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Terça-feira, 27/9/2011
11 de Setembro e a Era do Terror
Jardel Dias Cavalcanti

Ao contrário do que pregava o livro O fim da História, de Francis Fukuyama, teórico do neo-liberalismo da era Bush, a história não acabou. Fukuyama desenvolveu uma linha de abordagem da História, a fim de revigorar a teoria de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade.

Na sua ótica, após a destruição do fascismo e do socialismo, a humanidade teria atingido o máximo de sua evolução com a vitória dos ideais e da prática da democracia liberal ocidental. Se contrapondo ao capitalismo liberal, pingam ainda resquícios de nacionalismos (sem possibilidade de significarem um projeto para a humanidade) e o fundamentalismo islâmico (restrito ao Oriente e a países periféricos). Mas nada grave. Sendo assim, Fukuyama deduz que diante do fracasso do projeto socialista a democracia liberal ocidental tornou-se a solução para o governo humano, significando, nesse sentido, o "fim da história" da humanidade.

O ataque terrorista aos EUA no dia 11 de setembro de 2001 mostrou que os ideais de democracia e liberalismo Ocidental não são práticas tão fáceis de digestão por toda a humanidade.

No dia 11 de setembro de 2001, acordei bem cedo, como sempre, para pegar o jornal Folha de São Paulo na minha porta. A notícia da capa era aterradora para mim: o assassinato do prefeito de Campinas Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, na noite anterior. Corri imediatamente para o quarto e acordei minha mulher, que estava grávida, mostrando a notícia. Ela não acreditou, achou que devia ter sido outro pessoa assassinada e não o Toninho do PT. Vi lágrimas brotarem dos olhos da minha mulher, que chorou incontida. Toninho nos era uma pessoa cara, pela delicadeza e educação raras. Eu o conheci rapidamente na sua casa, onde cedia um espaço para os encontros da Associação dos Amigos da História da Arte, coordenada por Jorge Coli, professor de História da Arte da Unicamp.

Fui, em seguida, para a frente da TV em busca de notícias, enquanto minha mulher, totalmente abalada, se arrumava para ir para a escola dar suas aulas. Enquanto aguardava, vi o jornalista da Globo anunciar que um avião havia batido numa das torres do Word Trade Center. Imaginei que seria um acidente terrível, mas dentro de certa normalidade.

Fomos para o carro, para eu levá-la para o trabalho, e liguei o rádio ainda em busca de notícias sobre o assassinato do prefeito de Campinas. Fiquei sabendo que seu corpo estava sendo velado desde a noite anterior na Prefeitura. Estávamos em estado de choque com a notícia. Durante o percurso chega a notícia de que a segunda torre do Word Trade Center havia sido atingida por um outro avião. A notícia criava um descontentamento em mim, pois eu achava que ela iria abafar o noticiário sobre o assassinato de Toninho.

Não muito tempo depois, vem a notícia de que o Pentágono havia sido atacado. Pronto: enfiei na cabeça que algum país estava atacando os EUA. Imaginei imediatamente que se dava início à Terceira Guerra Mundial. Dentro de mim brigavam dois sentimentos em relação ao ataque: alegria, por colocar em xeque a arrogância militar do poder americano, com seus poderosos mísseis anti-aéreos; e outro sentimento, de que uma desgraça sem precedentes estava por vir, e justamente agora que eu estava colocando um filho no mundo. Ele nasceria numa época de transtornos...

Deixei minha mulher na escola e voltei correndo para poder acompanhar pela TV os fatos chocantes da manhã, tanto o assassinato do prefeito de Campinas como os ataques aos EUA. Duas tragédias despejadas sobre minha manhã, que eu pretendia calma, com a leitura do jornal e a redação da tese de doutorado ao longo do dia.

Com o ataque às Torres Gêmeas, a história se punha em movimento novamente, agora já com nova denominação: a era do terror. Descobertos os autores do atentado, passamos a conviver universalmente com a idéia do terrorismo. Não importa mais de onde você é, se simplesmente se predispor a entrar em um aeroporto internacional, com certeza poderá ser vítima casual de uma ação destruidora provocada por algum terrorista fanático. É o que sua mente registra a todo momento.

A história não só se pôs em movimento, como se tornou matéria essencial de estudo novamente. Para se poder conhecer as configurações do novo mundo que se apresentava após os ataques terroristas, fez-se necessário retomar a história da civilização, principalmente o desconhecido território onde a riqueza do petróleo convive com facções fundamentalistas da antiga religião islamita.

Nunca se editou tantos livros sobre os Islã e o Oriente, o que revela o sintoma de uma tentativa de se conhecer a civilização que se tornou a mais temida e odiada pelo mundo ocidental após o 11 de Setembro. Termo como Jihad (guerra empreendida a serviço da religião) passou a ser comum nos noticiários e a presença do mentor dos ataques terroristas, Osama Bin Laden, tornou-se figura tão conhecida quanto qualquer outra importante figura da história universal.

Bin Laden fundou a "al Qaeda" ou "A Base", como uma espécie de centro operacional para os extremistas Islâmicos. Para alguns a "al Qaeda" é uma organização terrorista, uma espécie de base para uma imensa rede global de organizações com as mesmas ideias, princípios e modos de operação. Mas de acordo com alguns estudiosos, Bin Laden e a "al Qaeda" financiam e organizam ataque terroristas, no entanto, a sua execução é feita por outros grupos. O ataque de 11 de setembro teve ali seu plano elaborado e sua execução financiada.

O Islamismo se tornou a religião mais temida do mundo moderno. "Ele assombra o imaginário popular do Ocidente como uma fé de extremismos que promove governos autoritários, oprime as mulheres, incentiva a guerra civil e o terrorismo", nos diz Karen Amstrong, no seu livro O Islã, editado no Brasil no ano dos ataques, pela editora Objetiva.

Os EUA são alvo primordial dos fundamentalistas islâmicos por representarem a modernidade em oposição à "idade dourada". Democracia e laicismo, emancipação das mulheres, colonialismo, são elementos que ameaçam uma tradição que se quer imutável. A resposta é a tentativa de sacralizar novamente o mundo, nem que seja a poder de fogo e destruição. "O fundamentalismo revela uma fissura na sociedade, que se polariza entre os que desfrutam a cultura secular e os que a vêem com horror", diz Karen Amstrong.

Vale abrir um parêntesis aqui e dizer que o fundamentalismo não é propriedade apenas de certo setor islamita, mas de todas as religiões que se sentem ameaçadas pelo laicismo: da mesma forma que o povo muçulmano é obrigado a usar o traje islâmico contra sua vontade (forçado pelo talibã), também o processo que proibiu o ensino da teoria da evolução nas escolas publicas americanas revela o poder do fundamentalismo protestante em ação.

Outra atitude fundamentalista (contra a liberdade de pensamento) que sintomaticamente registra o avanço perigoso dessa facção, é a decretação por Khomeini da fatwah (sentença de morte) contra o romancista Salman Rushidie, em 1989, porque o escritor supostamente blasfemara contra Maomé em seu livro Versículos Satânicos (livro queimado em praça pública por muçulmanos britânicos).

Algumas consequências que se pode listar como reação aos ataques do 11 de setembro são a invasão desastrosa ao Iraque (como ataque militar preventivo ao terrorismo), submissão de todos os suspeitos a interrogatórios exagerados e, por vezes, a tortura violenta, alianças militares para o fim do terror não só com países ocidentais, mas com países autoritários como Paquistão e Uzbequistão, gastos exacerbados com segurança e aparatos militares, estado emocional inseguro da população e dos governos diante da possibilidade de novos ataques.

No que diz respeito à última questão, foi duplo o sentimento diante da morte do terrorista Osama Bin Laden este ano, que fez os EUA suspirarem aliviados e se sentirem vingados, mas ao mesmo tempo com medo de uma resposta que colocasse os EUA sob ameaça de novos ataques. A cultura do medo, conseqüência do 11 de setembro, vai fazer com que os EUA gastem muito ainda com segurança.

O fato notável dos ataques aos EUA é o de ter reduzido a maior potência do Ocidente e sua prepotência exacerbada, à impotência diante de aviões comerciais que foram usados como armas e atacaram a partir do interior do próprio país. Armas inesperadas, os aviões que caíram sobre prédios americanos anunciam uma nova forma de guerra, mais sutil, traiçoeira, que pode partir de qualquer lugar e do desejo de qualquer um.

Talvez o resultado positivo para o mundo (se é que isso é possível num caso desses) é que os EUA agora têm a dimensão da rejeição que parte da humanidade lhe devota, fazendo com que repense a forma, muitas vezes predatória, com que lidam com o mundo. E que sirva de exemplo para todos os outros países, inclusive os emergentes. A queda das torres fálicas é um exemplo simbólico de que nenhum poder pode manter-se impune e de pé para sempre. Voltemos a estudar o declínio do Império Romano.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 27/9/2011

 

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