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Sexta-feira, 20/1/2012
O iPad não é coisa do nosso século
Marcelo Spalding

Parece que faz mais tempo, mas agora em janeiro o iPad completa recém dois anos de existência, pois seu lançamento mundial foi em 27 de janeiro de 2010. No Brasil, tem pouco mais de um ano, pois foi lançado em dezembro de 2010. Mas o sucesso foi tão estrondoso que muitos já têm o seu iPad e já não sabem como poderiam viver sem ele.

O curioso, porém, é que o iPad não é uma revolução tão grande como se pensa. Pesquisando na internet mesmo você descobrirá que computadores em forma de tabuleta são desenvolvidos desde antes da popularização do PC, como o Dynabook, lançado em 1968 por Alan Kay, um computador portátil desenvolvido para crianças, similar a um caderno, com memória suficiente para 500 páginas de texto ou áudio.



A própria Apple, em 1979, já havia lançado um dispositivo para o Apple II que permitia aos usuários desenhar com uma caneta stylus com fio e transferir esses traços digitalizados para o seu computador. Em um anúncio da época, a Apple descrevia o produto como "uma forma fantástica com técnicas e ferramentas fáceis de usar para criar e exibir imagens digitais".



Ednei Procópio, em O livro na era digital (Giz Editorial, 2010, 230 p.), dedica um capítulo inteiro à história dos tablets e dos e-readers, mostrando que o iPad e o Kindle são frutos de anos de pesquisas, tentativas e erros. O autor, entretanto, começa esse histórico pelo WebPAD, da empresa de semicondutores National Semiconductor, apontado por Procópio como um "um novo conceito em termos de computação pessoal portátil, uma espécie de notebook sem os teclados, que serviria basciamente para navegar na Web". O WebPAD não chegou a tornar-se reconhecido no mercado, mas a partir dele a Microsoft "inventou", ainda em 2001, mesmo ano em que a Apple lançava o iPod, o Tablet PC.

"A solução da Microsoft não era na verdade um PC, mas um conceito 'novo', desenvolvido para encorajar as empresas OEMs a construírem equipamentos de 'nova' geração. (.) A chave para o Tablet PC era uma caneta e um monitor de cristal líquido touch screen, que possibilitariam aos usuários escrever na tela como no papel, igualzinho a um WebPAD. O Tablet PC original vinha com um editor de textos [baseado no MS Word] que permitia apagar, inserir, copiar e colar anotações, de forma similar aos ASCII que são editados em computadores convencionais. Para nós, que nos interessamos por eBooks, ele só vai ter uma utilidade eficiente clara: a da leitura. Igual ao iPad? Sim", afirma Procópio.

É difícil dizer por que o tablet da Microsoft, lançado dez anos antes do iPad, não chegou a movimentar o mercado de tecnologia e nem mesmo o mercado editorial, já que, segundo Procópio, "a tela TFT de cristal líquido era a melhor coisa que se pode pensar em termos de leitura de livros eletrônicos [.], melhor que o papel". O autor menciona, superficialmente, que o impeditivo sempre foi o tamanho e a duração da bateria, e chama a atenção para uma questão cultural: "quem tinha um celular, um Palm, um notebook e um computador de mesa não ia ver utilidade em seu novo aparelho. A não ser os que eles chamam de hard-users e nerds, com muita grana (será que nós estamos falando dos applemaníacos?)".

Podemos, contudo, apontar alguns fatores para esse sucesso tão rápido do iPad se comparado a seus antecessores. Em primeiro lugar, um grande diferencial do iPad em relação ao tablet da Microsoft e outros é a iTunes e a AppStore. Só para se ter uma ideia, até meados de 2011 já eram mais de 500 mil aplicativos divididos em categorias como negócios, educação, entretenimento, saúde, finanças, medicina, estilo de vida, música, navegação, fotografia, notícias, referências, produtividade, esportes, utilidades, viagens, tempo, redes sociais, livros.

Dessa forma, o iPad tornou-se em pouco tempo não um aparelho a mais para aficcionados por tecnologia ou nerds applemaníacos, como ironicamente afirma Procópio, e sim um equipamento capaz de centralizar diversas funções num só lugar, de agenda de compromissos a leitor de revistas e jornais, de GPS a locadora de filmes. Um equipamento do qual ninguém sentia falta antes de conhecer, mas sem o qual agora não se consegue ficar.

Ocorre que Steve contrariava uma das regras básicas do marketing, a da necessidade de se ouvir o público-alvo. Ele, ao contrário, concentrava-se na experiência do usuário: "como é que eu posso perguntar às pessoas como um computador baseado em uma interface gráfica deveria ser quando elas não têm a menor ideia do que seja um computador baseado em uma interface gráfica?". A este respeito, Jobs costuma usar uma atribuída a Henry Ford: "se eu perguntasse a meus clientes o que eles queriam, teriam respondido que era um cavalo mais rápido".

É um exagero, portanto, afirmar que o iPad seja revolucionário e inédito, mas você pode continuar dizendo que ele é inovador e foi o responsável pela criação de um efetivo mercado de tablets. O próprio Jobs diz que "criatividade é apenas conectar as coisas". E conectando o modelo de negócios bem sucedido do iPod com as experiências de um hardware portátil e sem teclado, a Apple mudou o modo como o usuário lida com seu computador, tirando-o da mesa do quarto ou do escritório para o sofá, a cama, a fila de espera, o carro, o ônibus, a escola...

Marcelo Spalding
Porto Alegre, 20/1/2012

 

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