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Terça-feira, 24/5/2011
As redes sociais e a política
Wellington Machado

Até que ponto as redes sociais podem exercer um papel aglutinador e influenciar a vida política de uma comunidade, cidade ou país? Que tipo de transformações sociais está ocorrendo com a disseminação de mídias sociais como os fóruns online, o Twitter, o Facebook etc.? A polêmica ganhou força há algumas semanas quando dois estudiosos do assunto travaram um debate na revista Foreign Affairs.

De um lado está o professor de novas mídias da Universidade de Nova York, Clay Shirky, um ferrenho defensor da ideia de que as novas formas de comunicação instantânea podem afetar a vida social a ponto de afrontar ditadores. Segundo Shirky, a onda de protestos ocorridos nos últimos meses na África islâmica foram motivadas e organizadas pelas novas mídias.

Já o jornalista Malcolm Gladwell não compartilha com essa tese. Ele afirma que os últimos protestos no mundo árabe ocorreriam mesmo sem as facilidades tecnológicas de que dispomos. Um dos argumentos de Gladwell é o de que a internet gera mais um "ativismo de sofá" (muita teoria; pouca prática) do que levantes políticos. Ele acha que as redes não têm nenhuma influência nas revoltas, pois faz-se necessário apurar se há uma predisposição histórica da população em organizar esses movimentos, anterior à disseminação das redes sociais.

Há de se ressaltar as diferenças na abordagem do tema pelos dois autores. Clay Shirky tem a tecnologia (redes sociais, internet etc.) como objeto de pesquisa, digamos, em tempo integral. Em seu único livro publicado no Brasil, A cultura da participação — criatividade e generosidade no mundo conectado, o autor aborda as transformações sociais ocorridas com a disseminação do acesso à rede. Mostra como as pessoas podem usar o tempo livre para fazer algo de útil na rede, como publicar uma informação importante, dedicar-se a um trabalho humanitário, divertir-se ou até exercer o ativismo político.

Já Malcolm Gladewll é um jornalista que escreve sobre temas diversos e ocasionais — o que não o desqualifica para o debate. Ele é mais generalista. Autor de Fora de série, O ponto da virada e Blink — a decisão num piscar de olhos, o escritor e colaborador da New Yorker estuda os fenômenos sociais e suas coincidências. Seus livros têm uma "aura" de autoajuda e frequentemente são encontrados nas livrarias neste setor. Mas seus textos são mais profundos, encaixam-se mais em psicologia social. São uma espécie de "ensaios jornalísticos", sem rigor acadêmico. Gladwell escreve munindo-se de fatos, estatísticas e análises comportamentais. Tinha como admirador nada menos do que David Foster Wallace (1962-2008).

Desconsiderando o peso da "especialização no assunto" por parte de Clay Shirky, tendo a concordar com ele no sentido de que o estreitamento da comunicação vem exercendo um importante papel na movimentação e organização de grupos, com consequências políticas. As novas mídias vêm exercendo a função de organizar "guetos" por afinidades. E eles são tão numerosos (em muitos casos, pequenos) e atuam de forma tão ágil que torna-se difícil a sua percepção pela academia ou pelo governo. Mas são atuantes, haja vista a última manifestação a favor da construção da estação de metrô no bairro de Higienópolis, em São Paulo. O encontro foi tramado nas redes sociais.

A volatilidade desses grupos e a rápida evolução tecnológica dificultam até uma análise detida do fenômeno. Essa agilidade modificou nossa forma de agir politicamente. Se antes usava-se mimeógrafo na produção de panfletos clandestinos para convocar protestos, hoje temos a instantaneidade do Twitter.

Mas há um detalhe bem anterior ao foco de discussão entre Shirky e Gladwell que foi ignorado. Os atuais levantes nos países árabes, apesar de terem as redes sociais como um facilitador em sua organização, ocorreram por motivos históricos bem anteriores. O ponto crucial foi o advento da internet como consolidação do processo de globalização, desencadeado após a Segunda Guerra.

Na raiz das facilidades de organização nas redes sociais (hoje) está a troca de informações e de experiências proporcionadas pela internet (a partir dos anos 90). O Oriente "conheceu" o Ocidente, e vice-versa, de maneira muito mais profunda e quase que instantaneamente após o advento da rede mundial. A carga de informações sobre o Ocidente disponível (em fotos, notícias, vídeos) para o outro lado do mundo é agora infinita e de fácil acesso.

Um "choque de consciência" no mundo árabe tornou-se inevitável nesse fluxo de informações promovido pela internet - principalmente nos países produtores de petróleo, cujos governantes são milionários e a população, miserável. Há duas formas de percepção na gênese dos recentes protestos no Oriente: uma econômica; outra político-democrática.

Na esfera econômica, a percepção (via troca de informações na rede) de que a riqueza nos países ocidentais é distribuída para a população — ainda que de forma desigual e deficitária -, gerando riqueza material (saneamento básico, moradia, carros, alimentação farta, diversão etc.), põe em xeque o modelo centralizador dos "ditadores do petróleo". Independentemente da influência religiosa muçulmana - que vê quase como um pecado a progressão material individual no Ocidente -, é duro para a população sofrida desses países ver um Mubarak ou um Gaddafi se perpetuarem no poder com suas famílias, no conforto de um ar condicionado.

E no âmbito político, a população árabe começa a crer que esse negócio de democracia — tão demonizado pelos governos teocráticos - não é tão mau assim. A partir da troca de informações e de experiências entre os vários pontos do mundo, eles estão percebendo que, numerosos como são, se unidos podem tirar do trono puído a turma do ar condicionado e fazer girar o poder. Ao contrário do que afirma Gladwell, as redes sociais foram importantes na organização dos protestos como ferramenta, mas a gênese da "vontade de protesto" abriga o fluxo de informações proporcionado pela globalização e a tecnologia.

Se os levantes pululam pelos quatro cantos do mundo sem a devida repressão dos ditadores é porque está cada vez mais difícil interceptar o tráfego de informações nas inúmeras ramificações das redes sociais. Algumas ditaduras, como as do Irã e China, têm conseguido restringir o acesso à rede com relativo sucesso. Mas não sabemos até quando. Sou capaz de apostar no "drible tecnológico" contra as ditaduras. Exemplo disso é a blogueira cubana Yoani Sánchez, que ficou mundialmente famosa sob as barbas e bigodes dos irmãos Castro.

E podemos transcender o debate para alternativas futuras, com uma pitada de utopia. A internet pode ser uma importante aliada da democracia. Com o aperfeiçoamento tecnológico, principalmente em termos de segurança e identificação individual, podemos chegar mais perto do ideal de "democracia direta" da Grécia Antiga, onde cada indivíduo opinava sobre questões de interesse da polis. Podemos idealizar uma "sociedade online", com "arenas públicas digitais", realizando constantemente uma espécie de "plebiscito digital", onde os cidadãos pudessem participar de maneira mais ativa no debate político. Abriríamos, assim, um precedente para reduzirmos quem sabe o número de representantes no legislativo.

As redes sociais trouxeram novas formas de agremiação em pequenos grupos. A massificação padronizada está dando lugar a microssociedades com interesses diversos. De forma rápida, as pessoas combinam protestos/ações pela internet e se aglomeram no espaço público para reivindicar seus interesses, exercer ativismo político. Essa nova movimentação "subcutânea" de pequenos grupos requer novas formas de abordagem de estudo e consolida-se como matéria prima principalmente para a sociologia, psicologia e economia. Conciliar os múltiplos microinteresses em prol do "bem comum", ideal político por essência, talvez seja o grande desafio das sociedades.

Wellington Machado
Belo Horizonte, 24/5/2011

 

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