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Quarta-feira, 20/4/2011
O negócio (ainda) é rocão antigo
Luiz Rebinski Junior

Comecei a escutar música com doze anos. Até os vinte, não lembro de ter escutado nada que tivesse sido gravado depois de 1980. Dissequei o rock inglês dos anos 1960 e 70, era alucinado pelos caras que estiveram em Woodstock e pela psicodelia californiana de bandas como The Doors, Grateful Dead e Jefferson Airplane. Adorava a fase viajandona dos primeiros anos do Pink Floyd, com Syd Barrett à frente. Só depois percebi que Barrett era mais maluco do que gênio, mas por um bom período eu achei o contrário. O Pink Floyd pós-Barrett é muito melhor. Tudo o que importa na banda foi feito depois que eles saíram dos clubinhos de jazz e foram tocar para as massas, aí viram grandes. Havia as bandas menos conhecidas, como Blue Cheer, que sempre é lembrada como uma espécie de lado B dos anos 1960. O disco de estreia deles, Vincebus Eruptum, é pesado como o Led Zeppelin seria um ano depois, no debute de 1969. E ainda havia as duas bandas mais influentes do mundo ― Beatles e Stones ― que, sozinhas, monopolizam a atenção de qualquer piá pançudo que está começando a escutar música.

Mas o fato é que, depois de um longo período dedicado à velharia, fiquei meio cansado do rocão clássico. Então passei metade dos anos 1990 afinado com o que foi produzido pelos meus contemporâneos. Escutei tudo que pude dos 90, do grunge ao britpop. Me apaixonei por bandas como Smashing Pumpkins ― quase comi o disco duplo mais foda dos anos 1990, o imbatível Mellon collie and infinite sadness. Ainda hoje me penitencio por não ter encarado o Hollywood Rock de 1996, quando a banda tinha acabado de lançar seu melhor disco e tocou na mesma noite do The Cure.

Também me embrenhei na barulheira do Sonic Youth. Até hoje, meu álbum preferido da banda é dos 90: Washing Machine, aquele disco com dois carinhas com máquinas de lavar estampadas na camiseta, é a união perfeita do noise com o pop. Sim, sei que eles têm discos mais aclamados, que a crítica pegou Daydream Nation pra Cristo, e o elegeu a obra-prima da banda. Mas, para mim, Washing Machine continua insuperável.

No Brasil, a música viveu nos anos 1990 uma espécie de ressaca pós-80. Poucos vingaram, e um número menor ainda continua por aí. Ainda assim, confesso que tive boa vontade com as bandas do meu tempo de pós-adolescente, quando também fui mais a fundo na história musical brasileira, me embrenhando na fase áurea de Jorge Ben ― A tábua de esmeraldas, África Brasil e Samba esquema novo ―, descobrindo Cartola, Chico, Nelson Cavaquinho, Zé Ramalho, Raul Seixas, Walter Franco, etc.

Sempre lutei contra certo sentimento de nostalgia que, vez ou outra, se apoderava de mim. E nostalgia de um tempo que não se viveu, é uma coisa bem idiota. Cultuar um passado que não se conhece é uma forma de desprezar a própria existência. Então nunca quis me tornar aquele chato que em um churrasco solta frases como "hoje não tem mais música que preste", "antigamente é que se fazia música de verdade" e coisas do gênero, que denunciam não a preferência por uma música diferente, mas, na maioria dos casos, apenas a ignorância cega daquilo que é feito embaixo do seu nariz.

Então foi com um pouco de receio que dei o título para este texto. Há sempre a possibilidade de um leitor mais preguiçoso associar meu nome a um tipo de fã anacrônico de música. Bem, mas ser mal compreendido é um risco corriqueiro para quem está disposto a revelar suas limitadas preferências artísticas. Mas, ainda que meio enganoso, o título não é de todo mentiroso. Depois desse nariz-de-cera que cometi para dizer que sou uma pessoa aberta a novas experiências musicais, me sinto mais à vontade para admitir que depois do final dos anos 1970 a música nunca mais tocou a mesma nota.

Os dez anos que separam 1965 de 1975, provavelmente foram os mais férteis da história do rock (mas não só). Os artistas daquele período que hoje estão canonizados, gravaram a parte mais substancial de seu repertório nesses dez anos. Claro que esses artistas não pararam de fazer bons discos depois de 1975, mas talvez não fossem o que são se não houvesse esse período mágico em suas carreiras.

Bob Dylan, que em 2011 completa 70 anos, poderia desmentir minha tese de araque com dois ou três discos sensacionais gravados em 1989 (Oh Mercy) e 1997 (Time out of mind), longe o bastante dos anos 1970. O judeu fanhoso, apesar de ter passado por períodos de ostracismo, nunca esqueceu como se faz uma boa canção. Suas pérolas musicas e poéticas residem até mesmo em discos mais fracos. Mas, ainda assim, mesmo tendo um repertório fantástico, com quase mil músicas, Dylan, ainda que seja um artista genioso, que só toca o que quer, nunca poderá escapar do conteúdo que produziu em Highway 61 revisited, Blonde on Blonde, Bringing all it back home, Planet Waves e Blood on the tracks, álbuns gravados em sua juventude, a fase mais brilhante de sua carreira. Se o violão de Woody Guthrie era uma máquina de matar fascistas, o de Dylan não parou de produzir clássicos durante uma década.

Os anos de glória dos Stones também estão entre os anos 1960 e 70. Ainda que os anos de Londres ― quando a banda gravou bons discos e seu som se baseava mais no blues americano ― tenham rendido alguns clássicos que sobreviveriam a muitas décadas ― "Satisfaction", "Stoned", "Paint in Black", "Play with fire" e "Under my Thumb" são dessa leva ―, foi entre 1968 e 1974 que a banda concebeu seus clássicos. Uma sequência arrebatadora que começou no final dos anos 1960 com Beggars Banquet (1968) e Let it bleed (1969) e terminou na primeira metade dos anos 1970 com Sticky Fingers (1971), Exile on Main Street (1972), Goats head soup (1973) e It's only rock'n'roll (1974). Depois disso, bons álbuns vieram (Tattoo you e Black and blue são os meus preferidos), mas a fase genial tinha ficado para trás.

É claro que os Stones e Bob Dylan, sozinhos, não provam nada. Não podem, com suas carreiras, certificar uma década como a mais brilhante da história do rock. Mas os discos lançados entre 1960 e 1970 podem. Nesse período Jimi Hendrix lançou todos os seus álbuns, incluindo a estreia com Are you experienced (1967) e o magistral Electric Ladyland (1968), o Cream nasceu e morreu, os Doors e o Velvet Underground viraram imortais com suas estreias (1967), o Jefferson Airplane lançou Surrealistic Pillow (1967), os Kinks fizeram seus melhores álbuns, a The Band gravou Music from the big Pink (a mesma casa rosa em que gravaram os Basement Tapes com Dylan) , Van Morrison pirou com Astral Weeks (1968) e Neil Young dava início a uma carreira-solo espetacular ― Harvest veio na esteira de Everybody knows this is nowhere, tá bom assim?). O começo dos anos 1970 também deu o norte para dois estilos que se tornariam febre entre jovens décadas depois: o punk com os Stooges e o metal com o Black Sabbath. Mas há muito mais. O que falar dos discos que Bowie fez antes e depois de sua androginia? Joni Mitchell, Nick Drake, Lynyrd Skynyrd, Marvin Gaye, Pink Floyd, All Green, Yes, Rush, os anos 70 são uma mina de ouro musical que se mostra inesgotável a quem se propõe a escavá-la.

Mas, o mais incrível não é apenas a profusão de grandes artistas que tiveram seus momentos mais criativos nos anos 1970, mas o que essas bandas fizeram com as gerações que lhe sucederam. De certa forma, esses artistas eclipsaram as gerações seguintes, que não conseguiram criar uma música tão idiossincrática e poderosa quanto a de seus ídolos. E hoje, o que se valoriza e se espera não é mais um tipo de música que se pareça única, singular, mas um tipo de música que consiga se relacionar com o que foi feito no passado, que dialogue com a matriz. É como se a música de hoje estivesse em um patamar artístico inferior. E, o que é pior, parece que tanto o público quanto a crítica já se conformaram com isso.

O Led Zeppelin é uma das minhas bandas preferidas, apesar de não ser a número um em minha galeria. Mas, com certeza, foi a banda de rock mais perfeita de todos os tempos. Todos os seus integrantes eram fantásticos e a banda tinha uma sinergia que, depois da morte de Bonhan, nunca mais foi alcançada e o grupo se desfez. O Led foi uma coisa tão mágica, que até o mais cético dos céticos é levado a acreditar naquelas bobagens de astrologia e zodíaco que a banda fazia questão de disseminar, com aqueles símbolos que eles mesmos não sabiam direito o que representavam. Em menos de dez anos, o Led Zeppelin construiu um discografia comparável a dos Beatles. Não há um disco falho em sua trajetória. Presence e Coda, os discos menos comentados do grupo, são petardos bem acima da média, de qualquer média. Os seis primeiros discos do Led convertem qualquer piá, de qualquer parte do mundo, em um fã fervoroso de rock. Não há como escapar. Se o destino realmente ronda a vida, ele se materializou no Led Zeppelin. Depois do fim da banda, nenhum integrante conseguiu fazer algo que se aproximasse da relevância do Led, ainda que a carreira-solo de Robert Plant tenha bons momentos. A impressão que se tem é que rolou algo como "as pessoas certas no momento certo". Cada integrante tinha a mesma importância (Page&Plant tinham mais holofote, mas Jones&Bonhan estavam longe de serem apenas coadjuvantes), o que é bastante difícil de acontecer em uma banda de rock, onde a disputa por espaço quase sempre é selvagem.

Mas e depois dessa onda criativa, o que aconteceu com a música? Por que não há uma banda contemporânea com a força e a magia do Led Zeppelin? E essa situação não se restringe ao rock. Não sou grande conhecedor de jazz, mas sei que todos os mitos do gênero estão no passado. Até onde sei, não há um Charlei Parker no cenário. É claro que há boa música sendo feita, o Radiohead é um clássico contemporâneo, mas não me parece que vai conseguir alcançar a relevância de bandas de outrora. Os mais céticos costumam dizer que, na música, tudo já foi feito. Prefiro não acreditar nisso e achar que a criatividade está entre nós e um dia uma nova hecatombe musical vai ser deflagrada. Assim espero.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 20/4/2011

 

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