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Segunda-feira, 9/1/2012
Civilização
Daniel Bushatsky

Civilização Sonhei que estava em um supermercado onde não havia funcionários na caixa registradora. Os consumidores passavam seus produtos no leitor ótico e/ou pesavam suas frutas e verduras e depois pagavam o valor correspondente às suas compras na máquina, sozinhos — ninguém para conferir. Para não mentir, existia uma funcionária, simpática e prestativa, que estava lá somente para auxiliar os marinheiros de primeira viagem. Quem empacota, somente para ressaltar, são os próprios consumidores também.

No dia seguinte sonhei novamente. Era uma terra cheia de museus como o de história natural, história antiga, moda, arte contemporânea...em comum, as casas colecionadoras tinham duas coisas: belíssima construção e entrada grátis. Era uma forma de o governo, sem medidas populistas, incentivar a cultura. O curioso é que mais de 14 milhões de turistas visitavam por ano esta terra encantada e também usufruíam do benefício. Com cultura não se brinca!

No terceiro dia, durante a noite acordei assustado. Não era possível, deveria ser um pesadelo, minha mente não poderia ter criado aquela imagem. Era um almoço. Haviam umas doze pessoas sentadas em volta da mesa. Elas conversavam, riam, curtiam o momento. Não havia ninguém olhando o celular, mandando mensagens ou postando no facebook o que estavam fazendo.

Neste lugar encantado, as pessoas pagam suas próprias compras (sem ninguém cobrar), incentivam a cultura (museu de graça), e ainda não falam no celular a todo o momento, respeitando um encontro com amigos, porque são o fruto da educação, respeito ao próximo e cultura.

A combinação destes elementos chama-se civilização. A questão é como importá-la para o Brasil. Na nossa terra importamos de tudo: de produtos de luxo a descartáveis, passando por serviços exóticos a banais. O importante para o brasileiro, dependendo de sua classe social, é estar alinhado com Miami, Nova Iorque ou Paris. Para os mais pobres é copiar os mais ricos, o que significa muitas vezes copiar seus patrões.

No lado cultural, importamos o cinema americano e suportamos o francês ou o italiano. Se queremos impressionar, assistimos também a um filme iraniano. A tristeza é que quando importamos o filme somente absorvemos as leviandades, como qual é o novo corte de cabelo do Brad Pitt ou a calça jeans da Angelina Jolie, para pegar um casal pop do momento.

Falando neles e controvérsias à parte, por que nunca vejo ninguém comentar "nossa também vou adotar uma criança da Etiópia..."?

Isto sem falar quando incorporamos linguagens e gírias de outros países, que mal sabemos o significado, somente para ficarmos "in".

Quem já foi em algum supermercado sem pessoas na caixa registradora no Brasil? E museu de graça? Isto sem falar nas pequenas coisas, como o carro parar quando colocamos o pé na faixa de PEDESTRE (sim, chama-se faixa de pedestre) ou metrô sem catracas, que você paga o quanto usou. E o mais impressionante: para comprar um ingresso existe a categoria de "desempregado", com preço menor do que as categorias de "estudante e idoso".

Não é pedir demais que fiquemos um pouco menos fascinados para os costumes americanos ou europeus e comecemos a refletir mais sobre nossas atitudes diárias. Pequenas gentilezas, um pouco menos de "jeitinhos brasileiros" traria mais confiança para as pessoas.

Se isto é pedir demais, podemos importar estes costumes e descartar outros, como o consumismo exagerado dos americanos ou o vício por cigarro dos franceses.

Nesta época de Natal vou colocar na minha lista de presentes para o Dia de Reis (costume importado da França, onde as crianças só ganham presente neste dia e não na véspera do Natal), fora o DVD dos Incríveis e das novas calças jeans, que sejamos tocados com o pó mágico da Sininho e que este nos enfeitice com um pouco de educação, digo de civilização!

Ops, acordei!

Daniel Bushatsky
São Paulo, 9/1/2012

 

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