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Quinta-feira, 16/12/2010
Teste-se a si mesmo
Carla Ceres

Certo, você é uma pessoa culta, inteligente, com opinião formada a respeito de assuntos importantes. Pode-se até dizer que pensar é um de seus passatempos. Gosta de jogos de estratégia e raciocínio. Às vezes, até parece meio nerd, mas... Você pensa o que acha que pensa? (Jorge Zahar, 2010, 220 págs.).

Essa pergunta estranha é o título de um livro instigante escrito por Julian Baggini e Jeremy Stangroom. O subtítulo "um check-up filosófico" faz referência à bateria de "12 testes para você se conhecer melhor", como informa a capa. Sim, parece autoajuda, mas é filosofia de boa qualidade, com muito humor e irreverência.

Os autores fundaram a The Philosopher's Magazine, em cujo site você pode fazer essas atividades interativas em inglês, sem precisar adquirir o livro. Sua habilidade de leitura, no entanto, precisa estar próxima à do falante nativo, pois, seguindo a tradição do rigor filosófico, todas as palavras do teste devem ser interpretadas em seu sentido exato.

Sugestão: compre o livro, faça os testes e, se ficar viciado (isso acontece), vá ao site e divirta-se com as atividades inéditas em inglês mesmo. "Should you kill the fat man?" seria um bom recomeço. Nesse teste você decide se deve ou não usar um homem gordo para frear um trem desgovernado.

Politicamente incorreto? Sim! A maioria das atividades não visa obter de você respostas corretas, nem faz julgamentos morais a respeito de suas opiniões ou atitudes. Verifica-se apenas a coerência entre opiniões e atitudes. Você usa dois pesos e duas medidas? Na prática, sua teoria é outra? Pense bem antes de responder, tome seu tempo e mantenha o bom humor, pois a radicalidade filosófica, às vezes, irrita.

Basicamente os testes funcionam assim: fazem você afirmar algumas posições e depois verificam seu grau de coerência. Para fazer essa verificação, estendem sua afirmação ao máximo (quase ao absurdo) e medem até que ponto você se mantém fiel à ideia original. Surgem daí questões estapafúrdias, perturbadoras, angustiantes e divertidas do tipo: Quem é melhor artista, Shakespeare ou Britney Spears? É correto fazer sexo com um frango congelado? Matar é sempre errado? Existe um Deus bom e todo-poderoso?

A existência de Deus é tema de dois testes. Em "Monte o seu Deus", você escolhe os ingredientes de sua divindade e os "engenheiros metafísicos" fazem o possível para construí-la. Mais polêmico, "O Deus do Campo de Batalha" levou os autores a comentar que receberam "uma enxurrada de respostas de gente declarando que estávamos errados, que éramos tolos e malvados ou que merecíamos ir para o inferno."

Numa demonstração de bom senso, os autores começam pelas atividades menos controversas, ótimas para você pegar o jeito do jogo. Enquanto, no primeiro teste do livro, não há resposta certa porque busca estabelecer quais de suas opiniões só existem da boca pra fora, o mesmo não acontece no segundo, que visa determinar o quão lógico você é. A terceira atividade também pede respostas certas, baseadas em raciocínio lógico, mas é mais camarada: primeiro dá uma aulinha sobre lógica formal e, só depois, atira o leitor às feras.

Teste após teste, discutem-se temas como liberdade, ética, moral e arte. Para os nerds de carteirinha, recomendo o teste "Sobrevivendo". Os autores comentam: "Em versões on-line desta atividade, cerca de 60% dos participantes sobreviveram e 40% morreram. Porém (mais importante, talvez) que tipo de sobrevivência eles têm?"

É, você vai rever seus conceitos até a respeito da sobrevivência, depois de passar pelo teste e decidir se embarca em uma nave espacial, passa por um teletransporte, submete-se à ação de um vírus destruidor de memória, substitui partes de seu cérebro por chips de silício, opta pelo congelamento. O paradoxo chega ao ponto de você, talvez, preferir morrer para sobreviver.

Sobrevivi de modo bastante satisfatório, dadas as opções disponíveis e minha visão de mundo. Já estava até me sentindo razoável em filosofia, quando cheguei ao último teste: uma prova de conhecimento à moda antiga, sobre filósofos, suas vidas e obras. Resultado? Preciso reler O mundo de Sofia.

Agora que demonstrei o quanto o livro é legal, tenho um senão a admitir: ele exige uma certa paciência na hora de apurar os resultados de cada teste. Nada difícil se você seguir as instruções, mas leva um tempinho. É um livro que ficaria ótimo em versão digital, para se ler e resolver em um tablet que fizesse as contas por nós. Tomara que a editora Jorge Zahar pense no assunto. Enquanto isso, vamos respondendo a lápis e praticando matemática básica. Tudo a ver, afinal, filosofia e matemática são como mãe e filha que frequentemente se reúnem.

Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros.

Para ir além





Carla Ceres
Piracicaba, 16/12/2010

 

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