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Sexta-feira, 24/12/2010
A noite de Natal
Tatiana Mota

Vivemos os últimos dias de mais um ano, que encerra toda uma década. Natal e Ano Novo reservam emoções para a maioria. Uns se rendem a todos os comerciais melosos e armam o presépio, enquanto outros taxam o Espírito Natalino de hipócrita e não aguentam ouvir o "ho, ho, ho". Tocada por esses dias, as luzinhas pisca-pisca simplesmente iluminam meu ser e me coloco em estado de reflexão. O meu ser introspectivo se entrega a memórias e pensamentos sobre os natais que vivi e os que sonhei. Nas curvas da vida caí no hemisfério norte e vivemos nosso segundo Natal nevadamente branco, mas reverbera muito em minha memória o alvo dos flocos falsos que tanto admirei em meus natais tropicais, do brilho que tinha nos olhos ao pensar no nascimento de um ser tão especial e as luzes de Natal candangas cantadas por Renato Russo.

Em estado contemplativo comecei a observar meus colegas do curso de holandês. Tenho em minha sala um pedaço do planeta, pois vivem na capital holandesa 178 nacionalidades, é a cidade com mais nacionalidades no mundo. Era muito importante no começo encontrar algumas delas, quando me sentia um alien no novo país, mas podia me misturar à multidão multicultural de turistas ou moradores, europeus ou asiáticos, altos ou morenos. Passando esses últimos dias com os colegas nessa turma "nações unidas", me perguntei: haveria nessa época qualquer tipo de semelhança nas comemorações de Natal mundo afora?

A resposta começa com o país anfitrião da professora. Haverá uma pequena maratona para percorrer na época do Natal, com festas por até três dias, entre 25 e 27 de dezembro. Corajosos irão para a praia no Ano Novo, durante o dia, e nesse clima congelante darão um pulinho na água com roupa de banho e uma touquinha quente. Há também grande expectativa para patinar nos lagos congelados, o que ocorre após dias muito abaixo de zero, e somente em anos especiais. Toda hora vejo no jornal um senhorzinho medindo a espessura do gelo, dá medo dele cair, mas caso isso não ocorra e ele encontre o tamanho perfeito do gelo podemos ter a Elfstedentocht, uma corrida de patinação no gelo de 200 kilômetros em 11 cidades do norte holandês.

Os vizinhos alemães Sheila e Felix falaram que o misterioso Christkind vai deixar a eles um presentinho. Todo o mês de dezembro é natalino e famosas feiras de Natal e de arte são organizadas para comprar presentes especiais, tomar o doce vinho quente Glühwein e se deliciar com outras guloseimas. Os belgas, representados pelo Tomas, terão uma ceia sofisticada, com salmão, peru ou pato, em uma festa para toda família, incluindo até tias e cunhados, e os belgas de cultura francesa recebem a visita de Pere Noel.

Da Indonésia veio Dicky, e ele nos disse que lá o nome da festa é "Natal", como em português. Além das tradições de cada província, eles compram roupas novas, ceiam e há troca de presentes, o tukar kado. Já os colegas japoneses se admiram com a figura do pequeno Jesus na manjedoura, e quem está de olho nos pequenos é Hoteiosho, que tem até olhos nas costas para ver o que fazem as crianças.

Contou-nos a espanhola Sara sobre La Nochebuena, a noite do dia 24 com um grande jantar em família e missa para os religiosos. Já no Ano Novo todos engolem 12 uvas para ter um pouco de sorte em cada mês. O Dia de Reis é bem importante, são os reyes magos que presenteiam as pessoas. Assim também é para que o presente dos colegas italianos chegue, entregues pela bruxinha Befana no Dia de Reis. Dia 24 começa o ritual de Natal e à meia-noite a família se junta para preces junto ao Presipio.

Os ingleses que foram passar o Natal em casa podem ter a sorte de receber algo do Pai Natal, o bom velhinho inglês dos presentes. Músicas típicas da época são apreciadas e em algumas cidades há encenação de peças tradicionais da Idade Média. Na Polônia, a estrela de Bethlehem é a imagem mais marcante dessa época, a primeira estrela da véspera de Natal. Após sua aparição os familiares compartilham um waffle de arroz para depois iniciar uma ceia de 12 pratos, um para cada apóstolo. O homem estrela vem com seus ajudantes presentear as boas crianças.

Tenho certeza de que as casas das colegas norte-americanas estão lindamente decoradas para a noite de Natal, e a véspera da natividade inclui assistir a filmes como o clássico A felicidade não se compra. A Tiffany fica com seus pijamas no sofá, aconchegada com sua família e comendo os biscoitos decorados que ela adora preparar. E lá do Canadá surgem tradições semelhantes ao vizinho estadunidense com algumas particularidades. Em algumas cidades, mascarados batem à sua porta e você tem que adivinhar a identidade deles para que parem de te assustar.

Fico então com essa bela imagem de cada um desses natais, diferente aqui, semelhante ali, mas espero todos felizes. Quem sabe Jesus e outras figuras marcantes de cada crença estejam nos olhando nesses dias e nos enviando alguma luz para que possamos sorver com sabedoria os momentos de alegria e aprender bem as lições da tristeza no ano vindouro. Assim, com todos esses natais que já vi em minha vida ou na imaginação, vou revendo as três décadas das quais me lembro mais dessas noites especiais. A década que se encerra é especialmente marcante em nossa evolução tecnológica, mas infelizmente em descompasso com o ser moral. Meu maior desejo para o futuro é ver as maravilhas criadas por nós em harmonia com a terra e os demais seres que aqui vivem, incluindo outros seres humanos, diga-se. Foi assim que escrevi em minha cartinha, não deixando de incluir uma simples lista de presentes. Se o bom velhinho não cair da lareira com o peso do saco vermelho poderá mandar minhas esperanças a seus colegas de trabalho.

Quero desejar a todos um Natal e um Ano Novo muito maravilhoso e trago das três décadas em que mais vivi ecos que representam o espírito de cada época. Que possamos encontrar as pessoas certas para darmos nosso coração, que estejamos felizes mesmo comemorando o Natal com alguém que não conhecemos e que tenhamos muitas mensagens boas vindas de nossas redes sociais.

Tatiana Mota
Hilversum, 24/12/2010

 

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