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Quinta-feira, 6/12/2001
Pecados
Mariana Fazzini

Era uma paixão daquelas avassaladoras, arrebatadoras, de querer cortar os pulsos com a corda no pescoço... pra garantir... Que não tinha hora, nem lugar, nem sentimento que contivesse, as trocas de olhares significativas que faziam querer mais, amar mais, sofrer mais, odiar muito... A negação dos defeitos e a partilha de uma sensação de não ter mais nada nesta vida que ainda tenha que acontecer porque você sabe que só se ama assim uma vez... Até que um dia o instinto de sobrevivência foi maior e a insuportável separação se tornou a única saída. A dor foi dando lugar à uma frustração tamanha só comparável às noites frias e à cama vazia, com a marca daquele corpo tão conhecido ainda nos lençóis...

E a vida passou, e o sofrimento se transformou em consolo amparado de lembranças e uma nova condição de amor surgiu, acalmando, acalentando. Amuderecer no amor é uma droga...

Mas um dia, de mãos dadas com o novo amor, o encontro adiado por tantos anos finalmente se deu. E foi tanta sacanagem da vida que eu tive a coragem necessária de olhar naqueles lindos olhos tão azuis, procurando um sinal de fumaça daquele amor que nunca morreu, o que me fez tremer toda, marcando vários pontos na escala Richter. O atual equivocado amor percebeu, o cumprimento que seguiu à apresentação foi uma série de grunhidos e uma pressa de ir embora me arrastando pra longe daqueles olhos...que me seguiram sem piscar enquanto eu controlava a vontade de voltar para olhar de novo naquela íris perturbadora...

Não comi, não durmi, não pisquei nem respirei mais naquele dia... O ex-novo amor já nem sabia mais como chamar minha atenção... Só conseguia era pensar naquele amor doido, naquelas pernas que me enlaçavam, naquele corpo que me envolvia, naquela voz que me enlouquecia, o sorriso de menino, as brigas que sempre acabavam no chão, na terra, no asfalto, na água, no fogo... Será que eu ainda estava lá, como ele ainda estava em mim? E aquela sensação de ainda ser dele, destruindo a minha convicção de que estava bem melhor longe... A ironia é justamente o conflito entre o melhor e o inevitável... Que lugar comum ferrado!!

A cama ficou pequena, o sono não vinha, o futuro ex-amor profundamente adormecido e a minha pele queimando... Levantei, desci as escadas da casa, a chave do carro, o maço de cigarro, a garrafa de cerveja, a noite sem lua...Tudo passava como nada na minha frente, eu completamente sonâmbula tentando aliviar o pensamento enquanto agia. A porta aberta devagar pra não fazer barulho, o carro empurrado até o fim da rua... hoje nem me lembro como fiz, só sei que aconteceu...

Rodei muito pela cidade antes de ir parar em frente a sua casa. Como num sonho, pisquei várias vezes pra ver se sumia aquela miragem... E abri e fechei a porta do maldito carro, que nem era meu, umas quinhentas vezes antes de me decidir sair... Fumei um maço de cigarro e voltei de novo pro carro... saí de novo... demorei uns quinze minutos pra trancar a porta pela décima vez... Droga!!! Atravessei o quintal, devagar, testando o chão...não podia e nem devia estar ali... O dia já ia nascer, o carro largado na rua, e se ele estiver com alguém, o que pode ter acontecido com o meu bom senso, isso não pode estar acontecendo, eu só posso estar louca...

Bati na porta. Abriu na hora, como se estivesse me esperando... Não disse nada, eu também não... Me puxou pra dentro, aqueles olhos me queimando, me roubando o ar, me trazendo de volta de onde nunca saí... nunca foi tão bom, nem tão perfeito, completo, a única vez em que não discordamos de nada...

Não trocamos nenhuma palavra... nem neste dia e nem nunca mais... Eu saí de lá completamente desnorteada, peguei o carro ainda tremendo, voltei pra casa... O desconhecido que encontrei me perguntou aonde fui e só pude dizer, estava sem sono...

Perdoe-me Pai, porque pequei... mas não seja muito gentil porque ainda não me arrependi... a culpa nunca veio...

E na minha trilha sonora ainda tem "I've got you under my skin"... e lindos olhos azuis...

Para ir além

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Mariana Fazzini
São Paulo, 6/12/2001

 

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