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Quarta-feira, 12/10/2011
Ainda cheira a espírito adolescente
Luiz Rebinski Junior

Em geral não me animo muito com efemérides musicais. Mas a comemoração dos 20 anos do Nevermind me tirou a poeira do cérebro. Nas primeiras matérias sobre o álbum comecei a me ver, 20 anos atrás, com um violãozinho tosco na frente de casa, na companhia de mais dois polaquinhos recém-saídos das fraldas, tentando tocar "Come as you are".

Sim, eu era um piá pançudo quando o senhor Kurt escutou todos os discos do Pixies, foi pra casa tentando fazer um novo Doolittle e cometeu "Smells Like Teen Spirit", uma música que tocou mais do que qualquer canção gravada pela trupe do gordinho Frank Black, ídolo do pequeno Kurt.

Na época eu não sabia, mas o rock andava meio perdidão. Os menos otimistas diziam que não havia nada de novo desde o punk; os otimistas viam no pós-punk de bandas como o Cure, que nasceu junto com o punk, diga-se de passagem, uma pequena renovação. Bem, mas se isso era verdade, se havia um buraco a ser preenchido na música jovem que foi tapado pelo trio de Seattle, melhor para mim, que tive a sorte de começar a escutar música no momento em que as guitarras distorcidas de Cobain davam o ar da graça.

Eu tinha um amigo mais velho, que era um dos poucos caras da minha cidade que possuía uma coleção considerável de CDs. E ele tinha muita coisa diferente para quem morava no interior no período pré-internet. Então esse cara me emprestava algumas coisas, sempre em doses homeopáticas, já que estávamos lidando com pequenas raridades. E foi num desses empréstimos que ele me apresentou o Nirvana. É claro que gravei várias fitas e logo arranjei uma grana para comprar um vinil todo ferrado do Nevermind, que tenho até hoje. Dali em diante, amarrei uma camisa xadrez na cintura, deixei o cabelo crescer e me tornei completamente subjugado à estética mendigueira de Kurt e seus amigos. Na sequência eu ficaria mais fã do Pearl Jam, cujos integrantes também eram adeptos das camisas xadrez, mas que faziam um som mais cerebral e menos sujo. Mas, claro, quem tava fazendo o fervo era mesmo Kurt, que fez bem o papel de garoto-propaganda do grunge.

Na verdade, conheci o Nirvana pelo começo. Escutei o Bleach, o primeiro álbum, ainda sem Dave Grohl, antes do Nevermind. É um disco maravilhosamente tosco, que soa como um Sonic Youth mais rápido, mas que não tinha condições de conquistar o mundo, no máximo a piazadinha de Seattle, já que o álbum só foi ser conhecido mesmo depois do sucesso de Nevermind. Este sim reuniu na medida certa o peso do metal, a fúria punk, letras poderosas, com pitadas de um pop moderado, sempre avacalhado pelos berros de Kurt e as guitarras estridentes que sempre surgem quando a música periga ficar muito adocicada. "Drain you" vai que vai rumo ao pop tradicional, mas no meio da brincadeira surge uma distorção de guitarra, com uns barulhinhos estranhos que culminam em um grito gutural. O mesmo acontece com a aparente calmaria pop de "Lounge act", que depois do refrão é dominada por gritos e gemidos de Kurt.

Tai a chave do sucesso do disco: endurecer sem perder a ternura. Bagunçar o pop, mas não sair tanto assim do trilho. Algo que várias bandas fariam ao longo dos anos 1990, como o Smashing Pumpkins de Mellon collie and the infinite sadness, que transita entre a estridência e a doçura. Kurt achou o caminho das pedras e fez o disco que o Sonic Youth poderia ter feito, caso arrefecesse no noise. Antes de Kurt, não havia existido um punk que tivesse gravado uma música como "Polly" e continuasse respeitado como um bom fazedor de barulho nesse brinquedinho chamado guitarra. Um homem sensível de alma atormentada, que se jogava em cima da batera como um ogro ensandecido, mas cinco minutos depois era capaz de gravar um disco como o improvável Acústico MTV, um dos melhores álbuns de rock todos os tempos, melhor do que o próprio Nevermind — mas menos revolucionário, claro.

Se os hipongos se orgulhavam de dizer que viram uma geração inteira de grandes músicos, nós, piás pançudos, cheios de espinhas, cabelo seboso, feios, sujos e desajeitados como o senhor Kurt, também tivemos nosso bastião, o messias de uma época meio caída, homem que bagunçou o coreto. Kurt foi nosso John Lennon, um pouco menos talentoso, um pouco mais malvado e boca suja, mas foi. E hoje dá pra dizer, como os hipongos caídos, carecas, nostálgicos de tudo, que vimos aquele rapaz na melhor forma. E, exatamente como os hipongos caídos, carecas, nostálgicos de tudo, olhamos de cima para baixo para os impúberes que pintam as unhas, os cabelos e sei mais eu o quê e dizemos: "na sua idade eu estava escutando um polaquinho endiabrado que escrevia canções como 'Rape me'". Claro que é uma arrogância típica de quem está ficando para trás, mas os clichês nem sempre estão errados: o Nirvana foi o último suspiro do rock mais parrudo. A banda não comandou um movimento nem nada, como a mídia ainda gosta de contar, foi, no máximo, a revolução de uma banda só. Ou de um homem só, um rapazinho que mostrou para o mundo que ainda era possível remexer a terra e tirar algum suco do bagaço em que a música jovem se encontrava. E fez isso da forma mais natural e menos provável possível, com um som anticomercial, não recomendado a massas de ouvido sensíveis. E ninguém mais conseguiu isso, depois de 20 anos.

Lugar certo na hora certa: talvez hoje o Nirvana nem existisse, ficasse preso a uma conta do myspace, sob o domínio de um clubinho de abnegados. O Nirvana morreu com a indústria do disco e se deu bem. Ainda vendeu milhares de discos e conquistou, antes que a festa acabasse, a vitrolinha daqueles que hoje são trintões.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 12/10/2011

 

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