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Sexta-feira, 29/10/2010
O petista relutante
Rafael Rodrigues

Fazia tempo que eu não me envolvia tanto com política. A última vez foi pouco depois que entrei na faculdade, quando inventei de participar do movimento estudantil. A ilusão de que, juntos, poderíamos mudar o mundo, ou de que o movimento estudantil tem bastante credibilidade, começou a acabar quando, ao pedir a palavra numa assembleia geral e propor nem lembro exatamente o que, uma garota ― do mesmo "partido" que eu, diga-se ―, que não deve ter escutado uma palavra do que eu disse, começou a gritar histericamente comigo.

Foi aí que comecei a ver no que estava me metendo.

Mas a ilusão acabou mesmo quando, numa outra assembleia, desta vez restrita a alunos do "meu" curso, inventaram de fazer uma votação para saber se seria feita uma votação para saber se seria necessário fazer uma determinada votação. Nesse dia, soltei um gracejo que deve fazer estremecer meio mundo de gente, mas que é só uma piada: "excesso de democracia dá nisso". E foi então que pulei fora da "militância".

(Tempos depois, ouvi uma frase ainda melhor, de um candidato a reitor da universidade: "movimento estudantil tem que ser um só: da sala para a biblioteca e da biblioteca para a sala". A frase é engraçada, mas o candidato não foi eleito, lógico.)

Na época, lá nos idos de 2002 para 2003, eu era petista. Não do tipo "roxo", mas talvez do tipo "chato". Com sete anos a menos de idade, eu não sabia muita coisa de política ― e ainda não sei, diga-se, ou sei muito pouco ―, mas isso não me impedia de discutir o assunto com colegas e amigos, argumentando sabe-se lá o quê.

Meu petismo durou até 2006, quando pipocaram as denúncias do mensalão. Nem mesmo depois de conhecida a origem do esquema ― que nasceu em Minas Gerais, uma criação do então senador Eduardo Azeredo, do PSDB ―, ou de saber que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez algo parecido para garantir a aprovação da emenda que possibilitou sua reeleição, pagando a políticos para votarem a favor dela, nem mesmo esses fatos me fizeram voltar atrás na minha decisão de refutar o rótulo de "petista".

A partir de então, passei a acompanhar o noticiário político de maneira um pouco mais distante, mas não a ponto de ficar alheio aos fatos mais importantes. A diferença é que, depois do mensalão, o PT, para mim, passou a ser um partido como todos os outros, e não mais "o" partido. Tanto que, na eleição de 2006, só votei no presidente Lula no segundo turno. No primeiro, meu voto foi para Cristovam Buarque.

Mas, como eu dizia, fazia tempo que eu não me envolvia tanto com política. O motivo, se é que não ficou explícito, foi a desilusão com nossos políticos e, principalmente, com o PT, partido ao qual tentei me filiar, sem sucesso, lá em 2002. Mas, se acabei me envolvendo ― até demais ― com estas eleições, se voltei a acompanhar de perto o noticiário e as campanhas ― me refiro à eleição presidencial ― foi porque vi na candidatura de Marina Silva uma terceira via, uma saída para a mesmice política que estamos vivendo há décadas. Não apenas escrevi, aqui mesmo no Digestivo, um texto apoiando sua candidatura, como também reativei meu endereço pessoal para publicar textos sobre a candidata.

Infelizmente, Marina Silva ficou no primeiro turno, apesar de ter conseguido um número expressivo de votos ― quase vinte milhões. Sua campanha foi limpa, conduzida de forma ética e sem ataques gratuitos ou desonestos aos outros candidatos. Marina Silva conseguiu fazer com que quase 20 milhões de brasileiros não tivessem vergonha de demonstrar a esperança que têm num Brasil melhor, numa maneira correta e íntegra de se fazer política.

O que Marina fez é realmente espantoso, ainda mais numa eleição presidencial que já vem sendo considerada a mais suja desde a eleição de 1989, entre Fernando Collor de Mello e Lula. Há quase vinte anos, o nível do "embate" entre esses dois candidatos é algo que até hoje faz muita gente ter calafrios. Além de fazer ataques pessoais ― e muitas vezes mentirosos ― a Lula, a campanha de Collor conseguiu com que, por exemplo, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ameaçasse "organizar uma campanha de saída de empresários do país caso Luis Inácio Lula da Silva, candidato do PT, chegasse à presidência" (Uma breve história do Brasil, de Mary Del Priore e Renato Venancio, página 290). Foi uma campanha baseada no medo, no terror, como vem sendo esta campanha ― por parte do PSDB e seu candidato, José Serra.

Tanto oficialmente, através de assessores, de membros do partido e do próprio candidato, quanto extra-oficialmente, através de blogs e veículos de imprensa que apoiam a candidatura do PSDB, a violência dos ataques é assustadora. Não há, é óbvio, santos na política, e a campanha do PT cometeu alguns deslizes. Mas nada comparado ao que vêm fazendo os psdbistas.

Houve de tudo. Desde descobertas como a de que José Serra e seu "companheiro" Aécio Neves mandaram produzir dossiês um contra o outro ― um fato que a imprensa "serrista" insiste em atribuir ao PT, de forma quase criminosa, por estar manipulando as informações ―, até a censura, solicitada pelo PSDB, de um veículo de informação ― a saber, a Revista do Brasil, que teve sua edição número 52, do mês de outubro, proibida de circular no país. O detalhe é que os tucanos vinham acusando o PT de querer controlar a imprensa. Um paradoxo que não tem tamanho.

É quase óbvio que, num segundo turno sem Marina Silva e com a presença do PT, um ex-petista, como eu, vote na candidatura do Partido dos Trabalhadores. Tomei essa decisão logo depois de ter sido sacramentado o segundo turno, mas não por absoluta convicção, e sim por falta de uma melhor opção. Nas últimas semanas, acompanhando o desenrolar das campanhas, decidi que era hora de acordar aquele petista que estava adormecido dentro de mim. Porque os ataques passaram a ser mais ferozes ― como este vídeo abominável produzido por militantes tucanos ―, e as mentiras se tornaram insuportáveis ― como o caso da bolinha de papel que atingiu o candidato José Serra, e que o seu vice, Indio da Costa, disse ser um objeto de pelo menos dois quilos, ou como a "notícia" de que Marina Silva estaria apoiando José Serra, invencionice desmentida pela própria ex-candidata. Mas, principalmente, porque o governo Lula deu maior atenção à população pobre deste país. Um governo verdadeiramente democrático não pode privilegiar uns poucos em detrimento da maioria. Deve cuidar de todos, priorizando aqueles que têm necessidades mais urgentes. Foi o que Lula fez. É o que o PSDB não sabe, nunca quis e não quer fazer.

A verdade é que, no fim das contas, e na minha opinião, estamos escolhendo o candidato "menos pior", neste segundo turno. A melhor opção para o Brasil, e isto está mais do que provado, ficou no primeiro turno, e ela atende pelo nome de Marina Silva. O engraçado ― na verdade, o trágico ― é que muita gente deixou de votar nela porque "ela não ia ganhar", como se disso ― do candidato sair vencedor ― dependesse o voto. Mas quem sabe agora o Brasil não aprende esta lição, de que não se vota em quem supostamente vai ganhar, mas em quem acreditamos que pode fazer algo de bom ― ou de melhor ― para o país? Quem sabe em 2014 Marina não volta para, espero eu, ser eleita já no primeiro turno?

Não quero envelhecer logo, até porque tenho muitos planos para os próximos anos, e quero degustá-los vagarosamente. Mas não vejo a hora de 2014 chegar. E não é pela Copa. É pela Marina.

Nota do autor
O título desta coluna foi inspirado no título do livro O fundamentalista relutante.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 29/10/2010

 

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