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Quinta-feira, 13/10/2011
Séries? Que papo é esse?
Fernando Lago

Dentre todas as coisas que me fazem ser um sujeito muito estranho, talvez a mais estranha seja ser estranho e não gostar de algumas coisas que a maioria dos estranhos como eu gosta. Leio livros que pouca gente lê, assisto programas que pouca gente assiste, durmo de dia pra acordar de noite, essas coisas tão estranhas que aos estranhos é perfeitamente normal.

Mas observo que escapo da compulsão que estes sujeitos têm por séries, especialmente as americanas, especialmente as difíceis de entender. Digamos que meu gosto para séries seja um pouco clássico ou até mesmo, diria, "empreguiçado". Tenho uma preferência estranha (e olha nossa palavra aí) por séries antigas.

Calma, amigos apreciadores das novidades que têm surgido em matéria de séries. Não estou aqui para espinafrar nem mesmo invalidar a qualidade das séries novas. Quem disse que para falar de coisas velhas devem-se anular as coisas novas? Fiquem tranquilos, pequenos gafanhotos, também as assisto e morro de rir com algumas delas; com outras me emociono; com outras me envolvo no mistério e vou tentando desvendar a trama toda. Mas acabo não acompanhando muito.

Primeiro por este negócio de ter que acompanhar a história, de ter que voltar no dia seguinte pra continuar, arre! Ainda sou fã de episódios livres, que não dependam tanto um do outro. Segundo, e acho que eis aí a principal questão, eu não tenho TV paga em casa (isso mesmo, sou pobre; se alguém tiver um "bolsa família" aí eu aceito) e fico a cargo das séries transmitidas pela TV aberta. Touché!

E é na TV aberta que eu encontro duas das minhas séries antigas favoritas, especialmente no SBT. Sei o que lhes veio às mentes, salafrários, devem estar pensando que sou mais um fã de Chaves. E, olha, acertou. Mas apesar do mexicano fazer parte da minha vida, como da de muita gente, não é dele que eu estou falando. Até porque, El Chavo dispensa comentários, basta lembrar que é um produto mexicano que está no ar há décadas e continua a ser exibido sem apelação alguma.

Outro fato legal das séries antigas é que elas me fazem, quase sempre, lembrar da minha infância tão linda no "interior do interior do interior". E eu sou um sujeito muito apegado às memórias. É por isso que assisto, sempre que posso, a Um maluco no pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air) que além de ser muito engraçado, com piadas sutis e inteligentes, me fazem lembrar da época em que eu chegava da escola e fazia maratona na frente da TV para assistir ao Will Smith, cujas piadas na época eu nem entendia, e estava interessado mesmo no Chapolim e no Chaves, que passava logo em seguida.

Mas uma das séries que mais me chamaram a atenção foi Arnold (ou Minha Família é uma Bagunça, na Nickelodeon), quando exibida em 2009 pelo SBT. Não conhecia a série, nunca sequer tinha ouvido falar; passaria facilmente por mim como uma série nova, não fossem as imagens. O nome original é Diff'rent Strokes, exibida nos EUA de 1978 a 1986. Conta a História de Arnold e Willis Jackson (respectivamente, Gary Colleman e Todd Bridges), dois irmãos que viviam no Harlem (isso lhes lembra alguma coisa? Jackson, Harlem...) até sua mãe morrer e eles serem adotados pelo patrão dela, Phillip Drummond (Conrad Bain), um rico empresário que vive numa mansão em Manhattan. Juntamente com eles vivem ainda a empregada Sr.ª Garret (Charlotte Rae) e a filha de Drummond, Kimberly (Dana Plato).

Além de ser muito engraçada, a série traz uma discussão muito interessante. Negros, Arnold e Willis constantemente se envolvem em situações de racismo protagonizadas pelos amigos do senhor Drummond, que não imaginam como dois negros podem ser filhos de um ricaço empresário e viverem numa cobertura em Manhattan. A trama é repleta de discussões sobre a diferença entre o Harlem e Manhattan, quase sempre puxada por Willis, quando o senhor Drummond tenta lhe convencer que nem todos são preconceituosos ou racistas.

Lembro-me de um episódio em que Drummond defendia arduamente a justiça americana e tentava convencer Willis de que o cidadão era julgado como merecia, garantido o seu direito de defesa. Para Willis, isso podia até acontecer, mas só se aplicava aos cidadãos que se encaixavam em alguns padrões sociais (isto é, brancos), porque um negro, pobre e do Harlem não teria direito algum, seria considerado culpado só por ser negro, pobre e do Harlem. Quando o peixinho dourado de Arnold aparece nadando na banheira da casa e o senhor Drummond acusa o menino de tê-lo posto lá, Willis vê na situação a chance de mostrar que muitas pessoas (da justiça, inclusive) tem o hábito de não julgar devidamente àqueles que já são considerados culpados por suas características sociais.

Este tipo de discussão é o que há de comum entre The Fresh Prince of Bel-Air e Different Strokes, o que é feito com muito bom humor. Há algo do gênero também em Everbory hates Chris, nas narrativas exageradas e deliciosas de Chris Rock sobre a sua infância e adolescência no Brooklin.

Não são as únicas séries que eu assisto, ressalto. Gosto de várias séries novas também, dentro das minhas limitações de pobre lascado e de sujeito impaciente para acompanhar temporadas longas de episódios dependentes um do outro. Já sei! Dirão que gostar de Albert e de Will Smith reflete um pouco essa minha personalidade gaiata e presepeira, cheia de piadinhas sem graça das quais só eu rio... E eu simplesmente direi: "Que papo é esse, leitor?"

Fernando Lago
Teixeira de Freitas, 13/10/2011

 

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