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Sexta-feira, 11/11/2011
Pequenos grandes negócios poéticos
Ana Elisa Ribeiro

O título desta coluna parece um contrassenso e meio. Aqui, o sentido de "pequeno" não é o antônimo de "grande" e os "negócios poéticos" são possíveis, mesmo sendo poéticos. O estranhamento ocorre porque é comum ouvir, a torto e a direito, que poesia não vende, não é mesmo? E como, então, pode ser negócio? Mas é. Um negócio importante, insumo para a cultura e para a perpetuação dos currículos escolares futuríssimos. Quem sabe um dia um poeta vivo, destes que se apresentam nos colóquios e festas, anjos "gauches" ou que vivem nas (das) sombras, possa adentrar o cânone, esta espécie de cemitério da palavra.

Meu despudor para este título é resultado da experiência de assistir a ao menos uma dezena de lançamentos de livros de poesia & prosa só neste meu quarteirão, no ano corrente. Também é fato que aceitei a alguns convites de participação em festivais e parlatórios para ler (e ouvir) poesia. Nitidamente poesia. Com autores espalhados por todos os cantos e gente para assistir. Plateia, ao mesmo modo do rock ou do pop. Plateia grande, com gente a bater palminhas no final da leitura. Não tinha cerveja nem churrasco. Havia gente & poesia. O que mais pede a cidade, por entre suas colunas de concreto?

Há alguns anos, uma poeta mineira decidiu-se, depois de muito debater-se, por morar em São Paulo, a capital. Luciana Tonelli frequentou a poesia mineira desde sempre, com os pés fincados na poesia contemporânea toda. E eis que, com a lei de incentivo paulista, ela lança um livro de poesia sobre a experiência de viver na/a pauliceia (desvairada?). Ainda não vou falar do livro dela (esta será outra coluna), mas preciso mencionar que já atinei ali, em abril ou maio, que viria enxurrada.

Vários outros autores, com presença significativa de mulheres que poetam, se seguiram, com seus livros belíssimos e carregados de sentido, à maneira de Pound (como li na graduação). Bruno Brum foi um dos lançadores de bombas poéticas virais. Seu Mastodontes na sala de espera, também realizado com a ajudinha básica de lei de incentivo à cultura (em Minas, desta vez), sai ao ar livre como uma fera faminta. Já passou pelo crivo de um monte de gente afeta a estas artes poéticas e já, depois de solto, andou angariando elogios de outros poetas de mão pesada.

Em novembro ainda, sob a indecisão climática da capital mineira, a poetíssima Ana Martins Marques lança Da arte das armadilhas, pela almejada (por muitos, mas nem todos) Companhia das Letras. Mineiríssima, para falar, olhar e se vestir, Ana MM vem de uma discreta e bem-sucedida carreira poética, estudada e dedicada. O livro anterior, A vida submarina (Scriptum), foi elogiado e já tinha lá seus prêmios. A autora ganhou duas vezes um grande prêmio nacional, em sequência, e mui merecidamente. Daí que tenha sido garimpada por uma grande editora, mui merecidamente também.

O que quero destacar, no entanto, e que diz respeito diretamente aos pequenos grandes negócios em literatura, é que boa, muito boa mesmo, parte dos livros que estão aqui, nesta pilha, diante de mim, foi lançada por pequenas editoras. Pequenas, às vezes desconhecidas, muita vez discretas e mal-distribuídas. Pequenas e importantíssimas editoras, que têm o papel (e sempre o tiveram) de renovar o sistema que, vez ou outra, parece parado e repetitivo (há alguns anos diríamos que o disco está arranhado). Mas não está. Nunca está. É que emergir é complicado.

Em Minas Gerais, que é onde estou localizada, consigo enxergar uma guerrilha muito viral e cheia de efeitos na cena literária. Pequenas e atrevidas editoras, agora, me fazem lembrar os inícios do século XXI, quando, com a ajuda da internet, outras pequenas editoras lançaram poetas e contistas que agora são visíveis. A Ciência do Acidente (de Joca Terron) e a Livros do Mal (de Daniel Galera) (entre outras e outros) fizeram o papel fundamental de entrar na cena. Atualmente, as mineiras Crisálida e Scriptum, a turma dos Jovens Escribas (em Natal, RN) e outras tantas editoras de atitude (e de pouco capital) se incumbem de olhar, sentir e lançar os poetas que logo (ou não) chegarão aos catálogos das bienais e festas do futuro.

Autores que pagam suas edições (agora belíssimas e nada precárias), autores que são seus próprios designers, diagramadores e revisores, autores que entram nos editais de incentivo (a despeito da burocracia e da complicação), autores que são poetas&empresários, são eles que movimentam, junto com as pequenas editoras (que às vezes sequer são pessoa jurídica), e forçam a roda da literatura (no caso, a brasileira). São eles que respingam este quadro estático (com todo o respeito aos que já conquistaram seus postos e cadeiras). São as pequenas editoras que têm coragem, audácia, luz. As grandes editoras têm poder e olheiros, quando são espertas. As pequenas editoras vivem no chão, a tecer tapetes junto com os poetas, contistas e romancistas, onde eles vivem e fazem conluios. São elas que empurram a fila, até que a existência evidente de poetaços vivíssimos cutuca, belisca e incomoda as grandes editoras e seus contratos de direito do autor.

É lindo ver a Ana Martins Marques na Companhia das Letras, uma das grandes editoras mais respeitadas do país. Uma grande editora de literatura, frise-se. E é lindo ver que a Ana Martins Marques é cria da Scriptum, aquela pequena editora-livraria ali na Savassi, em Belo Horizonte; e que Bruno Brum e outros tantos são cria da Crisálida, aquela pequena editora-livraria ali no edifício Maletta, no centrão da capital mineira; e que essas coisas se fazem com paixão pela palavra, um editor atrevido, bastante talento, um bom computador e um pouco de dinheiro.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 11/11/2011

 

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