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Quarta-feira, 9/11/2011
O Nobel de Tranströmer
Luiz Rebinski Junior

Um modo bastante eficiente de camuflar a ignorância é desqualificar àquilo que se desconhece. É mais ou menos assim que a imprensa brasileira agiu quando o sueco Tomas Tranströmer, um grande azarão segundo nossos especialistas, mas uma barbada nas casas de apostas europeias, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2011. Claro, é muito mais fácil falar daquilo que se conhece, por isso dá-lhe Philip Roth, que, ao que parece, vai sair dessa vida sem a condecoração e o chequinho em euros que a acompanha. Não porque não mereça, claro, pois o homem é um dos grandes de nosso tempo, mas porque seu país não é visto com bons olhos pelos chefões do Nobel, que sempre recorrem ao hermetismo editorial dos EUA para varrer pra debaixo do tapete a brilhante trajetória do criador de Nathan Zuckerman. Mas claro que isso não tem nada a ver com literatura, é apenas política. São especulações divertidas, como aquelas discussões pré-clássico, em que todos fazem suas apostas no time do coração.

Foi divertido ler alguns textos pré-certame, explicando por que certos autores não ganhariam o Nobel. Thomas Pynchon nunca levará, diziam alguns de seus fãs, porque o homem não apareceria para buscar seu checão, mandando certamente a mulher pegar a grana, que com certeza faria uma boa diferença no orçamento da família. Então, deixando o senhor Pynchon relegado às participações esporádicas nos Simpsons, a Academia não correria o risco de levar outro balão, como em 1964, quando foi humilhada pelo zarolho Sartre, que não apareceu para receber a homenagem. Outra vez a política ideológica varrendo a literatura para os cantos.

Pois bem, no tabuleiro literário da Academia, o nosso nobre continente, tão fértil em grandes escribas, também ficaria para depois. Com o prêmio de Vargas Llosa em 2010, vamos ter que esperar mais algumas décadas, ou até alguém escrever o novo Cem anos de solidão, para levar a honraria. Assim como qualquer prêmio literário, o Nobel também não tem muita lógica, então não dá para tomar a sua lista de ganhadores como uma bíblia da boa literatura mundial. Mas era possível perceber nas entrelinhas, o riso de escárnio de nossos literatos ao citar a nota da Academia para explicar a escolha por Tranströmer, que com "suas condensadas e translúcidas imagens, nos dá um novo acesso à realidade". Tá certo que a frase aí poderia estar em algum tratado surrealista, saído da pena do senhor Breton ou dito em uma mesa de algum bar catalão pelo bigodinho Dali, mas a maneira como foi citada pelos jornais foi sintomática de nossa arrogância.

"Quem é esse tal de Tranströmer?", era a pergunta que ecoava até mesmo nos textos que tentavam dizer quem era o velhinho "que surgiu do nada". Bem, do nada partimos nós, não os cinquenta países por onde a poesia do bardo sueco já andou. Que culpa tem o homem se apenas um de seus poemas chegou aqui, escondido em uma coletânea de versos que poucos leram? O castigo é nosso, que passamos longos anos sem ter conhecimento de um poeta que, se acreditarmos no bom gosto da Academia sueca, deve ser muito bom. Assim como não conhecíamos a senhora Wisława Szymborska, Nobel de 1996, que só agora tem um livrinho publicado entre nós. Foi preciso que uma professora da Universidade Federal do Paraná passasse uma temporada na Polônia para nos trazer a poesia da dona Szymborska, que não perde tempo e ri da própria falta de populariadade em um dos poemas do livro publicado recentemente pela Companhia das Letras: "Alguns -/ ou seja nem todos./ Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria./ Sem contar a escola onde é obrigatório/ e os próprios poetas/ seriam talvez uns dois em mil." Regina Przybycien, a tradutora responsável pela boa ação, fez de uma questão pessoal - o aprendizado da língua dos antepassados - o mote para reparar uma lacuna de nosso mercado editorial - e com isso diminuiu a nossa vergonha, descendentes de polacos que sequer sabíamos da existência da conterrânea ilustre. E é assim que muitas vezes as coisas se resolvem no inesgotável mar literário. Nem o mais dedicado dos críticos, o mais atento e poliglota, poderá conhecer todos os poetas, contistas ou romancistas do mundo. Então, a melhor saída é sempre a humildade em reconhecer que somos pequenos diante da grandiosidade da literatura.

Se não conhecemos os grandes escritores da África ou Ásia, pior para nós. Assim como devemos agradecer - e não lamentar - que apenas nós conhecemos a fundo escritores como Dalton Trevisan e João Guimarães Rosa. Pior para quem não conhece, para quem nunca vai saber da existência de Lima Barreto, João Antonio, Marçal Aquino e Sergio Sant'Anna. Só nos sobra a compaixão pelo editor do New York Review of Books, que não vai ler nossos escritores e, por consequência, seus leitores não vão conhecer a obra dessas figuras sensacionais de nossa literatura. Esses leitores vão continuar lendo o que os escritores da América têm a falar sobre a América, alimentando a ideia de que ilhota de Manhattan é o umbigo do mundo. Então, o Nobel para o senhor Tranströmer foi uma boa oportunidade para nos lembrarmos de que há vida literária para além da língua inglesa, cuja predominância em nossas estantes é inegável.

Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 9/11/2011

 

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