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Segunda-feira, 14/3/2011
Preconceitos
Daniel Bushatsky


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Naquele dia acordou receosa. Fazia dias que seu marido e filhos (dois, belos e crescidos) vinham insistindo que ela fosse a uma espécie de clube.

O lugar era tão bom, que eles, estranhamente, não queriam se matricular também. Segundo eles, tinham muitos afazeres. Os filhos a levariam, claro, na primeira vez. Os papéis haviam se invertido desde que eles casaram: faziam tudo o que podiam para ela não se sentir sozinha e desamparada, ainda mais depois da pseudo depressão que inventara para chamar atenção, nas palavras do doutor.

O marido ainda trabalhava e, portanto, não podia dar atenção. A razão da vida dela, o que pautava seus dias, havia terminado com aqueles casamentos (in)esperados e precipitados, na sua opinião, e no mesmo ano, ainda por cima...

Arrumou-se. Pegou seu maiô, óculos de natação, roupa de ginástica, mas não se esqueceu de, antes, se maquiar. Não sabia como seria a concorrência! Somente iria para "malhar"? Seus filhos garantiram que não! O local era ótimo para arranjar novos amigos. Ela só sabia o significado da palavra do dicionário. Sua última grande amizade acabou após o casamento e mudança para a cidade grande.

O primogênito chamou. O mais novo complementou dizendo que estavam atrasados. Sempre estavam atrasados para acontecimentos importantes. Entraram no carro. Ela fez cara de choro e disse que não ia. Eles insistiram e garantiram que ficariam com ela durante a primeira aula. Era mentira, mas tudo bem. Valia o esforço deles.

O trânsito cooperou e chegaram em minutos. Dava, até, para ir andando. Quem sabe em um dia ensolarado, pensou ela. O prédio não era bonito. Faltava-lhe charme: cores e um estilo mais ousado talvez ajudassem. Tinha um aspecto comercial, nada que se parecesse com um clube. Onde estavam as árvores? E as crianças?

Subiu a rampa e foi orientada pelo porteiro, espontaneamente simpático, a procurar uma salinha à esquerda para matrícula. A primeira surpresa: não só não havia fila, como os atendentes quiseram saber exatamente o que ela procurava. A resposta, óbvia para ela, saiu com aspereza: "Fazer um esporte. Nadar três vezes por semana".

O atendente assimilou a aspereza e internalizou a aparente raiva da mulher: muitas chegavam assim. Explicou-lhe os planos que permitiam a natação, os grupos para aulas e a possibilidade de raia livre, ou seja, nadar sem aula. Depois, ofereceu-se para mostrar as instalações.

O prédio tinha vários andares: quadra poliesportiva, piscina aquecida, vestiário masculino e feminino, sauna e, também, um espaço para as moças venderem seus artesanatos. Ela, quando jovem, foi exímia costureira, quem sabe não faria um de seus famosos (para a família) pijamas.

Existiam, também, vários cartazes espalhados.

Metade deles descrevia passeios (caminhadas no campo, bicicleta e Disney) ou encontros (jantar beneficente, jogos de cartas e bazar), para grupos das mais diversas idades, focando, é verdade, nos mais idosos. Tudo tinha desconto para associados.

Os outros falavam da missão dos funcionários. Nada de lucro para os acionistas. O objetivo era fortalecer pessoas, famílias e comunidades.

Se a beleza do lugar fisicamente poderia ser questionada, ela começou a entender a missão logo no término da primeira aula de natação. O professor chamou os alunos para a reza da semana. De Cristo, só a esperança.

Acabado aquele primeiro dia, sozinha e esperando o filho primogênito já bem atrasado, se pegou pensando onde estavam os moços e os cristãos que a placa prometia. Não era um monopólio, então? Todos podiam ir. A bem da verdade nem questionaram a sua religião quando se matriculou e, por óbvio, "moço" ela não era.

Pensou novamente na missão daquele clube. Nada modesta, porém as iniciativas dos funcionários mostravam que não estavam de brincadeira quando a ordem era acolher e respeitar as diferenças. Lá estava o fortalecimento.

Já no carro rendeu-se. Chorou com saudades daquele lugar harmonioso que tanto resistiu a ir, em especial pelo nome que sugeria que só moços tivessem tal direito. Quantas desculpas não tinha inventado?

No dia seguinte já estava pronta para o lazer, não mais esporte, decidida e ansiosa para descobrir como funcionava a renovação do plano. A funcionária estranhou e perguntou: "já?". E explicou que, após a renovação, o plano ficava mais barato.

Ela nunca tinha visto isto. E pensou questionando. Não tinha taxas, serviços ou qualquer outra coisa para aumentar o valor indiretamente.

A funcionária adivinhando, falou: "Não, fica mais barato mesmo!".

E a mulher pensou: isto é que é fidelização, espere até minha vizinha saber!

Daniel Bushatsky
São Paulo, 14/3/2011

 

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