muito da tiragem, do tipo de edição, do trabalho que envolveu a edição da obra. Foi feita uma nova tradução? A capa é dura? Um grande autor escreveu a orelha? Foi necessário contratar especialistas para fazer uma revisão técnica do livro, além da revisão textual? Tudo isso gera maiores gastos. Portanto, vamos trabalhar com um valor médio de 10 reais.

Digamos que você encontre esse livro que custou 10 reais para a editora por R$ 40,00 nas livrarias. Melhor dizendo: 40 reais é o preço de tabela do livro. Mas por que ele chega com esse preço às lojas?

Antes disso, precisamos saber de que tipo de obra estamos falando. Afinal, dependendo do livro, ele pode vender bem ou ficar encalhado. A primeira edição pode ter uma tiragem de 3.000 exemplares ou de 10.000, por exemplo. Se o autor for bastante conhecido e tiver venda certa, como um J.M. Coetzee, a editora pode fazer uma tiragem de 5 mil exemplares e colocar o preço lá em cima. Mas se o livro é um daqueles sucessos da área de autoajuda, geralmente a tiragem é grande, mas o preço não vai além dos R$ 19,90.

Então, eis o perfil do nosso livro: um autor estrangeiro de relativo prestígio, mas num grau inferior a Coetzee. A tiragem será de 5 mil exemplares, porque o tal autor tem seus leitores fieis no Brasil. Mas o preço terá de ser menor, porque, afinal, ele não é um Coetzee. O livro do tal autor custará 35 reais. Este é um exemplo totalmente arbitrário, não estou me baseando em nenhum autor. Na verdade, acho bem difícil ― mas muito difícil, mesmo ― um escritor estrangeiro ter um novo livro publicado com tiragem de 5 mil exemplares. Mas enfim.

Recapitulando: o preço de custo para a editora é 10 reais. O preço de tabela do livro é 35 reais. Desse valor, 40% é da Livraria, 15% é do Distribuidor, 10% é do Autor (coitado!) e fica sobrando 35% do montante, que é justamente o que vai para a Editora. 35% de 35 reais é R$ 12,25. Ou seja: se o livro custou 10 reais, a editora lucrou R$ 2,25 em cada exemplar. Multiplicando isso por 5 mil, temos R$ 61.250,00.

Lembrando que a editora precisa pagar capista, tradutor (já que estamos falando de uma obra estrangeira), preparador de texto, revisor, diagramador etc. Isso sem contar nos custos imprevistos, como um recall, por exemplo. Recentemente a Panini ― ok, estávamos falando de livros, mas não deixa de ser um exemplo ― precisou fazer um recall de um gibi. É o tipo de problema que quase não se vê, mas pode acontecer.

Sem contar que todo esse trabalho pode dar em nada. Ou seja: o livro pode ser um fracasso, vender muito pouco e não dar o retorno esperado para a empresa. Sim, empresa. Editoras de livros são empresas capitalistas que visam o lucro. Há editoras que fogem dessa regra, claro, mas são pequenas ou médias, e muitas vezes existem mais por capricho ou paixão de algumas pessoas do que por motivos comerciais. Não que no comando das grandes editoras não existam pessoas comprometidas em publicar bons livros, mas é preciso entender que, se os prejuízos forem rotina, a editora fechará as portas. Daí a importância dos best-sellers no mercado editorial. Porque são esses livros, os que vendem dezenas, centenas de milhares de exemplares, que sustentam verdadeiramente as empresas. Ou vocês acham que os livros do Philip Roth bancam a Companhia das Letras?

(Há também vendas feitas para o Governo, mas, sinceramente, prefiro não entrar nesse assunto, até porque não tenho o conhecimento necessário para isso.)

É bom deixar claro que não estou aqui defendendo com unhas e dentes o mercado editorial (se os livros fossem mais baratos, melhor pra mim, que sou consumidor). Mas um editor me contou mais ou menos como são feitos os cálculos dentro das editoras, e muitas vezes a conta não fecha ― ou seja, dá prejuízo. Tanto é que, nos últimos anos, o número de grandes conglomerados adquirindo editoras aumentou. Hoje, a editora Objetiva é de um grupo espanhol fortíssimo, por exemplo. Com a recente parceria entre a Companhia das Letras e a Penguin, especula-se que o grupo norte-americano pretende adquirir a editora brasileira daqui a algum tempo, coisa que a Companhia tem negado veementemente. Enfim, o que é preciso entender é que editoras não fazem caridade. E, além dos leitores/consumidores, quem mais precisa entender isso são os aspirantes a escritores. Se o seu livro, além de mal escrito, não tem potencial para vendas, me desculpe, mas é melhor você procurar alguma outra coisa para fazer. Ou se contentar em editar sua obra de forma independente, bancando os custos da publicação.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 20/8/2010

 

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