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Quinta-feira, 20/12/2001
O fim do teatro
Kátia Gomes

As dificuldades da profissão do ator e de seu universo ficaram um pouco mais nítidas com a série de discussões que sucederam o texto O teatro e o ator hoje. Não quero ser repetitiva, mas gostaria de acrescentar algo a que talvez os atores de plantão não sejam tão simpáticos.

Sou uma apaixonada por teatro, mas acredito que o seu desmerecimento, em constante crescimento nos últimos tempos, se deve também ao mau direcionamento profissional de alguns atores, e agora não estou falando daqueles globais tão execrados!

Eu explico: é óbvio que a profissão não é fácil, como qualquer outra, mas nem por isso se deve protagonizar o papel de vítima. Alguns atores me fazem questionar onde está o idealismo, o amor à arte quando se sujeitam a trabalhos, muitas vezes humilhantes, como propagandas e pegadinhas. É, ganhar dinheiro neste país não é fácil e uma segunda atividade que complemente a renda é sempre bem-vinda... Mas, precisa jogar a reputação fora? Ora, já cansei de ver ótimos atores de teatro em campanhas publicitárias nas quais até contracenam com aqueles galãs já mencionados. Quanto vale tudo isso? É melhor ganhar uns trocados “sentando no gelo” (como diria um amigo ator que não sucumbiu à ditadura da mídia) ao invés de manter sua dignidade e correr atrás do que realmente acredita?

Ou será que estou totalmente equivocada? Comerciais de escova de dente, papel higiênico ou sopinha se tornaram arte? É, acho que sim. Pois, já existe um nicho de profissionais especializados nessa categoria com agência de atores e tudo... Alguns chegam a fazer curso de ator só para poder participar de um teste para comerciais.

Também, quem não vai querer se expor na tevê no horário nobre, não é? Muitos trabalham anos a fio e não conseguem obter a mesma repercussão no teatro. Concluo que fazer teatro é fazer voto de pobreza. Ganha-se mal, patrocínio só implorando, não tem público que preencha a bilheteria... Vamos, então, decretar o fim da categoria!

Posso parecer intransigente com quem não agüenta ficar na fila de espera de um patrocínio enquanto a barriga ronca, afinal, sempre tem um caminho mais curto, mesmo que não seja o melhor... Mas se todos se renderem ao capitalismo o que vai ser do teatro? Acham mesmo, que esses atores mantém sua credibilidade e conseguem captar mais recursos e público para o teatro?

Atores que vivem para fazer e propagar a arte estão ficando cada vez mais escassos e essa minoria que resta leva sim uma vida sacrificada e merece todos os louros. Com recursos próprios a Confraria da Paixão, por exemplo, consegue desenvolver um trabalho simples e belíssimo de teatro de rua. Recentemente, eles apresentaram, no Sesc Consolação, “A Farsa do Rei que Virou Boi”, história de um poeta de cordel que sai pelo mundo à procura de seu boi perdido.

O que falta para grupos assim é mais divulgação e apoio institucional. É em prol de reconhecimento que devem concentrar todo esforço da categoria, mesmo que cada um faça sua parte mas que resulte positivamente para o todo. É preciso pensar de forma coletiva e não individualista que só faz aumentar a discriminação com o profissional de teatro, bem como a desigualdade entre atores de teatro e de tevê.

Kátia Gomes
São Paulo, 20/12/2001

 

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