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Sexta-feira, 13/1/2012
Voltar com ex e café requentado
Ana Elisa Ribeiro

Fico ali entre duas condições estranhas: acreditar que o passado está fixo e "imexível" (como diria um de nossos políticos, profundo conhecedor da produtividade na morfologia da língua portuguesa) ou crer que nossas vivências atuais modificam nosso passado. Bom, é, em todo caso, melhor explicar: se todo passado está lá, onde foi cosido, aqui, quando o rememoro ou o conto, ele não passa de uma narrativa. Sendo narrado, é, a cada momento, visto de um modo, de um ponto de vista, influenciado que é pelo que somos na atualidade. Ou não? Daí que, após uns anos de vivências e experiências (dizia o nobre Júlio Pinto, semioticista mineiro, que são coisas diferentes), nossa narrativa do passado se altera. O que nos pareceu ruim quando estávamos lá, e aquele passado era presente, pode ser entendido, agora, como o melhor episódio de nossas vidas, uma dádiva que abriu todos os bons caminhos seguintes. E se assim é, o passado não muda, ok, mas nossa maneira de percebê-lo, sim.

Quando eu estava lá, o passado com esta ou aquela pessoa me parecia alegre ou triste. E ali estão negociados também todos os finais de relacionamentos. Sim, esses episódios que nos assombram por semanas, meses ou décadas. Essas pessoas que se cristalizam em nossas memórias e que se transformam em avatares. Essas figuras meio míticas que fazem parte de muitas narrativas em nossas vidas, inclusive suscitando comparações chatas ou insistentes com o presente (talvez até impedindo um futuro bacaninha).

Eu não costumava me apertar muito com ex-relacionamentos. Lembro-me de um que terminei por telefone mesmo, para evitar o encontro. Por ele chorei uma exata lágrima, por um olho só, porque não contive certa tristezinha de ouvir a vozinha sussurrada do moço decepcionado. Era uma pessoa tão legal... Mas fugia muito daquele meu zelo pelo futuro que eu pensava que ainda poderia ter (mais tarde veria que não).

Já dizia aquele meu poema, no livro de 2008 (Fresta por onde olhar, Cantiga do amor fodido, página 58): "Não me demoro/deitada em peito algum/ Nem espalho/em qualquer corpo/minha anca de metro". Está valendo, não? Nem sempre. Algo me diz, sempre, se devo investir ou não, porque relacionamentos costumam gastar energia demais. É muita energia gasta para conviver com alguém, para dar certo, para combinar as mínimas coisas, para atuar sexualmente, para manter a atenção, a exclusividade e o bom astral. Então já vamos logo aprendendo a pescar se funciona ou não. E aí valia mais a pena terminar logo o que não tinha solo fértil.

Em compensação, havia sempre aquelas histórias mal-fadadas, fracassadas ou mal-resolvidas. Certa vez um namorado me disse, antes de resolvermos assumir o romance: "Seu passado está bem-resolvido? Porque não tenho vocação para caça-fantasma". Adorei. Pelo bom humor (entre outras infinitas coisas da lista de opcionais... homens costumam vir no modelo pé duro), eu quis namorar. Naquele tempo, as questões com ex-cruz-credos estavam todas resolvidas, sim, mas custara bastante resolvê-las. Ufa.

Havia, um dia, o ex-primeiro namorado, aquele da adolescência, que deixa marcas míticas. Anos depois de arrastar várias e pesadas correntes, desfizemos nossos mal-entendidos todos. Final de todos os rounds. Luta inglória esquecer namorado paixonite. Mas quando a gente encontra o cara, décadas depois, a decepção ajeita tudo. Ponto para nós. Cada um pro seu lado.

Mais tarde, o outro ex, colega de colégio, que, uma década depois, continua nos afetando negativamente pelos mesmos motivos. Nada mudou. Excelente remédio para curar desamores largados na memória. É isso mesmo, minha filha, não tem jeito. Tudo igual sob o Sol. Minha amiga Ana Martins Marques (poetíssima) me ensinou isto: "Voltar com ex é assim: na primeira semana, você se pergunta como deixou aquele homem maravilhoso escapar. Na segunda semana, você pensa: ah, lembrei".

E ainda há um terceiro caso, quando você tem a chance (dada pela vida ou por sua agência ansiosa) de reencontrar um ex desses fascinantes, muito mais velhos, ricos e bonitos (músicos, inclusive) para ver se na atualidade a relação poderia funcionar melhor. A máxima da Ana Marques continua valendo, não nos esqueçamos. No caso aqui, a relação terminara sem conclusões, por descuido, assim... uma distância qualquer impediu que a história se resolvesse. É aquele caso do "e se", que nos deixa sempre suspensos em relação ao que poderia ter sido e não foi, se... isto ou aquilo, assim e assado. Não se trata, portanto, de um relacionamento terminado, encerrado, com explicações e justificativas, mas de uma suspensão muita vez involuntária. Daí que a vida vem e nos põe, novamente, frente a frente (a vida ou o Facebook). Pronto, é hora. Daí, em pouco tempo, você, mais madura (ou maduro... mas em geral isso ocorre às fêmeas), vai sacando coisas que não percebera antes. E então aquele mítico ex se transforma num odioso ser comum. Pronto. E ponto.

Um quarto caso, curioso, é o do ex que é a excelência em ex. Aquele pelo qual a gente agradece por ter virado ex, com louvor. É o cara do qual você se livra. E é uma pena não poder dar um ctrl+z pra tirá-lo do currículo.

Terminadas as questões pendentes, pode-se fazer a fila andar. E como anda? Meu amigo me disse, com várias certezas (e inclusive munido de exemplos), que as mulheres é que decidem as partidas nas relações. Sei não. Bom, em todo caso, conheço muito mais mulheres que têm a dignidade de dar cabo de relacionamentos ruins. Ah, interessante: esse meu amigo é, de fato, um dos poucos homens que conheço que dão fim a relacionamentos.

Filas andam. E vamos nós preparar novos futuros e novos passados. Narrar de forma diferente todas aquelas relações que ficaram para trás, agora sem fios soltos. É preciso soldar, arrematar, finalizar. Próximo, por favor! Lá vem ele. A versão pé duro chega com muitos opcionais. Que beleza! Não há mais ex bicando a conversa. Não há muitas comparações... ou melhor, há, mas o próximo namorado tem parecido melhor do que a fila de links já acessados (todos roxos). Bom, vamos à vistoria, à vivência, à experiência. Vamos em direção a algo que seja leve, que funcione, que seja bom. E os critérios? Mudaram. Porque o que eu valorizo hoje só pode ser observado hoje. Há alguns anos eu não tinha olhos para certas coisas. Hoje, tenho.

Casar-se é uma verdadeira escola de lidar com o impossível. Namorar é só superfície, só regalia. Vai lá dividir teto e cama pra ver se qualquer um é príncipe? Em todo caso, tomara que seja. Princesa também não há. As tais das sacas de sal (25 kg, ok?) são difíceis de compartilhar com alguém, oh. E ex é isto: não deu nem pra consumir aquele saquinho do supermercado (1 mísero quilinho). Vai tentar de novo? Você curte um café velho requentado, né?

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 13/1/2012

 

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