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Terça-feira, 21/12/2010
O que mata o prazer de ler?
Duanne Ribeiro

Recentemente, a imprensa divulgou resultados do Pisa, exame da Organização das Nações Desenvolvidas (OCDE) que avalia o estado da educação em vários países. O Brasil teve um rendimento superior em leitura nesse último exame em relação ao anterior, no que se refere à capacidade de compreensão e uso do texto. Entre as matérias, a maioria permaneceu nesse gênero de informação mais manchetável, embora o Pisa mapeie também a opinião do aluno sobre professores e aulas; registre que tipo de material é apresentado na aula e que recursos os estudantes têm em casa. Há um tópico particularmente interessante, que é o que pretendo tratar aqui: os hábitos de leitura. Na minha interpretação, os dados dizem que conseguimos estabelecer a obrigação de ler, mas passamos longe de mostrar que há prazer nisso.

O exame pesquisa alunos de 15 anos em uma amostra aleatória de escolas. No questionário sobre os hábitos de leitura, o Pisa apresenta afirmações sobre um tema e avalia graus de concordância. Por exemplo, à frase "fico feliz se recebo livros de presente", os alunos responderam: Discordo Totalmente (16.25%), Discordo (30.75%), Concordo (36.61%) e Concordo Totalmente (13.16%). O percentual que sobra abrange dados inválidos (3.24%). Os resultados positivos somam 49.77%; os negativos, 47%. Não é uma diferença extensa, e outros dados vão no mesmo sentido (veja os dados estatísticos em tabela).

"Eu gosto de trocar livros com meus amigos" teve 43.88% de afirmativas e 53.16% de negativas. "Gosto de ir a uma livraria ou biblioteca" coletou 51.31% contra 44.75%. "Ler é um dos meus hobbies favoritos" recebeu 46.71% contra 50.48%. Antes de ler a pesquisa, eu esperava por uma aversão maior. A dificuldade de leitura expressa pelos alunos também foi significativa: para "Eu não consigo parar e ler por mais de alguns minutos", 66.98% foram discordantes; já "Eu acho difícil terminar de ler livros" foi contrariada por 62.56%. O que se pode concluir a partir desses dados? Não parece estar no objeto-livro, no produto-livro ou na dificuldade-livro os motivos de aversão, ou pelo menos não são eles fatores tão fortes como se poderia pensar.

Os resultados são semelhantes aos encontrados em países desenvolvidos como Inglaterra e França, e, muitas vezes, são melhores (veja a tabela comparativa). Ou seja, não podemos culpar sem cautela o estado educacional do País pela proximidade pequena com a leitura.

A outra explicação mais imediata (dita mesmo por um ministro inglês) é a de que os alunos são absorvidos pelas internet. Uma matéria do Estadão perguntou: "Como deixar de lado todas as infinitas possibilidades que o mundo digital oferece e se dedicar a um livro, com suas centenas de páginas, cheias de palavras e letras inertes, exigindo concentração para serem decifradas?". O texto me parece, por um lado, focar demais a dificuldade que seria típica dos livros (e que vimos não ser o fator que determine sozinho os hábitos de leitura) e, por outro, não perceber que há na rede, também, literatura de alta qualidade, e que as novas mídias podem trazer incentivo à leitura e sabor a livros, às revistas e jornais.

A matéria traz em si, ainda, o próprio veneno que pretende combater. "O que perdeu espaço na vida dos jovens não é o hábito de ler, mas a leitura formal que os livros, por exemplo, oferecem", diz a repórter. Nesse "leitura formal" está, penso, o maior dos problemas.

Quero ler os clássicos no meu tempo

"Pode até soar estranho eu, uma estudante de Estudos Literários, admitindo isso: morro de medo de literatura. Sim, literatura assusta. (...) Eu tenho medo de James Joyce. Eu tenho medo de Ulisses. Tenho medo porque ainda não me acho preparada para conhecer. Queria poder passear pelos clássicos dentro do meu tempo". O trecho é citado de "Quem tem medo de literatura?", escrito por Layse Moraes. Se queremos saber o porquê da distância que há entre os alunos e a leitura, embora não haja uma aversão absoluta por ler, receber livros e ir a livrarias - se queremos uma resposta, eu creio que esse texto traz parte dela.

"Está pra existir uma coisa nesse mundo mais ridícula do que a literatura que é empurrada goela a baixo. Não gosto. Nunca gostei. Quando estava no colegial, invertia a ordem dos livros lidos só para não ler quando o professor pedia", diz a autora. A sensação flagrante é a de que um livro, a literatura mesma, é algo obrigatório, empurrado, como corridas matinais ou remédios insossos. Layse não é a única; sua experiência encontra eco nos resultados do Pisa. Foi feita a pergunta: "quanto tempo você gasta em leitura por prazer?" e as respostas são entristecedoras: 21.25% nunca leem por prazer; 38.57%, por 30 minutos ou menos em um dia; e 19.80% até uma hora/dia. São 79.62%.

À pergunta: "Quando você visita uma biblioteca, quantas vezes lê um livro por diversão?", 29.43% disseram nunca e, 36.11%, uma vez por mês ou bem menos que isso. Esses dados não são indicativos que a ideia que se faz do que é a leitura é o que emperra a aproximação dos alunos com os livros? Comparar duas outras estatísticas reforça essa conclusão. Ainda quanto aos hábitos referentes a bibliotecas, se perguntou quantas vezes emprestavam livros por prazer; e, noutro tópico, para trabalhos de escola. Vamos colocar lado a lado os dados: 34.37% nunca emprestam por prazer, contra 19.99% para trabalho. Nos outros níveis (uma vez por mês ou menos, várias vezes no mês ou semana), os resultados são equilibrados, mas sempre com vitória das pesquisas escolares.

Creio que se pode afirmar o seguinte: a escola consegue por livros no caminho dos alunos, mas não consegue criar leitores. Consegue convencê-los do status do leitor, da importância ou utilidade da leitura, porém não consegue mostrar que há prazer nisso. Outra matéria do Estadão trata da responsabilidade dos pais na questão, mas eu penso que poderíamos fazer mais mudando o modo como os colégios encaram o ensino de literatura. Apresentar livros e escritores em períodos cerrados de tempo funciona? Oferecer a mesma lista de autores (só que com capas moderninhas) é uma boa estratégia? O que é melhor? Que alguém se torne leitor através de Stephen King, Neil Gaiman e Terry Pratchett ou que nunca mais toque em um volume após terem lhe empurrado um Machado de Assis à força?

O que me tornou um leitor foram histórias em quadrinhos. Super-heróis, Marvel e DC, e foi porque eu gostava de ler o Batman que cheguei a procurar o tempo perdido com o Proust. Uma professora minha foi importante nesse sentido. O nome dela era Ediná. De tempo em tempo, ela juntava livros de todo tipo e colocava em umas mesas na sala; e não havia aula, e ninguém lhe dizia o que você tinha de ler ou se tinha de ler. Ela trazia uma coleção sua de Asterix, que eu li uma edição atrás da outra, e me deu O Menino no Espelho, do Fernando Sabino. A liberdade de escolha ajudou a me formar como leitor. Só posso agradecer.

Duanne Ribeiro
São Paulo, 21/12/2010

 

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