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Segunda-feira, 15/8/2011
Nem cobra, nem aranha: peçonhenta é a burocracia
Adriana Baggio

Até o Google Maps diz que a gente pode passar por dentro do Instituto Butantan...

No início de agosto, participei de um congresso de Comunicação na Escola de Comunicação e Artes da USP. Faço doutorado na PUC em São Paulo e estou morando aqui, neste ano, para cursar as disciplinas. Até que ando bem pela cidade, mas prefiro usar o GPS para ir a alguns lugares, como a Cidade Universitária. O problema nem é chegar lá, mas se achar lá dentro.

Já que precisava usar o GPS para chegar à ECA, decidi seguir as orientações dele para o caminho todo. Peguei a Rebouças, cruzei a ponte sobre o rio Pinheiros, virei na Vital Brasil. Segui por ela até chegar à entrada do Instituto Butantan. O aparelhinho mandava entrar e seguir em frente. Supus o óbvio: havia uma passagem para a Cidade Universitária.

O portão estava aberto, não havia cancela, não havia nada impedindo minha entrada. Continuei pelo caminho que o GPS indicava, admirando a beleza do lugar, até chegar à saída. Já avistava, do outro lado, os prédios da USP. Desta vez, porém, a passagem não era livre: guarita, seguranças, cancelas.

As cancelas se levantaram para deixar passar uma moto e segui atrás dela. A barra desceu bruscamente e quase bateu no meu carro. Freei. Um segurança se aproximou: "a senhora não pode passar por aqui". Não entendi: podia entrar mas não podia sair? (Lembrei daquela história do doberman, o cachorro que não faz nada quando o ladrão entra na casa mas morde na saída.)

O segurança disse que aquela saída era apenas para quem tinha um cartão, ou seja, os funcionários. Expliquei que eu não sabia, que não havia placa nenhuma avisando isso, que eu era de fora, que o GPS tinha indicado aquele caminho. O segurança disse: "pois é, o GPS mostra esse caminho mesmo, um monte de gente se engana".

Nesse ponto, minha indignação atingiu os píncaros. Se isso acontece com frequência, por que cargas d'água não colocam uma placa na entrada do Instituto? Por que não colocam placas no acesso a essa saída? Não houve conversa. Não me deixaram passar para o lado da Cidade Universitária, apesar da veemência dos meus gritos protestos.

Poucas vezes na vida senti tanta raiva. Não tanto pelo fato de ter que dar uma volta de mais de 4 km, de ter que perder tempo em mais um engarrafamento de São Paulo. O pior mesmo foi a sensação de ser feita de palhaça.

Enviei um e-mail para a ouvidoria do Instituto. Reproduzo parte da resposta aqui (não coloquei tudo porque a primeira parte é uma explicação do ouvidor sobre o motivo - válido - de não estar presente na ouvidoria quando o procurei pessoalmente):

"Quanto ao fato de Vossa Senhoria não ter dito [tido?] a oportunidade de transladar os portões do Instituto Butantan rumo a USP a explicação oficial é muito simples:

Como aqui é um parque, ou seja uma área de visitação pública, inclusive com muitas crianças, não é intenção da Instituição ter um tráfego pesado de veículos, como a senhora mesmo disse, foram necessários mais 4 Km para chegar a USP,  portanto essa passagem é restrita a carros oficiais e de parte dos funcionários que recebem crachás autorizadores por sorteio.

Do lado da USP há uma placa indicando a proibição, aliás bem discreta.

Do nossa lado deveria haver uma, logo na entrada da rua ou a distância suficiente para que a pessoa interessada na passagem retorne.

Procurarei junto a direção que providencie essa placa, e já falei com a chefia da segurança tercerizada para que se oriente melhor seus funcionários."


Veja que, em nenhum momento, o Instituto Butantan, representado pelo seu ouvidor, se desculpa pelo que aconteceu. Há o reconhecimento da necessidade de avisos, mas pelo jeito isso não é considerado importante, já que essa necessidade existe faz tempo: os próprios seguranças assumem a recorrência dos enganos dos GPSs.

O motivo dado pelo ouvidor não me pareceu impeditivo de uma atitude de bom senso: eu claramente não estava me aproveitando do "atalho". Sotaque curitibano, placa de Curitiba, engano involuntário, raiva autêntica. Será que tudo isso não indicava o motivo para uma exceção?

Não me importa quantas vacinas façam, quantas cobras ou aranhas sejam abrigadas nesse lugar. A imagem que tenho do Instituto Butantan é a mesma que, infelizmente, tenho de outros órgãos públicos: falta de profissionalismo, falta de bom senso, falta de respeito pelos cidadãos, decisões tomadas com base em privilégios.

Acrescento à lista, ainda, a arrogância. A ausência de um pedido de desculpas parece mostrar que o Instituto não se considera equivocado em todo esse episódio. Cabe a nós, cidadãos e visitantes, correr o risco de sermos feitos de bobos quando, inadvertidamente, cruzamos os portões desta organização.

Para finalizar, uma dica construtiva: considerando a letalidade e a gravidade da burocracia, sugiro ao Instituto Butantan que aproveite seu know-how e desenvolva alguns tipos de antídoto para esse mal que assola nosso país. Matéria-prima é o que não lhe falta.

Adriana Baggio
Curitiba, 15/8/2011

 

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