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Terça-feira, 18/12/2001
Estação da Luz
Rafael Lima

Chegou o verão. Eu sei que, pelo giro da Terra, e oficialmente, o verão só começa daqui há alguns dias, mas qualquer um que more no Rio sabe que o ano se divide em quatro estações: primavera, verão, inverno e inferno. E como o inferno ainda não começou, essa é a hora boa de aproveitar o verão. Que daqui a pouco não vai dar mais para saber se o dia está insuportável por causa da canícula ou da música irritante que toca sem parar nos alto-falantes dos carros engarrafados a caminho da praia.
Chegou o verão, gente. Está na hora de fingir que a gente se preocupou com a qualidade da água do mar antes de sair correndo para dar o mergulho, e fingir que se preocupou mais com o FPS do filtro do que com o bronzeado da pele, apesar da hepatite e do câncer de pele. De mal acreditar que ainda é dia claro às 7 horas (da noite?), e largar tudo para uma voltinha no calçadão, ou mesmo um pulo na praia. De se inteirar das novas gírias, aprender as novas danças, provar os novos drinks gelados; de descobrir as últimas novidades em serviços & produtos que inventaram de vender na areia (entre as mais recentes, massagem shiatsu e queijo coalho assado); de ficar na praia o sábado inteiro, e de noite voltar para conferir o luau que está rolando. De ser frívolo, fútil e fácil.
É verão, quando a insistente máscara de elegância européia que teima em vestir os trópicos cai de podre. Ninguém em sã consciência vai manter a preocupação de chegar no fim do dia arrumado, penteado ou... seco. Porque aí está o suor, unificando a todos, e na escassez de roupas que aparece a verdadeira elegância (além das vantagens de se ver mulher em traje de banho). É hora das revistas publicarem aqueles especiais temáticos absolutamente iguais sobre verão, com uma garota sarada na capa, halteres às mãos, malhando numa academia com um body colorido. A reportagem indicará quais boates vão encher, qual trecho da praia será o mais movimentado e qual fruta cítrica será a base de sucos, batidas e saladas, denunciando aos olhos mal treinados uma impressionante falta de assunto dos editores, quando, na verdade, é o necessário 3x4 do período mais expressivo do ano, tido por muitos como o mais autêntico - aquele no qual o país mostra sua verdadeira cara - e por outros, como a maior desgraça da nação ("Para esse país andar pra frente tinha que acabar com carnaval, futebol e cerveja!").
E bom filtro solar FPS 30 para vocês.

Xô, shopping
Um shopping carioca, naquele bairro onde os prédios parecem discos voadores, os out-doors abusam da capacidade de agregar palavras estrangeiras à nossa língua e o intimismo se perdeu procurando uma esquina, está veiculando uma propaganda na Tv onde promete presentear com uma camiseta "personalizada" qualquer compra acima de não-sei-quanto. O "design" da camiseta é de Alexandre Hercovitch. Sem questionar o talento do jovem estilista, a promoção foi uma idéia de jerico: pedir para um paulista criar uma camiseta, com motivos temáticos de verão, evidentemente relacionados à cidade maravilhosa - à qual o tal shopping vinculou sua imagem desde a abertura - quando o Rio sempre foi pródigo ninho de desenhistas de humor (o Salão Carioca de Humor da Laura Alvim é um dos mais importantes do país; tudo quanto é bloco carnavalesco da cidade tem camiseta própria desenhada por cartunista carioca) foi bola foríssima. Depois, quando se descobrir que os autores do samba-enredo campeão foram um par de compositores do Jabaquara, que as alegorias foram desenhadas por uma carnavalesca de Londrina, e que as fantasias foram feitas por um curitibano, não me venham reclamar.

Comigo não, violão
O livro novo do Sérgio Augusto, Lado B, tem um ensaio de abertura com potencial para levantar um bocado de poeira. Fundamentalmente, o ensaio diz que o Plano Real foi ruim para a MPB porque ao democratizar o acesso das classes sociais mais baixas ao consumo de CDs, abaixou a qualidade média das músicas lançadas pelas gravadoras. Esse problema de cegueira e do imediatismo das gravadoras, que as faz pensar apenas em termos de vendagem na maior fatia de mercado, ignorando a fidelidade e permanência de consumidores de segmentos menores, também foi abordado pelo Ruy Castro no recém-lançado A onda que se ergueu no mar. Sérgio Augusto limitou-se a relatar e concatenar os fatos; não deve-se cair na tentação de extrapolar suas afirmações, como ocorreu em recente programa televisivo: "uma recessãozinha caía muito bem", nem como ironia. Ecoa também nessas horas aquela referência de que a música composta durante o período militar era superior à do período democrático subseqüente, como se censura fosse fertilizante da imaginação - quando o que acontece é que em períodos de menor liberdade de expressão sobra para os artistas fazer o protesto que em sociedades democráticas é tarefa dos meios de comunicação e organismos da sociedade civil organizada.
Nas entrevistas, Sérgio Augusto tem afirmado que o livro é sua tentativa de "democratizar o elitismo", iniciativa louvável e até subversiva de distribuir biscoito fino em tempos de massa mal misturada, mas ele se trai ao resvalar no elitismo, que o impede de enxergar por trás da explosão de consumo dos CDs a inacreditável democratização dos meios hoje, quando uma banda de garagem consegue alugar um estúdio e gravar seu CD, um escritor pode enviar suas obras por e-mail, e um animador pode expor curta-metragens em seu site. Que o conteúdo médio ainda não tenha alcançado a excelência exigida por Sérgio, é um questão de tempo e paciência para esperar a seleção natural atuar. Isso, obviamente, se o público consumidor mostrar que quer qualidade e se os meios de distribuição não forem engolidos pelo monopólio das mega-fusões antes...
Lado B :::: Sérgio Augusto, Editora Record, 2001
A onda que se ergueu no mar :::: Ruy Castro, Cia das Letras, 2001


Laerte ruuuulez!!!
laerte on blogs


If I was a work of art

Composição A

Se eu fosse um quadro, eu seria a Composição A de Piet Mondrian.

Eu sou rigidamente organizado e metódico, embora minha aparência exterior fria e distante esconda um modo de pensar brilhante e uma natureza inovadora. Muitas pessoas não me entendem, mas eu ainda posso afetá-las em nível emocional.

Qual trabalho de arte você seria?
The Art Test


Rafael Lima
Rio de Janeiro, 18/12/2001

 

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